Bunker da Esquerda

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BEM VINDOS(AS) AO BUNKER

👥COMUNIDADE voltada para os progressistas de diversas vertentes para discutirem temas sensíveis do cenário político e social do nosso país e do mundo.

PALAVRAS-CHAVE: Brasil, Esquerda, Marxismo, Brics, América do Sul, Sul Global.

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Optamos por uma sala xmpp para socializar e conversar sobre temas do cenário político e social do nosso país de forma mais descontraída e com leveza

founded 1 year ago
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A qualidade disso aqui ta absurda.

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Queria conhecer mais comunicadoras mulheres de esquerda só sigo comunicadores homens e queria variar nas vozes que escuto, vocês poderiam me indicar algumas?

Não importa em qual plataforma pode ser um canal do youtube, peertube, mastodon ou podcast.

Já conheço a Laura Sabino e recentemente descobri a Kamarada Luna.

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O primeiro Encontro de Think Tanks do BRICS começou em Moscovo, reunindo mais de 10 líderes de instituições de pesquisa dos países do grupo, como Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Irã, Etiópia e os Emirados Árabes Unidos.

O evento, organizado pelo centro de pesquisa TRENDS, visa aumentar a influência dos think tanks na formulação de políticas e desenvolvimento sustentável. O diretor do TRENDS, Dr. Mohammed Abdullah Al-Ali, destacou a importância de compartilhar ideias para fortalecer a cooperação entre os países do BRICS.

Os participantes discutirão como os think tanks podem contribuir para o crescimento econômico e a cooperação comercial, além de explorar o papel da mídia na divulgação de pesquisas e na promoção do diálogo entre os membros do BRICS. O encontro busca estabelecer uma rede de colaboração que ajude a moldar políticas e estratégias para enfrentar desafios comuns.

Ler em: Agência Tass

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Um estudo lançado nesta terça-feira (22) em Brasília pelo Observatório do Clima (OC) afirma que o Brasil pode reduzir em até 80% as emissões de dióxido de carbono no setor de energia sem afetar o crescimento da economia. De acordo com os pesquisadores, o país pode chegar a 2050 com 102 milhões de toneladas de CO2 emitidas anualmente "sem recorrer a soluções falsas como captura e armazenamento de carbono (CCS) e sem a necessidade de expandir a produção de combustíveis fósseis", mantendo um crescimento médio de 1,3% a 2,8% ao ano.

O documento, intitulado Futuro da Energia: visão do Observatório do Clima para uma transição justa no Brasil, alerta que, caso as tendências atuais para o setor de energia se mantenham, ele deverá ser responsável pela emissão de 558 milhões de toneladas de CO2 em 2050, número superior ao pico alcançado em meados da década passada. Esse dado considera as medidas já adotadas e os compromissos já firmados pelo país em relação à produção de biocombustíveis e o aumento de fontes renovável. Em 2022, as emissões do setor ficaram em 490,6 milhões de toneladas de CO2, de acordo com os dados do Observatório do Clima.

Foram 23 organizações envolvidas no processo de pesquisa, desde o estabelecimento das diretrizes e princípios até a coleta e análise de dados. A publicação propõe diretrizes a serem adotadas em matéria de transportes de carga e de passageiros, produção de combustíveis e biocombustíveis, indústria e geração de eletricidade, além de abordar as "perspectivas para a produção de hidrogênio verde, o fechamento de termelétricas a carvão, o crescimento das fontes eólica e solar e o papel das térmicas a gás fóssil em médio e longo prazos".

"O observatório resolveu pensar e ter uma visão para a transição energética baseados no melhor conhecimento disponível, no conhecimento dos setores, na análise dos setores de consumo, nas novas tecnologias, e na melhor ciência e informação disponível. Mas também tem aí uma visão política. Quer dizer, análise por si só não é exatamente o que as organizações da sociedade civil esperam ter", declarou Delcio Rodrigues, diretor-executivo do instituto ClimaInfo, uma das organizações que construíram o estudo.

O estudo do Observatório do Clima tem como referência a necessidade de redução em 92% as emissões líquidas até 2035 em relação aos níveis de 2005, parâmetro defendido pela organização para a proposta brasileira de atualização do Acordo de Paris.

Segundo a organização, o estudo foi motivado pelo entendimento de que, "embora imprescindível, zerar o desmatamento da Amazônia e de outros biomas não é o suficiente para que o Brasil cumpra as metas de Paris". "O país larga na frente por conseguir gerar 90% de sua energia elétrica a partir de fontes renováveis, mas ainda assim há um longo trabalho a ser feito nas atividades que mais emitem gases de efeito estufa do setor de energia", diz o documento. "A vantagem comparativa no setor de energia, especialmente na geração de eletricidade, é um dos motivos que levam o Observatório do Clima a afirmar que o Brasil, entre as grandes economias do mundo, é o único país com potencial para alcançar o status de carbono negativo até o ano de 2045", projeta o OC.

Representando o Ministério do Meio Ambiente (MMA), João Paulo Capobianco, secretário-executivo da pasta, saudou a iniciativa e disse que o governo está comprometido com o processo de escuta da sociedade.

"O governo do presidente Lula é comprometido com esse processo de participação, comprometido com o processo de escutas e de envolvimento da cidade civil, e quando essa contribuição vem de uma forma estruturada, baseado em ciência, como são as contribuições do OC, baseadas em análises aprofundadas, envolvendo um conjunto de pessoas que são reconhecidamente de altíssima competência, tanto na produção da informação como na análise de informação, como na formulação de política pública. Isso é extremamente importante", disse o secretário.

Projeções

A partir dos estudos, o Observatório do Clima faz três projeções econômicas: a primeira, com um crescimento médio de 1,3% ao ano, descrito pela organização como uma "tendência linear que considera a série histórica de resultados do PIB brasileiro entre 1960 e 2023, segundo dados compilados e disponibilizados pelo Banco Mundial"; a segunda, com um crescimento médio de 2,8% ao ano até 2050, "valor definido a partir da média das taxas superior e inferior de evolução do PIB apresentadas pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) em seu Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2034"; e uma terceira, com crescimento médio de 2,1% ao ano, a partir da "adoção da média simples entre os crescimentos anuais das duas projeções anteriores".

Considerando as áreas de consumo de energia, o Observatório do Clima prevê uma redução de emissões de CO2 em 48% no transporte de cargas, 49% no transporte de passageiros, 80% na indústria de cimento, química, outras matérias-primas, 90% na indústria de aço, assim como na geração de eletricidade, 71% na construção civil, 61% na agropecuária, e 51% na produção de combustíveis.

A mobilidade urbana precisa mudar

O setor de transporte é o maior consumidor mundial de combustíveis derivados do petróleo, sendo responsável por cerca de 23% do consumo de energia e 14% das emissões antrópicas de GEE. "Apesar da participação relevante dos biocombustíveis na matriz energética brasileira, o setor de transporte ainda é responsável por 9,3% das emissões nacionais de GEE48, em função da predominância do uso de combustíveis fósseis", destaca o relatório.

Sendo assim, o Observatório do Clima defende descarbonizar o transporte de passageiros e de carga, para impedir o aumento da temperatura global em 1,5°C. Para isso, a organização propõe que os programas federais de apoio à renovação de frota de transporte contemplem recursos para acelerar a transição para a adoção de tecnologias de frota zero emissão. Além de incentivos ao aumento da participação de biocombustível na matriz energética.

O observatório defende ainda a promoção de modais de transporte sustentáveis, sobretudo de transporte coletivo, e de transporte ativo, como bicicleta e mobilidade a pé, o que demanda um planejamento urbano integrado.

