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Notícias

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MODERATORS
 

Com o avanço na repatriação de fósseis e o aumento dos investimentos advindos da pressão de pesquisadores e centros científicos do país para a exploração de sítios fossilíferos em território nacional, têm acendido um alerta na pesquisa e nos acervos paleontológicos brasileiros, algo que se tornou mais evidente após o incidente do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, em 2018.

O Brasil, um país de extensão continental, possui capacidade e imenso potencial para o desenvolvimento de pesquisas e estudos paleontológicos, visto que abriga em seu território camadas geológicas que comportam bacias sedimentares (reservas de sedimentos de diferentes tempos geológicos) espalhadas de norte a sul. Porém, historicamente estudos e pesquisas na área são realizados com apoio ou completamente por instituições de países estrangeiros, principalmente de países europeus e EUA. Um bom exemplo de tal situação é a espécie Tropeognathus mesembrinus, membro do gênero Anhanguera, descrito em 1987 por Peter Wellnhofer, que sofreu diversas mudanças de taxonomia e nomenclatura desde sua descrição até meados dos anos 2000. Mudanças essas que tiveram a participação de somente dois cientistas brasileiros, Diógenes Campos e Alexander Kellner, em quase 20 anos de pesquisa. Eventos como esse remontam algo que acontece há gerações com nossa ciência, desde a expedição histórica do Beagle (1832 -1836), nau que acomodou Charles Darwin e atracou na costa brasileira com o intuito de coletar e analisar espécimes da fauna e flora local, passando pela estadia e pesquisas realizadas pelo dinamarquês Peter Lund, até pesquisas mais atuais acerca dos fósseis brasileiros.

O país é referência internacional na escavação de fósseis de animais que viveram no período mesozóico, época na qual surgiram os répteis conhecidos como dinossauros. Descobertas recentes, como a espécie Tietasaura derbyiana, a qual o holótipo foi recuperado em uma localidade associada à Formação Valanginiana – Hauteriviana Marfim (Grupo de Ilhas, Bacia do Recôncavo), na capital baiana, mas foram armazenados no Museu de Londres até serem devidamente catalogados e registrados no ano de 2024. A descoberta deste primeiro ornitópode brasileiro, demonstrou ao mesmo tempo o potencial e o problema da paleontologia nacional, isso pois os remanescentes fósseis do espécime foram descobertos em 1856. Essa situação representa uma ferida ainda aberta na ciência nacional, visto que ao longo dos anos os grupos de pesquisa paleontológica vêm lutando para a repatriação do material fóssil nacional que foi indevidamente comprado ou ilegalmente retirado por entidades estrangeiras e permanece fora de nosso território.

Nossa luta constante

Na última década ocorreram algumas vitórias, como a repatriação do fóssil de Ubirajara jubatus, que chamou a atenção para o fato de que nossos fósseis estão sendo sim descobertos e estudados, mas em sua maioria fora do país. Havendo casos em que, para ter alguma participação brasileira, pesquisadores são obrigados a se deslocar para o exterior, já que os fósseis não podem ser realocados fisicamente no Brasil, visto que pertencem a coleções de museus e entidades estrangeiras.

Fora algumas vitórias, temos algumas lutas constantes, como a situação do fóssil de Irritator challengeri, situação já bem conhecida no meio acadêmico e entre entusiastas, uma vez que o processo de repatriação deste, que foi um fóssil ilegalmente retirado do país e modificado pelos contrabandistas, está sendo demorado, ocorrendo desde o ano de 2023. A situação do irritator porém, bem como a do ubirajara anteriormente, chamaram bastante atenção para a necessidade de repatriação graças à ações realizadas principalmente em redes sociais, como no X (antigo Twitter) e instagram, uma vez que entusiastas e pesquisadores nacionais levantaram diversas tags chamando atenção para o processo de repatriação desses itens na época em que se iniciaram as discussões sobre repatriação.

Essa situação pode ser denominada imperialismo científico ou intelectual, representada pela realização de pesquisas acerca de itens brasileiros, retirados do território nacional para serem estudados e armazenados sob monopólio estrangeiro, após processos muitas vezes suspeitos de aquisição. Um exemplo forte de tal imperialismo ocorreu recentemente, precisamente em maio de 2024, quando ocorreu a publicação de uma entrevista acerca da recomposição do acervo fóssil do recém reconstruído Museu Nacional, recomposição essa advinda de uma “doação” de peças de organismos extintos escavados em solo nacional, mas que não estavam sob a posse de qualquer entidade brasileira.

Recomposição do acervo e a “doação”

Após o desastre no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 2018, o acervo nacional de fósseis foi profundamente impactado por perdas significativas, como a destruição dos únicos remanescentes fósseis do gênero, ainda discutido, Oxalaia quilombensis, um dos poucos registros de dinossauros do grupo dos espinossaurídeos registrado em solo brasileiro, entre diversas outras perdas. Buscando repor tal acervo, porém, o museu esteve em contato com entidades estrangeiras para a possibilidade de repatriar itens nacionais.

