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Metal

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Por: Aloysio França. Fonte: Whiplash

O mundo observa hoje um momento conduzido por críticas fortes às decisões políticas e condições sociais. Não por estarmos vivendo uma situação mais crítica que outrora, mas por estarmos observando mais que outrora. Os meios de comunicação modernos permitiram às massas perceber o que antes estava embatucado. E assim as opiniões diversas vieram à tona, transformando o cenário em um grande mosaico de novas imaginações. Em meio a tantas evidências, agora sendo mais específico, um determinado nicho da sociedade tem chamado a minha atenção por suas atitudes conservadoras e reacionárias. Estou falando do público do Heavy Metal, e já me adianto aqui que NÃO DEVEMOS GENERALIZAR. Não afirmo também que são maioria ou minoria, como se meus olhos fossem instrumentos definitivos de contabilidade e estatística, reduzindo toda uma diversidade ao meu ímpar ponto de vista. Mas afirmo sem medo que existem muitos reacionários no Metal, e isso é intrigante. Por que o Heavy Metal se tornou tão reacionário?

O Heavy Metal nunca teve como premissa a politização, nem tampouco a doutrinação. No entanto, existiu um forte sentimento de desconstrução em sua origem. A desconstrução dos valores tradicionais. A desconstrução dos valores familiares. A desconstrução de tudo aquilo que era tido como certo e ideal pelas instituições conservadoras.

O Heavy Metal quando surgiu, ostentou a face insatisfeita da música. Estavam descontentes com o mundo ao seu redor. Não queriam seguir regras consolidadas que diziam como deveriam se vestir e como deveriam se comportar. A disciplina, a bíblia, o militarismo…. Regras, regras e regras. É fato que o Metal não foi o primeiro a subverter esses valores. Na década de 60 houve um forte contraponto ao tradicionalismo social. O movimento hippie, a liberdade sexual confrontando o puritanismo e a espiritualização anti-consumismo. Ou seja, já haviam construído uma base de rebeldia que fertilizou o terreno para o nascimento de algo que desse continuidade. O Heavy Metal irrigou e nutriu o cenário, mas de tudo haveria de crescer.

Black Sabbath atraiu os olhares do mundo com suas melodias perturbadoras, as letras soturnas e também contrárias ao militarismo. Judas Priest e Motörhead esbanjavam rebeldia e o Venom só queria chocar a família tradicional. O Iron Maiden, sem pudor algum, proferiu suas críticas às políticas liberais de Margaret Thatcher e depois o Metallica mostrou o lado sombrio de um vocalista machucado pela religião a qual foi exposto na infância.

Hoje, muitos dos reacionários no meio Metal exercem uma postura radical, como se o extremismo conservador fosse a salvação para a balbúrdia política que vivemos. Nomes como Bolsonaro são considerados a milagrosa solução direitista em um país governado pela esquerda(!?). Sua herança militar nacionalista denota a suposta disciplina necessária para arrumar a bagunça de nossos dias, como se uma farda fosse sinônimo de integridade moral, coisa que na história nunca vi acontecer, efetivamente. Em sua prematura campanha presidencial o percebo tentando a todo custo se tornar uma pessoa mais agradável que sua antiga imagem, mas falha, incapaz de disfarçar as propriedades escatológicas de seu discurso. Na tentativa desesperada de segurar o arroto, sempre acaba peidando. Pequenos molestos de camisetas pretas e cabelos compridos levantam sua bandeira com orgulho, principalmente quando o discurso bolsonarista os faz sentir que poderão voltar a ser machistas, racistas e LGBTfóbicos, como o Metal sempre pareceu ser, assim como o próprio Rock. Pequenos molestos cabeludos estão por toda parte.

Então surge a questão sobre o atual comportamento do público do Heavy Metal. Por que houve uma mudança de direção tão significativa? Quando foi que os ouvintes passaram a rejeitar atitudes revolucionárias e optaram pelo apego aos fundamentos do status quo? Seria insensato da minha parte arriscar uma resposta em um único disparo. Devemos analisar vários ângulos da situação, principalmente se considerarmos o Heavy Metal como um gênero envelhecido organicamente, tal qual um velho caule, emaranhado e desordenado. E o farei da forma mais resumida que puder, dividindo em alguns pontos-chaves que considero relevantes.