Medidas

Para atingir os números alcançados pelo estudo, os pesquisadores indicam uma série de medidas a serem adotadas. Entre elas, "a construção de um modelo de desenvolvimento do setor elétrico que garanta maior inserção de renováveis e otimize sua operação", associado ao uso de novas tecnologias de armazenamento, além de garantir equidade e justiça no acesso à energia. O relatório indica ainda a necessidade de eliminação dos subsídios governamentais aos combustíveis fósseis, e direcionamento desses recursos para apoio à transição energética justa.

No mesmo sentido, o OC propõe o aumento do investimento em biocombustíveis, garantindo o devido controle ambiental e as normas socioambientais que regulam esses empreendimentos. Também defende que o governo retroceda na expansão da exploração de petróleo, sobretudo na Foz do Amazonas e outras bacias da Margem Equatorial brasileira. Assim o relatório propõe transformar a Petrobras em uma empresa de energia, focada na redução progressiva da produção de petróleo e investimento em fontes de baixo carbono.

Para tratar o maior dos problemas, o OC defende a priorização do transporte público coletivo sobre o transporte individual, com planejamento urbano que encurte as distâncias, além de eletrificar as frotas de ônibus, com apoio federal. O estudo também indica o desenvolvimento de uma indústria de hidrogênio com baixo teor de carbono, livre de gás fóssil, e a eliminação do uso do carvão mineral para geração de eletricidade até 2027.

As organizações também consideram necessária a reformulação do Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares), "que deve ter foco maior em metas de não geração de resíduos, reuso e reciclagem, e renunciar à geração de energia via incineração".

Críticas ao governo

Durante a atividade de lançamento do relatório, Rodrigues afirmou que há uma "dissonância cognitiva" entre os diversos ministérios do governo.

"Por um lado, tem o Ministério do Meio Ambiente e vários outros, realmente numa intenção muito importante, muito forte, de combater o desmatamento, discutir NDC [Contribuição Nacionalmente Determinada na sigla em inglês], fazer o melhor NDC possível. Por outro lado, a gente tem o Ministério de Minas e energia com essa história de vamos ser o quarto maior explorador de maior exportador de petróleo do mundo, vamos abrir novas frente de exploração, precisamos do petróleo da arrecadação fiscal para financiar a transição, que são discursos bastante desconexos", afirmou, apontando ainda os obstáculos impostos pelo Congresso Nacional à transição energética real.

As críticas também estão inseridas no relatório divulgado nesta terça-feira, que afirma que "as emissões do setor de energia não têm sido tratadas com a atenção necessária no caso brasileiro". O documento aponta uma "priorização das fontes fósseis", e defende que o governo Lula reverta a contratação de energia carbonífera até 2040, prevista no Programa de Transição Energética Justa (Lei 14.299/2022).

"Ao mesmo tempo, o Congresso se mobiliza para aprovar ainda mais retrocessos, como a inclusão no Projeto de Lei (PL) 11.247/2018 , que cria o marco legal das eólicas offshore, do jabuti estendendo a contratação de térmicas de carvão até 2050", diz o relatório.

"Não é possível compreender, tampouco justificar, que as tarifas de energia elétrica ainda possam servir para dar continuidade aos subsídios da indústria carbonífera e das termelétricas que utilizam esse combustível fóssil. O consumidor acaba duplamente apenado: pela emissão de GEE e por mais poluição de ar, do solo e contaminação de água; e pelos subsídios que as usinas de carvão precisam para operar. Trata-se de uma energia suja e cara", registram as organizações.

Edição: Thalita Pires

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No percurso de casa até a escola na comunidade quilombola de Rio dos Macacos, em Simões Filho, região metropolitana de Salvador, Bahia, as irmãs Adriele, de 17 anos, e Adriana Santos, de 18, andam por quase uma hora no chão de terra. São vias estreitas, acidentadas e sem iluminação, ladeadas por um matagal. Não passam carros ou ônibus no trajeto.

As irmãs Adriana e Adriele querem chegar ao ensino superior. Elas ainda não escolheram suas futuras profissões, mas pensam em ajudar a ensinar as letras para os mais velhos do quilombo. E é por isso que encaram, na volta da aula, a correria contra a escuridão do início da noite, carregando cadernos, livros e sonhos nas costas.

A escola mais próxima do quilombo, a Vale de Sião, da rede municipal, fica a sete quilômetros de distância. “Nós queríamos ter melhores condições para nossa família, mas os políticos ignoram a gente”, lamenta Adriana, que votou pela primeira vez este ano. Mas, ainda que elas tenham aprendido na escola a importância do voto, o descaso dos políticos com a comunidade desanima. “Sei que é importante votar, mas a gente se sente abandonada”, diz Adriele.

As 140 famílias, aproximadamente mil pessoas entre adultos e crianças, que vivem no quilombo encaram esse mesmo trajeto todos os dias porque ele é a entrada e a saída da comunidade. Quando chove, a lama faz com que elas precisem se esgueirar por entre árvores para não cair em buracos, apoiando-se nos galhos e nas pegadas de quem já passou por ali, como forma de não afundar o pé. Para Rose Meire dos Santos Silva, 46 anos, coordenadora da Associação de Rio dos Macacos, a comunidade é esquecida pelos políticos locais. “De vez em quando, candidatos nos abordam, mas pouco conhecem nossa realidade”, diz.

Irmãs Adriana e Adriele Santos se arriscam diariamente voltando da escola em estrada de terra sem iluminação Ela lamenta que as dificuldades de acesso à escola tenham feito com que “muita gente desistisse de estudar”. Rose Meire é analfabeta. A maioria das famílias, geração após geração, teve que priorizar o trabalho na roça e não teve chance de conhecer o ensino formal e regular.

A falta de iluminação na via, em meio ao matagal, deixa as mães do quilombo com medo. Por segurança, elas decidiram andar juntas, em um “comboio a pé” para levar as crianças à escola. Simões Filho é uma das cidades mais perigosas do Brasil. Segundo o último Anuário Estatístico de Segurança Pública (2023), o município é o quinto mais violento do país, com 75,9 assassinatos a cada 100 mil habitantes.

As mães chegam a andar 28 quilômetros em um dia para levar as crianças para a escola municipal, porque precisam ir e voltar duas vezes ao dia. “Deixo meu filho, depois eu volto para casa. Na hora da saída, vou de novo”, diz Luzinede Araújo, de 27 anos. O filho dela, Joabe, tem apenas nove anos. “Às vezes, ele desiste de ir para a escola. Ele já chega cansado na aula”, conta a mãe. O menino gosta da aula de português e de se divertir com os amigos. “Eu fico triste porque alguns dias eu fico com muito sono”, conta.

No caminho para a escola, a criança Juliana, de 9 anos, amiga de Joabe, reclama do trajeto. “Eu fico muito cansada. É até difícil conseguir brincar depois”, diz.

Outro caminho possível para chegar à área asfaltada que dá acesso ao quilombo é pela Vila Naval da Barragem, um condomínio criado na década de 1960, onde estão as casas de mais de 500 militares que servem na Base Naval de Aratu. A estudante Vitória Santos, de 18 anos, faz esse trajeto, mas diz que é necessário se identificar todos os dias no portão da guarda. “Os meus ancestrais ocupam esse lugar há mais de dois séculos”, diz.

Mães chegam a andar 28 quilômetros em um dia para levar as crianças para a escola

O Rio dos Macacos, que banha a comunidade, também é motivo de embate dos moradores com a Marinha. Segundo moradores, militares impedem que os quilombolas cheguem perto do Rio. A Marinha informou que está em “fase avançada” um procedimento na Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal para uma solução negociada com a comunidade sobre a utilização do Rio dos Macacos.

“Convém mencionar que o relacionamento entre a Marinha e os moradores ocorre de forma amistosa e respeitosa, não havendo registros recentes de problemas envolvendo os moradores da comunidade e nossos militares”, diz a resposta.