De acordo com uma reportagem de Cristina Índio, repórter da Agência Brasil, o grupo suíço-alemão Interprospekt, da família do colecionador Burkart Pohl, “doou” cerca de 1.000 fósseis para o acervo do Museu Nacional, doação realizada ainda por intermédio de uma figura também estrangeira, a ativista cultural argentina Frances Reynolds, radicada no Brasil. As peças em si foram todas retiradas da Bacia do Araripe, que é exemplo de ocorrência de eventos biológicos e geológicos únicos e unidirecionais, como a vida florescente do Cretáceo, a excepcional conservação dos fósseis e a elevação pós-cretácea com formação de aqüíferos e fontes, localizada entre os Estados do Ceará, Pernambuco e Piauí, onde estão as formações Crato e Romualdo, famosas pela vasta gama de pterossauros descritos, répteis voadores, do grupo dos tapejaridae, como os populares Tapejara e Tupandactylus.

Apesar do apoio do colecionador na reconstituição do acervo do país, esse movimento levanta um ponto muito importante sobre a questão do imperialismo científico, uma vez que colecionadores privados possuem quantidades expressivas de material, muitas vezes não catalogado e ilegal, muitos itens que poderiam auxiliar significativamente no avanço da pesquisa nacional. Quem sabe, em alguma coleção privada lá fora exista uma segunda peça de Oxalaia ou algum outro ornitópode brasileiro, itens que talvez nunca vejam a luz do dia por estarem armazenados em galpões fora da jurisdição da ciência nacional, isolados também das pessoas, que possuem o direito de ter acesso ao conhecimento científico e à história do planeta. Além de colecionadores privados temos, é claro, acervos de museus estrangeiros, que devido à falta de organização das coleções permanecem quase intocados, a quantidade de fósseis não descritos ou registrados, que estão armazenados em gavetas e armários de entidades científicas no exterior é alarmante, e a possibilidade de haverem peças brasileiras nesses locais, visto que a exportação ilegal de material fóssil brasileiro era muito comum até a década de 90.

Exemplificando a necessidade de uma coalizão mais eficiente entre o Estado brasileiro e entidades estrangeiras para assegurar a devolução de itens contrabandeados, temos o caso dos 33 fósseis de insetos encontrados em Londres, em junho de 2024. Um caso um tanto quanto comum quando relacionamos compradores com o mercado de peças contrabandeadas ocorreu nessa operação de repatriação, que teve apoio da Interpol, Embaixada Brasileira em Londres e da Polícia de North Yorkshire, já que o comerciante que estava em posse das peças não sabia que as mesmas lhe haviam sido repassadas ilegalmente. Os fósseis foram extraviados da Bacia do Araripe, o que mais uma vez pontua como esse sítio tão importante é alvo constante de contrabandistas de fósseis, necessitando de políticas protetivas muito mais rígidas que as escassas que vigoram até então.

É crucial ressaltar, no entanto, que a iniciativa privada brasileira também possui papel nas pesquisas paleontológicas e achados fósseis em bacias e sítios já conhecidos, o problema no entanto é que a maior parcela dessas descobertas ocorrem em zonas de mineração ou construção de rodovias, como foi o caso da descoberta de uma possível região de nidificação de titanossauros no município de Uberaba, no Estado de Minas Gerais. Foi encontrado um ninho fossilizado em ótimo estado de fossilização, dentro de uma mina desativada de calcário, local pertencente a uma mineradora, o problema central é que, devido à descoberta e à necessidade de mais pesquisas no local é necessário o aval da ANM (Agência Nacional de Mineração), o que evidencia ainda outro problema crítico na pesquisa paleontológica nacional, já que não existe um órgão centralizado para reger pesquisas da área, sendo essas coordenadas quase sempre pela ANM. Fósseis são bens da União, mas são achados em grande parte em áreas minerárias, isso é claro quando são notificados, já que, como a descoberta muitas vezes exige a paralisação da mineração no local, é muito provável que muitas peças já foram perdidas e muitos sítios soterrados por rejeitos de mineração sem que paleontólogos nunca tenham tido contato com os mesmos. Sítios fossilíferos no geral podem ser tombados pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), mas somente aqueles que são registrados durante ou após escavações.

Toda a situação relacionada à falta da soberania brasileira sobre seus fósseis é algo evidente desde as primeiras descobertas e primeiros sinais de contrabando, demonstrando como a paleontologia nacional foi quase sempre fundamentada por pesquisas estrangeiras e, somente a partir dos anos 90 começou-se a dar certa importância e investimentos locais para a área. O caminho a se percorrer ainda é longo, o país necessita de uma legislação mais rígida para frear o saque de fósseis de todos os tipos, é necessário dar mais importância para os sítios fossilíferos já existentes e promover o investimento em sítios locais, como meio de fomentar tanto a pesquisa quanto o turismo, visto que o potencial do Brasil é vasto. O país é reconhecido na comunidade acadêmica por ser um dos locais com maior quantidade de sítios paleontológicos do período triássico, bem como tendo locais famosos pelas descobertas dos períodos cretáceo, como a própria Bacia do Araripe, e do período cenozóico, igualmente relevante. A exploração desse potencial, embasada na pesquisa e turismo e não no lucro mineral, beneficiaria não somente a economia, mas também novos estudos e descobertas sobre a história evolutiva do planeta. Entretanto, vale ressaltar que a conquista da soberania científica, econômica e política do Brasil, ocorrerá somente com o fim da sua condição de semi-colônia do imperialismo e com o rompimento das amarras que engessam o avanço e a construção de um país realmente independente.

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