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Notícias

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Vamos conversar sobre polícias?

Sinceramente eu não discordo da ideia de haver uma reformulação nas polícias do Brasil. Discordo, entretanto, de como o governo de SP estar levando isso.

A divisão de policiamento ostensivo e investigativo só existe no Brasil, o que na prática acaba criando 2 polícias que não fazem o ciclo completo (como é chamado a polícia que faz ambos os processos). Esse problema é ainda mais acentuado quando uma lógica capitalista de produtividade é aplicada, em que é exigido dos policiais eficiência, resultados e números pelo Estado, assim como a própria população também faz exigências produtivistas.

Daí a gente se pergunta: quais são os números que as polícias podem entregar?

Vou começar pela Polícia Civil (PC). Como a PC é de caráter investigativo, a eficiência é medida com números de investigações concluídas, prisões com mandato e desarticulações de esquemas criminosos. O problema aqui é que para as demandas chegarem à PC, é necessário que haja uma denúncia primeiro. A denúncia pode ser feita tanto por pessoas comuns, nas delegacias legais, ou pela PM. Aqui residem 2 problemas: muitas denúncias feitas na delegacia são de crimes menores, como furtos de celular, brigas entre vizinhos, brigas em bar/na rua, brigas e ameaças em relacionamentos, etc, o que faz com que o efetivo policial da PC seja todo movimentado para resolver pequenos conflitos, os quais muitas vezes tem as denúncias removidas pelo denunciante e interrompe o processo no meio. O segundo problema está na denúncia feita pela PM. Este tópico vai voltar quando eu for falar da PM, mas por enquanto podemos dizer que há um conflito de interesses entre PM e PC.

Agora vamos falar sobre o problema das polícias militares (PM). A eficiência e produtividade das PM, diferentemente da PC, não podem ser medidas através de investigações e casos concluídos, afinal eles não tem poder investigativo. Entretanto é a PM que é mais cobrada pela população por resultados, afinal são eles que estão na rua e, teoricamente, coibindo crimes. Mas como, então, a PM pode mostrar resultados? Bom, através de apreensões, prisões em flagrante, letalidade e encaminhamento de crimes à PC. No final das contas, encaminhar crimes à PC não traz um retorno popular tão bom à PM, afinal todo o crédito acabaria ficando com a PC, então aqui surge um conflito de interesses. Quais são os outros mecanismos para mostrar resultados? Flagrantes, apreensões e letalidade. Então, para cumprir com os números e receber apoio popular, principalmente daquela população que tem mais influência política, a PM muitas vezes acaba indo a regiões vulneráveis e subvertendo usuários de drogas em traficantes, população em criminoso e vidas em pilha de corpos - alguns de criminosos, alguns não. Essa é a lógica aplicada no Rio e, atualmente no governo Tarcísio, em SP.

A subversão da PM é intrínseca ao modelo de polícias que temos no Brasil, na qual a PM é cobrada por agir como a PC, mas é impedida e, portanto, deve mostrar resultados de outra forma; e a PC é cobrada por agir como a PM, mas não pode estar nas ruas e grande parte dos processos que eles tem que dar conta - e acabam sobrecarregando a PC - são de menor importância, o que leva a uma baixa eficiência e dificuldade para receber crimes significativos. Sem contar que a PC concorre diretamente com o Ministério Público em diversas investigações.

Existem outros problemas referentes ao plano de carreira desses profissionais também, o que agravam muito o cenário, mas acho é conversa pra outro momento. O pensamento que quero trazer aqui é sobre como as polícias no Brasil são ineficientes e corruptas devido ao próprio modelo das polícias descritas na Constituição Federal. Isso deveria ser pauta para revisão! As polícias deveriam ser unificadas e ter o ciclo completo!