Também “que sempre permitiu o acesso dos moradores, visitantes e serviços públicos, sem restrições”. E que repudia “toda e qualquer forma de violência, destacando que todas as denúncias envolvendo a instituição são apuradas de forma transparente, respeitando-se os princípios constitucionais”.

Primeira a entrar na faculdade

A primeira pessoa do quilombo Rio dos Macacos a entrar na faculdade foi Franciele Silva, de 24 anos, estudante da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Ela também passou pelas caminhadas de madrugada indo para a escola. Atualmente, como ela estuda de noite, pede a companhia do pai para voltar para casa.

“Eu resolvi fazer o curso de direito para lutar por minha comunidade. A gente tem esses direitos negados pelo Estado e violados também. Então, eu acho que entrar na faculdade é uma ferramenta muito importante, fundamental para a vida da nossa sociedade”, diz a universitária.

“Minha mãe teve o direito negado a essa educação, não só ela, os irmãos dela e outras pessoas do território. Elas são inspirações para mim.” Juntas, mãe e filha entregaram, no ano passado, uma carta pessoalmente ao presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) pedindo mais direitos para a comunidade.

Na escola em que as crianças estudam, a Vale de Sião, a secretária Adriana Fonseca disse que “a unidade tem um projeto de busca ativa para resgatar alunos que deixam de aparecer para estudar”. Ela diz que o que causa a evasão escolar é a dificuldade de acesso ao quilombo.

“A prefeitura deveria ajudar a resolver esse problema. O rendimento das nossas crianças não está bom. Tive que me jogar debaixo do carro de um prefeito, há cinco anos, para pedir transporte”, afirma Rose Meire, coordenadora da associação do quilombo.

Além das dificuldades de acesso para crianças e adolescentes, Rose Meire diz que as crianças quilombolas sofrem violência de outros estudantes. “Quando nossas crianças se reconhecem como quilombola, sofrem bullying dos outros. É muita violência.” Ela reclama que temáticas quilombolas também não são trazidas para a sala de aula, embora a Lei n° 10.639/2003 determine o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas brasileiras.

Luta por direitos

Em Simões Filho, o prefeito eleito é o atual presidente da Câmara dos Vereadores, Devaldo Soares de Souza (União Brasil-BA), que é negro. Ele vai substituir Diógenes Tolentino Oliveira, que faz parte do mesmo grupo político. A gestão atual da prefeitura de Simões Filho não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre serviços básicos no quilombo. Não tivemos também retorno do prefeito eleito.

No programa de governo, o futuro prefeito garantiu que vai promover o fortalecimento de políticas públicas para valorização das comunidades quilombolas, incluindo a ampliação do programa Saúde Mais Perto de Você para esse público. Ainda no documento, há menção a uma cidade mais inclusiva para as comunidades tradicionais.

O estudante Uanderson Araújo, de 19 anos, diz que durante as eleições os candidatos prometeram via de acesso, iluminação e água para o quilombo. “Mas isso é sempre a cada quatro anos”, lamenta. Ele divide seu tempo entre estudar para o vestibular de medicina, cantar música gospel, trabalhar na roça e organizar rodas de conversas para falar de questões da comunidade. “Fazemos em todos os espaços que podemos, falamos sobre nossa realidade”, conta.

O quilombo Rio dos Macacos teve reconhecimento da Fundação Cultural Palmares em 2011 e título coletivo da terra expedido em 2019. Segundo informou o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), atualmente são realizadas ações para que as famílias quilombolas sejam contempladas pelas políticas públicas do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), o que inclui reconhecer o território, com pouco mais 97 hectares de área, com a construção de 135 casas, conforme publicação do Diário Oficial de dezembro do ano passado. Rose Meire diz que, por enquanto, 80 casas começaram a ser construídas no lugar.

Uanderson Araújo, 19, critica promessas eleitorais e divide seu tempo entre estudo, trabalho e ações comunitárias

Enquanto as condições de acesso à escola não melhoram, professores e estudantes da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, de Salvador, têm assistido a comunidade através de um projeto de extensão. “Fizemos um levantamento de demandas e foram levantadas, por exemplo, questões relacionadas a essa dificuldade do acesso aos serviços de saúde”, apontou o professor Thiago Souza. Ele acrescenta que as pessoas do quilombo não estavam cadastradas no sistema do SUS. Isso pode significar, por exemplo, que não havia o acompanhamento de equipes da saúde da família.

“Nós construímos uma fossa ecológica porque até hoje não tem saneamento nem água encanada.” Além disso, o grupo de pesquisadores apoia ações emancipadoras organizadas pelos jovens da comunidade. O grupo de pesquisadores ainda trabalha em prol da articulação política para a construção da estrada, para geração de renda, e em prol da saúde mental dos moradores. “Isso por conta das violências e dos conflitos [por quais passam]. Isso impacta na saúde mental das pessoas”, considera a professora de saúde coletiva Vanessa Rocha.

Em relação à influência da vida externa da comunidade, a professora Karine Santana explica que o grupo extensionista discutiu com os jovens estratégias de como engajar pessoas em prol da construção da via de acesso. “Eles viram que esse acesso era um fator principal que dificultava a chegada dessas políticas públicas. É necessário reconhecer o papel do racismo ambiental [contra a comunidade].” Ela acrescenta ainda que as mulheres costumam ser pilares dos quilombolas. “Elas são as guardiãs da cultura e diretamente impactadas com o racismo.”

Sobre as dificuldades de acesso à comunidade pela área militar, a Marinha informou “que sempre permitiu o acesso dos moradores, visitantes e serviços públicos, sem restrições”.

Edição: Mariama Correia

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O apagão que deixou milhões de clientes da concessionária Enel sem energia em São Paulo na semana passada reforçou a necessidade da participação de uma empresa federal no setor elétrico nacional. Criou também a oportunidade política para que isso passe a ser avaliado por autoridades no país – algo que hoje é pouco debatido.

A tempestade no último dia 11 ocasionou mais uma crise de abastecimento de energia na capital paulista. Foi a terceira em menos de um ano. Levantou também discussões sobre o que fazer com a Enel, empresa italiana que assumiu em 2018 o controle da distribuição de energia na capital paulista e, desde então, acumula problemas.

O ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), passaram a defender que a Enel tenha sua concessão cassada. Ou seja, que ela perca o direito de vender eletricidade à população.

Clarice Ferraz, economista e diretora do Instituto Ilumina, afirmou que essa cassação deve ser considerada. Ela, porém, provavelmente não resolveria os problemas de São Paulo.

Isso porque, sem Enel, uma outra empresa seria contratada para assumir a distribuição de energia. Das possíveis interessadas no contrato, todas seriam privadas, geridas de forma parecida com a Enel e que, portanto, apresentariam problemas semelhantes.

Clarice lembrou que não há hoje no Brasil uma empresa estatal com capacidade de assumir uma concessão como a da Enel em São Paulo. Viabilizar a criação dessa empresa poderia ser o início de uma mudança estrutural no setor elétrico nacional.

"Poderia ser criada uma experiência inovadora com o caso Enel", disse a especialista, ao Brasil de Fato. "Poderia ser construída uma inteligência estatal para a distribuidora de energia do futuro do país."

Ikaro Chaves, engenheiro eletricista e ex-funcionário do sistema Eletrobras, já havia falado sobre essa alternativa estatal em entrevista ao Bdf na semana passada. Para ele, uma empresa elétrica federal poderia servir como uma concorrente de peso para balizar o mercado nacional de distribuição de energia no país.

Segundo ele, apagões são cada vez mais frequentes não apenas em São Paulo, mas ocorrem também em áreas atendidas por outras companhias.

Atualmente, no entanto, o governo pouco pode fazer para pressionar essas empresas para que elas melhorem os seus serviços. Uma concorrente estatal mudaria esse cenário.