A INDÚSTRIA FONOGRÁFICA: O Metal foi largamente comercializado para as massas na década de 80, assim como o Classic Hard Rock teve o seu estopim na década de 70. A indústria foi muito feliz, e também os artistas bem sucedidos, que entre um milhão e outro, passaram de garotos raivosos para empresários excêntricos. Sua música penetrou as multidões e o sentimento que deu origem ao gênero, aos poucos se tornou uma mera fantasia divertida. A rebeldia passou a ser o principal atrativo da indústria para vender Metal, e se tornou interessante para qualquer um, excluído ou não, com motivos ou não, que quisesse se passar por rebelde.

O VÁCUO IDEOLÓGICO: Como já foi dito, o Heavy Metal nunca teve como premissa a politização. Sua inclinação progressista foi uma reação meramente estética em relação à ética de seu tempo. As expressões artísticas sempre estiveram relacionadas aos eventos presentes ou próximos. É uma relação histórica. Se houve um espírito na origem do Metal, ele pertenceu apenas àqueles dias passados, de modo que mudou junto com o mundo e sua ética. E o Metal, embora tratado como religião, nunca teve sua bíblia escrita, motivo pelo qual é receptivo a diversos tipos de pensamentos. Em sua trajetória, alguns foram para a esquerda, outros para a direita, e a ausência de regras nunca proibiu nenhuma cabeça pensante de levantar a bandeira do Metal. Muito pelo contrário, a receptividade é tamanha, que tolera até mesmo os mais radicais em suas crenças, e não raramente, aqui no Brasil encontramos headbangers defensores da ditadura militar e do puritanismo tradicional, totalmente contrários aos valores iniciais do gênero.

Quero ressaltar que estou falando apenas de receptividade IDEOLÓGICA, pois existem outras formas de intolerância. Certas camadas do Metal jamais incluíram espontaneamente, sobretudo comercialmente, tipos que fugissem do padrão instituído, representado exclusivamente pelo homem de pele branca (como sempre, salvando as exceções).

A SÍNDROME DE MAMELUCO E A SENSAÇÃO IMAGINÁRIA DE SUPERIORIDADE: A partir de agora trago de vez o texto para âmbito nacional já que é aqui que venho observando mais. Boa parte do povo brasileiro não se identifica com a própria cultura, incluindo a música tipicamente brasileira, os sotaques e todos os regionalismos. Pra estes o Rock e o Metal foram boas alternativas. A admiração maior por tudo aquilo que é estadunidense/europeu faz do Metal uma opção tentadora.

Daí explico o que é a tal "síndrome de mameluco". No início da colonização do Brasil, os filhos de homens europeus com índias foram apelidados pejorativamente pelos jesuítas de mamelucos, em referência aos escravos árabes de mesmo nome. Essa raça nova que surgia não era reconhecida pela mãe índia porque não era filho de um índio homem, e sofria rejeição também do europeu porque eram considerados impuros. O mameluco pertenceu a uma terra de ninguém e foi um órfão de pátria. Exatamente como os nossos brasileiros reacionários, cheios de complexos, buscando se identificar com o internacional, sendo que não pertencem a ele. No entanto, olham para o produto de sua própria terra com repugnância. A música da classe pobre. A música repleta de expressões corporais, étnicas, tribais, refletindo a origem do verdadeiro povo brasileiro, o qual ele não se considera. Na verdade, se enxerga acima disso.

Analisando por esta óptica apontamos um belo paradoxo no manifestante de verde e amarelo que rejeita tudo o que há de tipicamente nacional, não é verdade?

Para entender melhor a origem desse pensamento é inevitável contar um pouco de história, já que é ela quem sempre explica tudo. Essa divisão aconteceu durante o processo civilizatório brasileiro, desde que se estabeleceu aqui uma colônia mercantil-escravista da metrópole portuguesa. O sistema igualitário indígena foi substituído por um sistema estratificado em classes, dirigido por um patronato cujo objetivo único era tornar lucrativa a empresa colonial. Durante este processo o Brasil passa a incorporar, de forma adaptada, a influência portuguesa em várias formas; tecnológica, social, política, e até mesmo ideológica, com a criação de uma igreja oficial. A soma de todos esses fatores formaram as bases sobre as quais se construiu uma cultura brasileira como uma mera implantação colonial. Isso explica a ausência de uma classe dominante nativa. E explica também, voltando aos nossos dias, o motivo pelo qual tantos brasileiros se esquivam de sua própria cultura, como quem evita ser um colonizado. Preferem ser as elites portuguesas. E dentre todos os públicos musicais, o headbanger é o que mais despreza e ofende a música nativa. Vivem com a imaginária sensação de superioridade.

