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Quem foi Anderson “Bigode” Herzer

11/04/2025

Por LGBTQ+Spacey

TW: Este texto contém menção a violência psicológica, abuso sexual, tortura, transfobia e suicídio.

Anderson “Bigode” Herzer foi considerado o primeiro autor transgênero a ser publicado no Brasil, com o seu livro “A Queda para o Alto”, em 1982. No entanto, até chegar ao tão sonhado momento de reconhecimento enquanto escritor, ele teve uma trajetória conturbada, enfrentando traumas, familiares e o sistema.

Nascido em 10 de junho de 1962, no Paraná, Anderson Herzer teve uma infância conturbada. Morava com a avó e com a tia quando, aos 4 anos de idade, recebeu a notícia de que seu pai havia sido assassinado.

“Não me recordo de meu pai, a única lembrança que trago dele é a imagem de uma cena que sempre me recordo…
Eu e minha irmã, em cima de duas cadeiras, ajoelhadas, olhando o corpo de meu pai em seu caixão.”
— A Queda para o Alto, de Anderson Herzer

Após o acontecimento, foi morar com a mãe, que, trabalhando na prostituição para sustentar Anderson e seus dois irmãos, frequentemente os deixava sozinhos, trancados dentro de casa. Quando sentiam fome, eram alimentados com uma caneca de água com açúcar, muitas vezes o único alimento que a mãe conseguia proporcionar. Infelizmente, não muito tempo depois, ela faleceu.

Órfão de ambos os pais, foi adotado por seus tios, adquirindo o sobrenome deles: Herzer. Um tempo depois, viu o falecimento da avó paterna, que o criou, e a destruição de sua casa por uma tempestade. Aos 7 anos, mudou-se para São Paulo, e aos 14 já tinha vício em bebidas alcoólicas.

A relação com seus tios — que agora eram seus pais — não era boa. Após perceber que a mãe/tia tinha um amante, revelou o segredo para o pai/tio, resultando em brigas frequentes e no desprezo da mãe, que o culpava pelos problemas no casamento. Pouco depois, durante uma tarde, ajudando o pai em seus negócios — uma perfumaria —, foi vítima de uma tentativa de abuso sexual e teve seu braço quebrado ao tentar fugir. Ao revelar o acontecimento, foi vítima de ameaças por parte do pai.

Tendo já passado por muitos tipos de violência dentro de casa, era comum passar as noites fora, em bares, voltando para casa carregado por outras pessoas. Devido ao vício, foi internado na Comunidade Terapêutica Enfance (CTE), hospital psiquiátrico infantil que, apesar de ter como objetivo trazer a sobriedade para a vida de Herzer, foi o local onde ele teve contato com drogas pela primeira vez. Passou também por uma internação breve no Instituto Eldorado de Repouso e pela Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor, a Febem.

Foi na Febem que Anderson teve contato com orientações e gêneros dissidentes pela primeira vez, quando viu duas garotas se beijando no pátio — sendo uma delas conhecida como “um dos machões” da unidade. O acontecimento o levou a perceber que ele próprio poderia vestir roupas consideradas “masculinas” e se relacionar com mulheres. Ele reconheceu, inclusive, que sempre teve o desejo de ter “nascido menino”. No entanto, sua principal preocupação era a condição em que se encontrava, trancafiado em um instituto que transmitia imensa violência; planejava sua fuga para, em liberdade, poder assumir sua verdadeira identidade.

Fugiu durante uma festa junina, perto do seu aniversário de 15 anos, e reencontrou sua família, que o convenceu a retornar para a Febem e buscar a liberdade através da assistência social. Ele aceitou, mas apenas se retornasse como quem realmente era — então cortou o cabelo e ficou conhecido lá dentro como um garoto, não uma garota. Dentro e fora da unidade, ficou conhecido como Bigode. Sua identidade, no entanto, não foi bem recebida entre os funcionários, e ele recebia ameaças, inclusive do diretor.

Entre idas, vindas e muita tortura física e psicológica, Anderson saiu definitivamente da Febem aos 17 anos. Na época, o então diretor da Fundação, Humberto Marini Neto, pegara seus poemas para publicar um livro: Os menores escrevem. A publicação, no entanto, não seria em nome de Bigode, mas em nome da Febem, exaltando a instituição que o poeta tanto criticava. Anderson, aproveitando uma oportunidade de saída, encontrou-se com Lia Junqueira, presidente do Movimento em Defesa do Menor — movimento de atendimento e defesa de crianças e adolescentes — denunciando as violências sofridas dentro da Fundação.

Lia apresentou-o a Eduardo Suplicy, então deputado estadual, que o auxiliou a ter seus poemas de volta e lhe ofereceu um emprego na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e moradia em uma pensão. Ele também apresentou Bigode a Rose Marie Muraro, diretora da Editora Vozes, que ofereceu ao autor a oportunidade de publicar um livro com suas poesias.

Alguns meses antes da publicação de seu livro, Bigode prestou concurso público buscando tornar-se funcionário efetivo da Assembleia Legislativa. No entanto, ele reprovou no exame após ser vítima de transfobia — questionaram o fato de ele se dizer um homem, mas ter um nome “feminino” em seus documentos.

No dia 10 de agosto de 1982, Anderson saiu de casa e dirigiu-se para um viaduto na Avenida 23 de Maio, onde tentou cometer suicídio. Suplicy tentou doar sangue ao poeta, mas este faleceu logo após chegar ao hospital. Mesmo tendo lutado tanto pelas suas poesias originais, Herzer não chegou a realizar em vida o sonho de ter o seu livro publicado.

O livro, denominado “A Queda para o Alto”, foi publicado em outubro de 1982 e narrou algumas experiências de sua vida, focando na Febem e na violência que sofreu na Fundação. Lançado alguns anos antes do final da ditadura militar no Brasil, foi o primeiro relato-denúncia de um ex-menor da Febem.

Esquecido poeta morto
“Todos vão esquecer que um dia eu existi
nem meus vastos prantos vão sobreviver,
versos com poeira de minha razão
sãs lembranças de um poeta solidão.
[…]
E dos meus poemas empoeirados, serei luz
a todo homem que esqueceu de me lembrar,
serei figura, imagem oculta, já a reinar
nos céus sozinho, depois de tanto aqui chorar.

UM HOMEM JAMAIS MORRE, ENQUANTO SUA EXISTÊNCIA FOR RECORDADA.”

— A Queda para o Alto, de Anderson Herzer

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@trans @lgbtqiapnmais

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[–] oigreslima@fed.sfl.pro.br 2 points 1 week ago

@noahloren13 O uso do CW, acredito, minimiza o eventual problema com gatilhos! E o saldo final é, como você disse, não deixá-lo morrer pela segunda vez!