"Se o Brasil tivesse uma empresa federal de distribuição, ela poderia servir de referência para as outras. Como uma 'sombra' para elas e uma 'ameaça'", explicou. "Se a concessão não estiver funcionando num local, essa empresa estaria pronta para assumir o contrato, o que criaria uma pressão econômica."

Eletrobras faz falta

Chaves trabalhou na Eletrobras até ela ser privatizada no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Ele lembrou que a estatal federal tinha esse papel de grande concorrente do setor privado na definição de tarifa de energia no Brasil. Enquanto empresas ofereciam em leilões energia a um preço mais alto, a estatal apresentava propostas mais baixas.

Chaves lembrou que a Eletrobras também mantinha em seus quadros uma capacidade técnica para socorrer o setor elétrico nacional em graves ocorrências. Em 2020, quando houve um apagão de 22 dias atingiu o Amapá após uma explosão numa subestação, foram funcionários da estatal que socorreram a população. Hoje, essa capacidade não existe.

Em São Paulo, após a tempestade, o governo federal foi obrigado a pedir ajuda de concessionárias de energia que atuam em outras cidades para ajudar a Enel. Três companhias atenderam o pedido.

O ministro Silveira agradeceu a ajuda privada. No entanto, deixou claro que a falta de uma Eletrobras sob o controle do Estado deixa o Brasil em situação vulnerável. "A Eletrobras era o último braço do setor elétrico que o ministro de Minas energia tinha para socorrer inclusive brasileiros em momentos extremos", afirmou ele.

Solução mineira

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) questiona no Supremo Tribunal Federal (STF) a lei que viabilizou a privatização da Eletrobras. A ideia do governo, no entanto, não é reverter a venda, mas sim ampliar o poder de voto do Estado na empresa.

Ao mesmo tempo, ele discute com o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), um acordo para que a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) seja transferida à União como parte do pagamento da dívida do estado. Nada disso, contudo, parece ter possibilidade de resolvido no curto prazo.

Concessões em xeque

Durante o mandato do presidente Lula, três contratos de concessão de energia perderão a validade: um do Espírito Santo e dois do Rio de Janeiro, sendo um deles com a Enel e outro com a Light. Cabe ao governo decidir se os contratos serão renovados.

Se Lula disputar a eleição em 2026 e for reeleito, seu governo também poderá decidir se renova ou não a concessão da Enel em São Paulo.

Para Chaves, essa janela de renovações cria a possibilidade para a busca por uma alternativa ao setor elétrico por uma nova estatal. Para ele, está claro hoje que os contratos de concessão com empresas privadas não deram certo. Cabe ao governo agir.

"Estamos vendo a falência do modelo do setor elétrico brasileiro gestado lá nos anos 90, quando começou o processo de privatização", disse.

Edição: Thalita Pires

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O neoliberalismo foi consolidado no Brasil na década de 1990 e alterou profundamente as relações econômicas e de trabalho. O fim de uma era de industrialização deixou boa parte da população fora do sistema, redirecionado ao modelo agroexportador e à prestação de serviços. O que gerou, conforme o economista e presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Marcio Pochmann, uma massa sobrante, para quem o capitalismo não tem nada a oferecer. Caminho aberto, segundo ele, para o crime organizado e o extremismo religioso.

Nesta entrevista ao Brasil de Fato RS, Pochmann aborda diversos desafios políticos, econômicos e sociais que surgem com as transformações tecnológicas e políticas nas últimas décadas. Entre elas, estão: o crescimento da extrema direita com seu discurso antissistema, quando talvez seja a própria ordem; os perigos do monopólio da informação concentrado nas big techs para a soberania nacional; as mudanças geopolíticas mundiais que estão alterando o perfil das cidades brasileiras; a crise na economia do Rio Grande do Sul; e questões políticas que barram o desenvolvimento do país.

Brasil de Fato RS - A gente vive uma realidade mundial em que as big techs, as grandes corporações da internet, detêm mais dados dos países do que o próprio país. Como fica a soberania nacional nessa situação, se um país tem suas informações capturadas e conhecidas por empresas estrangeiras?

Marcio Pochmann - O presidente Lula tem falado a respeito disso. Nós estamos, de certa maneira, num conflito que diz respeito à governança de populações.

Vamos voltar no tempo: depois da Guerra dos 30 Anos, de 1618 a 1648, houve o desenlace da Igreja Católica no estabelecimento do que havia de estados, impérios, reconhecimento de territórios. No caso do Brasil, na era do descobrimento, antes disso, o Acordo de Tordesilhas [1494] estabelecia os limites e passava pela Igreja Católica. A Guerra dos 30 Anos, de certa maneira, impõe uma separação, e aí se constituem os chamados estados nacionais, que vão ganhar difusão no século 20, especialmente ao final da Segunda Guerra Mundial [1939-1945].

Esse processo de criação dos estados nacionais pressupôs identificar fronteiras geográficas e, ao mesmo tempo, a governança da população, ou seja, através da dimensão da população, de quantos jovens, quantas crianças havia. Até então, até o século 16, 17, havia contagem de população, mas com vistas à formação de exércitos para a guerra.

Isso muda em 1790, quando os Estados Unidos realizam o primeiro censo demográfico, feito para contar a população para efeito da eleição, para saber quantos eleitores teriam e o número de deputados naquele país. Ali vai se identificando cada vez mais que a governança de populações passa por informações, por dados demográficos, e é o papel do Estado Nacional fazer isso.

A tua pergunta refere-se justamente a uma situação nova, que é o poder crescente de poucas, mas grandes corporações transnacionais, cujo faturamento ultrapassa o PIB [Produto Interno Bruto] de países. Então, há uma disputa de governança.

O IBGE levou 12 anos, desde 2010, o último censo, ao que nós fizemos agora, divulgado em 2022. Exigiu 180 mil recenseadores para visitar 70 milhões de domicílios. Tem um custo, que não é pequeno, para a sociedade brasileira, mas é importante que seja feito. Até foi feito com pouco recurso, e nós estamos levando um, dois anos, talvez três, para divulgar todo o censo.

Na era digital, nós estamos diante de um capitalismo cada vez mais de vigilância. As big techs são grandes empresas de tecnologia que permitem que a gente acesse a internet se conectado em alguma rede, aceitando sua política de privacidade.

Política que diz “você pode entrar aqui na nossa rede, mas fique sabendo, você tem que aceitar que tudo que você postar, que utilizar, não lhe pertence, portanto, as fotos que você posta, os filmes, as músicas, as compras, as mensagens, os pagamentos, os roteiros que você faz de percurso, tudo isso você utiliza, porém, não lhe pertence”.

Isso é um conjunto de dados que, ao final de cada dia, é possível fazer um censo de um país, do mundo, pelo menos de todos que estão conectados. Dá para saber o que as pessoas fizeram, o que nós fizemos ao longo do dia.

Por incrível que pareça, na sociedade que tem tantas informações, o que predomina é a desinformação

As big techs fazem um censo por dia, ou seja, o que o IBGE faz de 10 em 10 anos, ela faz em um dia...

Exatamente, e mais do que isso, ela tem informação online, atualizada a todo momento. Portanto, essas big techs, que são estrangeiras, têm mais informações que o próprio IBGE, têm mais informações que o presidente da República.

Nós estamos assistindo aí uma disputa de um empresário, de uma grande empresa, Starlink, que entrou na guerra Ucrânia e Rússia. Algo que a gente desconhecia sobre isso, ou seja, desde o início do século 17, da Guerra dos 30 Anos, que não havia o setor privado entrando em guerras, governando populações.

Nós estamos, inclusive, eu mesmo pertenço a uma universidade que praticamente colocou todas as suas informações na mão de uma empresa estrangeira, por quê? Porque o correio eletrônico é feito por essa empresa estrangeira, então todas as informações são de posse dessa empresa.