Apesar de todos estes pontos de vista, considerando o viralatismo brasileiro, nada até agora justificou a projeção do reacionarismo no Metal. Então concluo que reacionarismo é reacionarismo em qualquer âmbito. O headbanger reacionário reage a qualquer sintoma de mudança que ameace sua posição dominante e supostamente superior. Em dias como os nossos, em que minorias estão se expressando de forma mais organizada, buscando integrar-se à sociedade de forma igualitária, tentando mostrar que existem barreiras desproporcionais para determinados tipos, os reacionários fazem o que sabem fazer melhor: Reagem. No caso do headbanger, com seu espírito (imaginário) de superioridade, reage também. Sobretudo em tempos de informação veloz, quando pela primeira vez as classes baixas deixam de operar no ‘modus vivendi’, na conformidade, e passam a ter noção de que sua condição miserável se deve a um histórico de dominação. Forças querem que hajam mudanças, e o reacionário reage por instinto, reage porque aprendeu assim, reage porque está confortável e não quer perder isso.

É importante que eu admita que já me incluí em muitos dos perfis descritos neste texto. Esta carapuça já me serviu um dia, e mesmo agora, livre dos tradicionalismos aos quais fui exposto durante minha criação, não vejo nenhum motivo para deixar de ouvir a música que eu gosto. Ouço Heavy Metal e continuarei ouvindo, e não há nada de errado nisso. Mas agora, sem os grilhões das forças conservadoras, desenvolvi certo respeito e empatia jamais sentidos antes pelo nosso povo e nossa cultura, sobretudo pelas classes mais sofridas, depreciadas por toda a história. Muitos de nós fomos criados para sermos "superiores", mas em algum momento da vida precisamos decidir se continuaremos sendo estes seres desagradáveis. O manual de instruções da vida não está nas escolas ou em dúbios livros religiosos, mas na pluralidade cultural, racial e, sexual que existe mundo afora, e só será aprendido via socialização. O Heavy Metal pode incorporar novos ideais, e estou ansioso para contemplar esta nova faceta, mais justa, democrática e livre.

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[–] ademir 1 points 11 months ago

Tenho dois contrapontos: Indians e as parcerias com o Public Enemy. Não são muitas músicas politizadas, mas Indians aborda a temática de forma que nenhum conservador faria. E, bem, ir além de só escutar e também fazer parceria com um grupo de rap (com letras explicitamente políticas) nos anos 80 é uma ação que fala muito sobre a atitude deles.

Sim! Exatamente. Eu me expressei mal, quis dizer que das americanas o Anthrax é a que mais se sobressai justamente pelos motivos que você citou. Graças à Bring da Noize eu comecei a ouvir Rap e abrir a mente aos poucos (essa "cultura" do fan de heavy metal se isolar musicalmente é uma das coisas mais tóxicas que eu demorei para abolir da minha vida).

Alias graças ao Rap, algumas bandas de metal perderam a graça pra mim justamente por serem tão café com leite nas letras. Chegou um momento que ser extremo pra mim está intrinsecamente ligado a um discurso radical anti-establishment.

Na verdade, eles são estranhos. Eu digo que são apolíticos ao considerar que a vasta maioria das músicas deles são sobre história, ficcão, mitologia e tal. Na época do Paul, ele era o elemento punk, mas depois disso eles tomam um caminho muito mais do entretenimento, mantendo uma certa distância dos assuntos retratados. Na primeira passagem do Bruce, acredito que 2 minutes to midnight seja a única música sobre política antes de 1990. E aí, do nada, você tem Holy Smoke, Afraid to shoot strangers e Be quick or be dead.

Posto isso, a banda costuma ser mais quieta e o Bruce é quem gosta de aparecer. No meu entendimento, ele é liberal (não a bizarrice do liberal conservador). Pensando por esse lado, eu vejo uma lógica nas suas ações e em sua participação nas músicas que comentamos. O que não faz sentido algum é o apoio ao Brexit, mas talvez seja erro meu de tentar encontrar coerência nisso. Talvez política só não seja a especialidade dele mesmo, sei lá.

Concordo. E bom o Bruce tá velho. Fiquei decepcionado com o posicionamento dele sobre o Brexit. Mas boa parte disso, da decepção, se deve provavelmente a imagem que construi dele na minha adolescência, que ele um cara pica que manjava de tudo.

Ele é limitado ao ponto de vista britânico, de um cara de uns 70 anos (sei la a idade real dele). Levando em conta esse recorte ele ainda é bem progressista. Mas progressismo liberal, pra mim não é suficiente, são aliados de ocasião.