Não precisa extinguir a PM e nem a PC, mas basta revisar o modelo de polícias na constituição federal, permitindo que ambas façam investigações e policiamento ostensivo, separando por jurisdições. Um ótimo exemplo disso são alguns países europeus, em que a PC fica responsável por investigações e policiamento em centros urbanos e regiões metropolitanas, enquanto as Gendarmarias (equivalente à Polícia Militar) ficam responsáveis pelas investigações e policiamento de regiões rurais e de interior.

Outro exemplo são as polícias dos EUA, que são divididas em Polícia Municipal, Polícia Estadual e Polícia Federal. São todas polícias civis e ficam dentro de sua jurisdição. Por exemplo a Polícia Municipal pode perder a investigação para a Polícia Estadual, caso os grupos criminosos atuem em mais cidades. Da mesma forma a Polícia Federal pode assumir investigações caso os criminosos atuem em mais estados. Essa é uma forma de descentralização que pode ser muito benéfica para as polícias! Além disso nos EUA também tem Gendarmarias, mas não sei muito bem como funciona lá.

Enfim... Acredito piamente que uma revisão no modelo de polícias do Brasil deve ser feita. Nosso modelo é falho e contribui para corrupção das polícias.

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[–] roddias84 4 points 7 months ago (1 children)

Gostei bastante da tua análise, e quando eu era repórter policial no interior do Estado, esse assunto volta e meia vinha à tona. O problema, ao meu ver, é que essa mudança na Constituição dificilmente acontecerá, até porque as categorias que se sentirem atingidas farão greves e a gente sabe que, quando a Segurança faz greve, a violência aumenta.

Não vejo uma luz sobre o tema.

[–] BaalInvoker 2 points 7 months ago* (last edited 7 months ago)

É um tema muito espinhoso mesmo... Também não vejo solução, mas essa discussão precisa acontecer!

Se a gente simplesmente resignar as coisas vão manter como estão. A gente precisa trazer essa pauta à discussão pública para que eventualmente aconteça algum movimento para reestruturar as polícias. E quando digo reestruturar, não estou me referindo àquela ideia de "desmilitarizar", porque acho que esse pensamento é simplesmente muito simplista. Desmilitarizar não vai resolver merda nenhuma se ainda houver cisão na polícia como existe hoje

Um policiamento estilo europeu, onde a PM ficaria responsável por uma área maior, porém menos populosa, enquanto a polícia civil ficasse com áreas menores, porém mais populosas, poderia ser uma estratégia que buscaria o equilíbrio, afinal ambas as polícias receberiam função ostensiva e investigativa e teriam equivalentemente a mesma quantidade de trabalho

Mas para ser bem sincero com você, eu acho muito mais interessante o modelo dos EUA, onde há uma descentralização maior e, portanto, uma autonomia maior para as polícias. Isso não apenas traria menos carga de trabalho para as polícias, como traria também maior qualidade (em minha opinião). Por exemplo, a maior quantidade de crimes que ocorrem em uma cidade são de baixa complexidade, como brigas, furtos e roubos. Esses trabalhos seriam basicamente responsabilidade das polícias municipais. Quando o crime começa a se organizar mais, a abrangência dos crimes fica maior, alcançando mais cidades e, portanto, passa a ser responsabilidade da esfera estadual. Por fim, quando o crime é bastante organizado, a investigação passa a ser federal, afinal é necessário cruzar informações de diversos estados e, muitas vezes, internacionais para conseguir a apreensão

Edit:

Só para comentar um ótimo exemplo de descentralização que, apesar das deficiências, é algo muito bom que temos: o SUS

O funcionamento do SUS é bastante descentralizado, em que os municípios são responsáveis por gerir o SUS da cidade e pedir repasses ao estado, que por sua vez também tem suas responsabilidades e pede repasses ao governo federal. Apesar do pedido de repasse ser feito pelo governo estadual ao federal, o dinheiro pedido pelo município vem diretamente do governo federal e não pode ser desviado pelo estado

A estrutura do SUS é bem interessante e funciona bem. Claro que tem as deficiências, como falei, mas o saldo é muito mais positivo que negativo