Alguém vai lembrar aqui do ChatGPT, que é um avanço importante etc. Mas de onde sai o conteúdo para as perguntas que a gente faz sobre o Brasil? Saiu de nós mesmos, que doamos, ao longo da pandemia, várias aulas que foram ministradas, debates.

Essa é uma questão central do ponto de vista do que serão os países, do que será a governança de populações nesse processo de digitalização, em que predomina um outro modo de organização do capitalismo.

O Brasil não é uma sociedade letrada digitalmente. As pessoas até sabem teclar... Eu mesmo me considero um iletrado digital. A União Europeia está preocupada com esse tema e estabeleceu um programa de letramento digital, com a meta de que, até 2030, pelo menos 30% da população europeia esteja letrada digitalmente.

O que é letrada? Saber que, por exemplo, ao fazer uma pergunta em uma rede, que a resposta varia conforme o perfil do usuário. Esse é o grande risco. Por incrível que pareça, na sociedade com tantas informações, o que predomina é a desinformação.

Se dizia que informação é poder, hoje a gente pode dizer talvez o contrário, desinformação é que é poder

É outro paradoxo. Até esse letramento que tu falas, eu imagino que é uma espécie de realfabetização, só que digital.

Exatamente. Se no passado, na era industrial, se dizia que informação é poder, hoje a gente pode dizer talvez o contrário, desinformação é que é poder. Porque não se acredita mais em nada. Nós estamos tendo uma vulgarização das estatísticas, o IBGE levanta 400 mil preços, vai em nove regiões metropolitanas, nossos pesquisadores que levantam os preços e o IBGE divulga a inflação. Aí alguém vai no supermercado, filma e diz “olha, o preço da batata subiu 20%, a inflação está errada”. Obviamente que não é obrigado saber como se faz a inflação no Brasil, mas é uma vulgarização, uma descrença.

É preocupante porque há o risco de nós entrarmos numa nova era, uma nova Idade Média, como foi aquela que prevaleceu entre o século 5, depois da destruição do Império Romano, até o século 15, com a descoberta de Gutenberg e da imprensa. Durante praticamente 10 séculos, com o fim do Império Romano [ 27 a.C. - 476 d.C.] , a Igreja Católica passou a absorver todas as informações nas suas próprias bibliotecas enquanto predominava um profundo analfabetismo no mundo. Tem um livro fantástico, um filme também muito bom, O Nome da Rosa, que mostra isso.

É o que nós estamos tendo hoje. Ou seja, há uma monopolização das informações e do conhecimento em pouquíssimas corporações estrangeiras. O risco, portanto, é se difundir o analfabetismo digital numa sociedade praticamente descrente de tudo, em que o governo vai ser cada vez mais aquele das grandes corporações.

Tem ainda as mudanças climáticas. Aqui no Rio Grande do Sul estamos sentindo profundamente, tivemos as enchentes em maio, junho e, agora, estamos sufocando com as fumaças dos incêndios criminosos. Situações que estão se agravando e que geraram e vão gerar mais desinformação.

Esse tema ganhou dimensão e, obviamente, vai ser dominante, porque a aceleração dos problemas climáticos está só no início. Era importante que a sociedade organizada, que os partidos, que o poder Legislativo, Judiciário, e o Executivo se dessem conta que nós não estamos diante de fenômenos anormais, que acontecem de vez em quando. Isso é um novo normal, nós vamos conviver com problemas crescentes decorrentes do clima. E o Brasil não tem estudos, não se antecipa, ou seja, parece sempre lidar como se tudo fosse emergência.

É óbvio que nós precisamos de pronto-socorro, porque acidentes ocorrem, alguém atropelado sofre algum problema de saúde, ele tem que emergencialmente ser tratado. Mas nós precisamos de uma terapia que nos conduza a reconhecer que tem um problema estrutural.

Por exemplo, nós não sabemos, não há estudos, há especulações de outros países, de qual a dimensão territorial vai ser afetada pela elevação do nível do mar. Porque isso é inexorável, com a temperatura maior e o degelo da calota polar, isso eleva o nível do mar, e, portanto, uma parte das cidades litorâneas vão desaparecer.

Nós estamos diante de questões estruturais. Isso significaria que as diferentes esferas se dessem conta que nós estamos num outro patamar, um novo regime climático chamado antropoceno, que pressupõe, na verdade, olhar a questão ambiental não como se fosse uma política setorial.

A questão é que o efeito climático tem a ver com o Banco Central, tem a ver com o Ministério da Indústria, com os vários segmentos. Importante olhar isso de forma matricial, intersetorializada, e, de certa maneira, estabelecer instituições, preparar o país com a inteligência e com capacidade de enfrentar situações que são apenas o começo, infelizmente.

O fanatismo religioso e o banditismo social são consequências diretas da predominância do receituário neoliberal Você disse esses dias que há um processo gradativo, contínuo, de decadência das regiões litorâneas do Brasil, enquanto o interior do país está se desenvolvendo. Eu gostaria que você comentasse um pouco isso.

A meu juízo, nós estamos numa rota que é o inverso daquela que ocorreu no Brasil, desde o Império [1822-1889]. No período da Colônia [1530-1822], havia o chamado exclusivismo metropolitano, ou seja, as colônias só podem exportar para Portugal. Depois ouve a Liberação dos Portos para as Nações Amigas e, entre 1808 e 1920, o principal parceiro comercial do Brasil foi a Inglaterra.

Nossas instituições naquele momento, a própria República, estão muito contaminadas pelos valores, pela ideologia, pela orientação inglesa. Os investimentos que vieram do exterior, por exemplo, que permitiram a construção das primeiras ferrovias no Brasil, eram aquelas que ligavam o interior aos portos.

Era a ferrovia que desovava a produção de café para o litoral, para o Oceano Atlântico, o que não se alterou drasticamente desde 1920 até 2009, quando os Estados Unidos passaram a ser o principal parceiro comercial do Brasil.

Desde 2009, o principal parceiro comercial do Brasil é a China. Muda, em primeiro lugar, que o Oceano Atlântico já não é o centro do comércio externo brasileiro. O centro do comércio externo é cada vez mais o Pacífico. E, se nós olharmos os investimentos que estão sendo feitos, públicos, privados e internacionais, são investimentos que ligam o Centro-Oeste, o Norte e uma parte do Sul aos países latino-americanos, visando a saída para o Pacífico.

Então, isso que eu quero dizer, há um inverso no século XIX. Os investimentos estão sendo organizados para viabilizar a logística que leva para o Oceano Pacífico, porque se economiza três semanas de transporte, comparado com a saída pelo Atlântico.

Se olharmos o PIB dos municípios, vemos três tipos no Brasil. Cerca de 10% a 15% são municípios fantasmas, onde o PIB não cresce, está paralisado, a população jovem sai, e há um envelhecimento, vivendo praticamente de transferências fiscais.

O segundo grupo é formado pelos municípios das regiões litorâneas. Geralmente, com exceções, são as metrópoles que outrora eram a base da indústria e dos melhores empregos, mas, com a desindustrialização, foram definhando. Têm um crescimento econômico médio de 2% ao ano, e suas rendas per capita estão estagnadas.

Agora, se você olha o interior de São Paulo, pegando um pouco de Paraná, Santa Catarina, e alguma coisinha do Rio Grande do Sul, e subindo rumo ao Centro-Oeste e parte do Norte, nós vemos ali municípios que crescem 6%, 7% ao ano, são praticamente municípios com ritmo chinês. É um outro país, é outra configuração.

O que vai acontecer com a população brasileira, 70% dela ainda residente a não mais de 200 quilômetros da região oceânica, do Oceano Atlântico? Porque isso está sendo cada vez mais um espaço conflagrado com a presença predominante do que eu denomino como o novo sistema jagunço, que é a liderança do fanatismo religioso e do banditismo social.

São questões estruturais que não vamos resolver com a eleição, até porque a eleição também já está contaminada com o efeito do novo sistema jagunço. Perpassam justamente por um novo sistema de dados do país e uma reflexão do povo brasileiro a respeito do seu futuro.

Pode explicar melhor esse conceito do sistema jagunço? Acrescentando sobre algo que temos visto, um aumento da penetração do crime organizado em várias instituições públicas ou privadas - e nós temos, toda semana, evidências, digamos assim, daquela zona cinza, que você não sabe se é exatamente legal ou ilegal - como um avanço na conquista do poder para facilitar o negócio do crime organizado.

É uma questão que estudo há algum tempo, com produção sobre o tema. O fanatismo religioso e o banditismo social são consequências diretas da predominância do receituário neoliberal. No início da República, em 1889, houve uma tentativa de industrialização que foi derrotada, e aí acendeu a política do café com leite, a política dos governadores etc. Que assentou o liberalismo. O que era o liberalismo? Era o Estado mínimo, um liberalismo que patrocinava o capitalismo para poucos.

Caio Prado [Júnior, historiador e geógrafo brasileiro] destacava que esse capitalismo gerava uma massa "inorgânica" para o capital, composta pelas pessoas pobres do campo, sem futuro no sistema. Exemplo disso foi a Guerra de Canudos (1896-1897), com 25 mil pessoas vivendo em uma economia solidária, fora do capitalismo. Outro exemplo foi o cangaço de Virgulino Lampião, que reunia essa massa sobrante, praticando o justicialismo ao invadir fazendas.

Isso acaba com a Revolução de 30, que organizou o desenvolvimento capitalista, que abriu espaço para incorporar essa massa sobrante através do emprego assalariado formal, dando às pessoas a oportunidade de ter um direito, o direito de se aposentar, de receber um salário mínimo, de ter férias, descanso semanal, de ter representação, o sindicato. Um sistema que dava identidade e pertencimento.

Para essa massa sobrante que nós temos hoje, que eu calculo entre 60 a 70 milhões de brasileiros, o capitalismo não tem nada a oferecer

Com o receituário neoliberal e a entrada do Brasil na globalização a partir de 1990, o capitalismo brasileiro foi definhando. Nos anos 80, cerca de 70% dos ocupados no Brasil estavam em atividades capitalistas, focadas no lucro e crescimento. Hoje, apenas 49% estão vinculados a essas atividades, enquanto 12% estão no setor público, e cerca de 40% se encontram em atividades de subsistência ou economia popular, sem estratégia capitalista clara.

Para essa massa sobrante que nós temos hoje, que eu calculo entre 60 a 70 milhões de brasileiros, o capitalismo não tem nada a oferecer. É uma massa sem destino. E quem oferece destino? Porque o Estado, cada vez mais contido, distante das regiões mais pobres do país, tem a oferecer bolsas que são fundamentais, mas não são suficientes, porque não oferecem um horizonte.

De um lado, você tem aqueles que questionam esse horizonte, e, portanto, buscam as igrejas. E outros que questionam que as igrejas também não oferecem tanto, e, portanto, passa por imediatismo. O imediatismo é a ascensão pelo crime. E isso obviamente está reorganizando o Estado brasileiro em novas bases.

Grande parte do crime organizado são empreendimentos, tem bancos. Eles contaminaram o Estado e têm estratégias para financiar o estudo de jovens em faculdades de direito, que se formam e fazem cursinhos para a OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] e concursos públicos, ocupando cargos no governo. Essas instituições se organizam também por meio de processos eleitorais, tendo um projeto de futuro.

Enquanto o neoliberalismo continuar predominando, incapaz de absorver a todos, deixará as massas sobrantes cada vez mais vulneráveis ao crime e ao fanatismo religioso.

A direita tem um discurso antissistema, antiordem, quando talvez ela seja a própria ordem

O que nos leva também para a extrema direita.

A extrema direita é uma demonstração do quanto ela é antissistema. Ela está se colocando contra esse sistema, ainda que possa ser apenas uma retórica. Ao contrário da esquerda, que muitas vezes defende a ordem do jeito que está aí. Essa é uma contradição enorme, porque há uma defesa de uma ordem que está, de certa maneira, com sérios problemas de sustentação, porque também está sendo contaminada pela própria presença do crime e do fanatismo religioso.

A direita tem um discurso antissistema, antiordem, quando talvez ela seja a própria ordem. Mas, do ponto de vista do jogo da retórica, do jogo eleitoral, ela se coloca contra tudo o que está aí, acreditando que a destruição de tudo o que está aí gerará uma espécie de emergência das cinzas. Quando, obviamente, isso aí é algo que depõe contra qualquer mínimo de racionalidade nesse sentido.

Mas não podemos esquecer que também a esquerda. Os progressistas têm uma parte importante no que estão fazendo e no que estão dizendo. Até que ponto a sua retórica, é, de fato, capaz de mudar a realidade?

E até que ponto é capaz?

Trazendo para os dias de hoje, olhando o governo federal, eu não tenho dúvida que o governo do presidente Lula tem clareza dos limites em que ele assumiu o governo. É inegável que a direita não morreu. A direita está viva, vai disputar as eleições. Tentou um golpe de Estado e não está sendo simples comprometê-los.

Portanto, é um governo de transição para uma possibilidade de transformações mais profundas. O que tem sido possível fazer até agora, diante dos limites impostos, é recuperar aquilo que o governo do presidente Lula e da presidente Dilma haviam já estabelecido. Porque nós tivemos um retrocesso inegável de 2016 para cá.

O próprio IBGE sofreu demasiadamente, sem concurso público, redução de salários, problemas seríssimos de realização de pesquisas. Mas isso não é específico do IBGE. Isso é uma coisa geral. A defesa da privatização, a destruição das instituições, ou seja, reestabelecer isso nas condições que o governo do presidente Lula assumiu não é pouca coisa.

Evidentemente que há uma expectativa do que pode ser feito à medida que nós possamos acumular forças. Nesse sentido a questão eleitoral deste ano me parece muito importante para redefinir rumos e, obviamente, garantir que a democracia se sustente no país.

Nessas perspectivas, qual seria o papel dos Brics? Tu és otimista quanto às possibilidades que serão abertas, ou que estão sendo abertas?

Parto da hipótese de que vivemos uma mudança de época com quatro eixos. O primeiro é o deslocamento do centro dinâmico dos Estados Unidos e do Ocidente para a China, abrindo espaço para o Sul Global. O Brasil e a América se desenvolveram sob o eurocentrismo, mas, com o declínio do Ocidente, temos menos a aprender com Europa e EUA. Agora, enfrentamos o apogeu do Oriente, sobre o qual sabemos pouco, e o Brasil, com os Brics, tem a chance de questionar e oferecer uma alternativa à governança ocidental.

O segundo eixo é a era digital, que reconecta a sociedade de novas formas. O terceiro é a mudança no regime climático. O quarto eixo é a mudança demográfica.

Até 1800, o mundo tinha cerca de 1 bilhão de habitantes. De 1800 a 2000, a população mundial multiplicou-se por 10. Hoje, vemos uma inflexão, com o Brasil prevendo regressão populacional após 2040 e países como China, Japão e Itália enfrentando quedas significativas em suas populações.

É uma mudança de época sobre a qual o Brasil precisaria também discutir. Nós estamos razoáveis, achamos razoável a população que nós temos hoje? Com 212 milhões num país de dimensão continental, de baixa densidade demográfica, será que nós vamos aceitar mais imigrantes? Por que está havendo a queda na taxa de fecundidade? Por que as mulheres estão tendo menos filhos? A gente sabe que estão tendo, mas por quê? Qual é a razão? Falta política pública?

Perceba que mudança de época é, na verdade, um momento de grande questionamento, de oportunidade de disputar o futuro de forma diferente.

O Brasil está presidindo o G20. Está acontecendo vários encontros, reuniões importantes no Brasil, o que pouco se fala. A população em geral, na verdade, acho que pouco sabe sobre isso. E um dos debates que se faz no G20 é justamente a questão da tributação dos super-ricos, que o ministro da Economia, o Fernando Haddad, defende uma tributação global. Como é que você está vendo esse debate?

Ele não é, de certa maneira, novo. Isso já vem do final dos anos 1960 e 1970, a teorização, propostas. E foi retomado, agora, nesse fórum especial, o que é o G20. É realmente promissor nesse sentido, mas eu imagino que uma decisão mais ampla que comece com os países do G20 precisará ganhar maior dimensão, porque o vazamento de tributação deve ocorrer na medida em que outros estados possam, na verdade, não se engajar nesse sistema de tributação.

Aí vem uma questão adicional, o esvaziamento das Nações Unidas, que é um produto do final da Segunda Grande Guerra Mundial e, hoje, realmente, tem dificuldades de estabelecer, normatizar critérios de dimensão mundial.

Talvez os Brics possam também contribuir nesse sentido, porque, a partir do Sul Global, se olha o mundo noutra perspectiva, e nós não esperamos mais o andar de cima do Norte Global, mas nós mesmos vamos construir os nossos caminhos.

A raiz dos problemas que o estado do Rio Grande do Sul possui estão associadas ao próprio receituário neoliberal

E está aí a África também para ser descoberta. Eu quero te fazer uma pergunta para voltar um pouco para as raízes aqui, que é o seguinte: nas últimas décadas, nos últimos 50 anos ou mais, o Rio Grande do Sul tem paulatinamente perdido protagonismo, tanto político como econômico. Como é que tu vês isso?

Nasci no Rio Grande do Sul, mas não sou um estudioso do estado. Associo a decadência do Rio Grande do Sul às decisões tomadas no contexto neoliberal. Com o neoliberalismo, houve queda nas barreiras de importação, abertura da conta de capitais, alta taxa de juros, valorização cambial, entre outros, comprometendo a estrutura produtiva interna voltada ao mercado interno.

O estado era bem industrializado, mas o neoliberalismo trouxe um modelo econômico pouco favorável, focado em exportações. A Lei Kandir [1996] isentou exportações, deixando o governo estadual sem arrecadação fiscal. Ao mesmo tempo, com a desindustrialização, houve uma expansão de micro e pequenos negócios, que, pela legislação do Simples, têm pouca tributação, o que também retirou a base fiscal do estado.

Com isso, o Rio Grande do Sul não conseguiu se adaptar à nova dinâmica econômica e, em alguns governos, fortaleceu a perspectiva neoliberal, desfazendo patrimônios e cortando possibilidades de arrecadação.

A raiz dos problemas que o estado do Rio Grande do Sul possui está associada ao próprio receituário neoliberal, que não atendeu às necessidades locais e do povo gaúcho.

Interessante que quando o governo federal toma qualquer medida visando o desenvolvimento do país, tem uma afirmação econômica ou tenta fazer uma melhor distribuição de renda, logo se forma um coro de defensores do rigorismo fiscal, da elevação da taxa de juros, do gasto social. A gente ainda vive isso muito fortemente, né?

Precisamos compreender que o neoliberalismo se mantém porque tem apoio social. Parte da sociedade é beneficiária e, por isso, controla os meios de comunicação e a base parlamentar. Essa parte utiliza sabiamente as oportunidades para manter o modelo praticamente intacto.

O Brasil não tem dívida externa significativa, a dívida pública é em moeda nacional, sob controle do Estado. Portanto, não há justificativa técnica para a alta taxa de juros que prevalece, que está acima da inflação e dificulta os negócios e as atividades produtivas.

Isso desestruturou a classe dominante do país. Como falávamos anteriormente, se tinha uma burguesia industrial, tinha Antônio Ermírio de Moraes [presidente do Grupo Votorantim de 1973 a 2001], para citar um, que era, na verdade, uma âncora da produção, uma disputa com o próprio capitalismo estrangeiro nesse sentido, porque guardava o interesse da produção nacional.

Na medida em que você teve a dominância do receituário neoliberal, ou seja, você tem taxas de juros muito elevadas, fica mais fácil você vender o seu negócio, converter o seu negócio em dinheiro e aplicar no seu financeiro. Não tem risco algum e tem um ganho espetacular.

Então houve uma conversão de uma parte importante da burguesia industrial em rentistas, que anteriormente eram contra a taxa de juros, porque atrapalhavam os seus negócios e agora são defensores da taxa de juros, porque ali é o ganho, é o chamado rentismo, vive de rendas, rendas que não produz.

Por outro lado, aquele segmento da burguesia industrial que conseguiu manter seu negócio e sua fábrica acaba se tornando uma espécie de comerciante. Ele manteve a sua fábrica, porém, só monta, ele compra lá fora os componentes e monta aqui no Brasil. Então esse é amante da taxa de câmbio valorizada, porque quanto mais valorizada a nossa moeda, é mais barato comprar lá fora e vender aqui dentro.

A defesa sempre da valorização cambial no nosso país. Com isso, se compra barato lá fora, vende caro aqui. Esse giro não gera emprego decente, não gera recurso fiscal suficiente e mantém a armadilha do Estado, que tem que pagar a taxa de juros elevadas, que tem que manter a taxa de câmbio elevada, porque assim é mais fácil comprar lá fora do que produzir internamente. É um círculo vicioso, que nos está asfixiando já há muito tempo.

Ou seja, é uma elite que não está preocupada com o desenvolvimento do país.

Exatamente. Até o desenvolvimento pode ocorrer, sendo que esses ricos de hoje continuassem sendo beneficiados, mas não pelo rentismo. A meu ver, isso é uma questão política. O Brasil tem uma poupança de recursos aplicados em títulos públicos acima de 70% do PIB, ou seja, o dinheiro está aqui, não precisa tomar dinheiro no exterior.

O Brasil é um país em construção, falta de tudo, falta casa, falta hospital, falta estrada, falta estrutura. Ou seja, tem espaço para o investimento privado e, obviamente, público. Assim, esse dinheiro poderia ser investido nesses setores demandantes. É claro que o retorno não será tão vantajoso quanto a taxa de juros, a taxa de juros tem que ser muito menor.

Você tem tecnologia, porque o que precisa ser feito no Brasil não precisa de tecnologia estrangeira. Temos mão de obra qualificada, preparada para isso. Os fundamentos econômicos estão dados, não precisamos de ninguém. Mas por que, se os fundamentos estão adequados, o desenvolvimento não ocorre? Ocorre por uma questão política, que impede o desenlace nesse sentido.

Se colocarmos o recurso no sistema produtivo, garantimos que não haverá recessão e que não aumentará o preço da energia. Quem tem dinheiro fica em dúvida: se retirar do banco para abrir uma fábrica, levará um ano para produzir e, quando isso acontecer, o país pode estar em recessão. É um grande risco, e o papel do Estado é garantir que, nesse período, haverá crescimento econômico, dando segurança ao investimento.

(*) Versão resumida de entrevista ao podcast De Fato. Assista abaixo à edição completa

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Marcelo Ferreira

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O ex-presidente do Uruguai, José Pepe Mujica, mandou, nesta semana, um vídeo para Maria do Rosário, candidata do PT nas eleições do segundo turno em Porto Alegre (RS). Com voz firme, ele afirmou que queria dar o "maior apoio possível para Maria do Rosário, uma candidata popular e que representa uma grande parte do eleitorado trabalhador".

“Quero mandar um abraço especial, à distância, do povo oriental do sul, que não esquece nunca o que representa o Brasil e Porto Alegre, em particular. Até sempre”, disse no áudio de um minuto.

Maria do Rosário ouviu com lágrimas nos olhos, mas não fez nenhuma manifestação. Só disse para uma interlocutora de sua campanha: “Vika, olha o vídeo que recebi”.

Pepe Mujica foi presidente do Uruguai de 2010 a 2015, passou quase 15 anos preso no século passado por ser do grupo guerrilheiro tupamaro.

Sábado (19), ele fez um discurso de despedida da sua carreira política aos 89 anos, passando o bastão da Frente Ampla ao candidato presidencial Yamandú Orsi nas eleições do dia 27 de outubro. Ele sofre de um câncer no esôfago e disse que está muito velho e que os novos tempos são para os mais jovens.

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Vivian Virissimo

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A ONU recebeu críticas da Austrália, EUA e outros 13 países em relação às violações de direitos humanos na China, especificamente em Xinjiang e no Tibete. Em resposta, a China apontou a situação na Faixa de Gaza, descrevendo-a como um "inferno vivo", e acusou os países ocidentais de ignorá-la.

Um relatório da ONU mencionou a "detenção arbitrária" de uigures como possíveis crimes contra a humanidade. O embaixador da China, Fu Cong, destacou a gravidade da situação em Gaza, onde milhares morreram em conflitos recentes.

  • A maior mentira

Militantes palestinos do Hamas atacaram Israel em 7 de outubro de 2023, matando 1.200 pessoas e sequestrando cerca de 250 outras. O aliado dos EUA, Israel, retaliou em Gaza, onde as autoridades da região dizem que mais de 42.000 pessoas foram mortas e quase todos os 2,3 milhões de habitantes do enclave foram deslocados.

Fu afirmou que, se o número de mortos em Gaza não fosse suficiente para "despertar a consciência de alguns países ocidentais... então a sua chamada proteção dos direitos humanos dos muçulmanos não passa da maior mentira".

A embaixadora adjunta dos EUA, Lisa Carty, reafirmou a condenação às ações da China, mas também pediu um cessar-fogo em Gaza e mais ajuda humanitária. Um representante do Paquistão leu uma declaração de 80 países, defendendo que as questões sobre Xinjiang e Hong Kong são assuntos internos da China.

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O BRICS, grupo que inclui países como Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, está desenvolvendo um novo sistema de pagamento chamado BRICS Pay. Esse sistema visa facilitar as transações entre os países membros, tornando-as mais rápidas e baratas, sem depender de sistemas financeiros ocidentais, como o FMI.

A primeira cúpula do BRICS após a expansão do grupo acontece em Kazan, Rússia, de 22 a 24 de outubro. O objetivo do BRICS Pay é reforçar a autonomia econômica dos países e reduzir a influência do dólar americano nas transações internacionais.

O governo russo, que lidera o BRICS em 2024, busca criar alternativas ao FMI e acredita que a nova plataforma de pagamentos pode ajudar a equilibrar o comércio entre os países em desenvolvimento. Especialistas destacam que o BRICS Pay pode facilitar parcerias comerciais e promover uma economia mais diversificada e independente.

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No último domingo (20), durante uma missa na Diocese de Formosa, em Goiás, o Bispo dom Adair José Guimarães fez críticas ao governo Lula (PT), afirmando que o Brasil está “mergulhado numa ditadura”. O sacerdote ainda disse que os condenados pelos atos golpistas de 8/1 são presos políticos. “Nós temos presos e exilados políticos, temos pessoas com suas mídias cassadas. Isso não é próprio de uma democracia”, afirmou o líder religioso em um trecho de um vídeo, que foi compartilhado nas redes sociais por Jair Bolsonaro (PL).

Duranta a cerimônia religiosa, o bispo disse que o Brasil enfrenta uma “crise econômica avassaladora”, pois o Brasil estaria sendo governado por pessoas “ímpias”. Ele também comentou sobre os atentados do 8/1, que segundo o bispo muitos dos presos estão detidos sem que haja justificativa.

Ele ainda comenta que há uma forma diferente no tratamento que as autoridades dão à pessoas que tem valores tradicionais.

“Hoje no Brasil é beneficiado quem está no lado “estranho”, mas quem defende família, liberdade, fé, propriedade privada, parece que não tem mais direito”, disse Adair.

Se você é católico e de esquerda o canal no YouTube da paróquia do Padre Júlio Lancelotti se chama: O Arcanjo no Ar.

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BRASIL – A privatização de empresas estatais no Brasil ganhou força com o advento das políticas neoliberais, que começaram a ser implementadas no país na década de 1990, sob a justificativa de modernizar a economia, atrair investimentos estrangeiros e reduzir o papel do Estado. Essa virada ideológica ocorreu no contexto da globalização e da pressão internacional por reformas econômicas, capitaneada por instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Governos de diferentes países latino-americanos, inclusive o Brasil, passaram a adotar o receituário neoliberal, que defendia a liberalização do mercado, a desregulamentação e a privatização de setores estratégicos da economia.

No Brasil, esse movimento tomou impulso principalmente durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), com o Programa Nacional de Desestatização (PND). Empresas estatais de grande relevância, como a Companhia Vale do Rio Doce e a Telebrás, foram vendidas sob a justificativa de que o Estado era ineficiente em sua gestão e que a iniciativa privada seria capaz de dinamizar a economia e modernizar os serviços. O discurso amplamente difundido na época exaltava a eficiência do setor privado e minimizava o papel das empresas públicas no desenvolvimento econômico e social. Além disso, as privatizações foram vistas como uma maneira de aliviar a dívida pública e equilibrar as contas governamentais, promessas que, com o tempo, se revelaram ilusórias.

Entretanto, a lógica neoliberal ignorou as profundas implicações sociais, econômicas e políticas desse processo. O foco estava na maximização do lucro e na abertura da economia ao capital estrangeiro, sem considerar o impacto a longo prazo da alienação de ativos estratégicos do país e a falta de retorno das riquezas para o povo brasileiro.

Eficiência: um mito conveniente

Um dos principais argumentos a favor da privatização é que as empresas privadas são inerentemente mais eficientes do que as empresas estatais. Este conceito baseia-se na ideia de que a competição de mercado obriga as empresas a inovar, reduzir custos e melhorar a qualidade dos serviços, e se, por exemplo, a Petrobras, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil forem privatizados, os serviços serão entregues com maior eficácia à população. Contudo, esta lógica simplista ignora as particularidades do setor público e as características específicas das empresas estatais no país.

Em editoriais de grandes jornais em circulação, é frequente a discussão sobre a suposta “ineficiência das empresas públicas”. Contudo, a eficiência dessas empresas não deve ser avaliada com base em sua habilidade de gerar lucros, mas sim em sua capacidade de promover externalidades positivas, como o desenvolvimento econômico, a redução da desigualdade social e a defesa da soberania nacional. Quando essas empresas são privatizadas, o foco muda do interesse público para o interesse privado, onde a maximização do lucro torna-se o principal objetivo, frequentemente em prejuízo da população, que acabará arcando com custos elevados nos serviços privatizados, e do país, que entrega suas riquezas nacionais.

A Petrobras, por exemplo, não é apenas uma produtora de petróleo, mas um instrumento de política energética e econômica do Brasil. A Petrobras também exerce uma função vital no controle dos preços dos combustíveis, que têm impacto direto na inflação e na economia doméstica. Atualmente, a empresa tem 47,51% de investidores estrangeiros, portadores de ações negociadas na Bolsa de Nova York. No Brasil, 14,96% são investidores brasileiros, enquanto que apenas 36,61% correspondem ao governo federal. Sob controle e lobby dos acionistas, o foco da empresa está na maximização dos lucros, resultando em aumentos substanciais nos preços de combustíveis, gás de cozinha e outros derivados de petróleo, afetando diretamente as camadas mais vulneráveis da população e a soberania nacional.

Desigualdade social e privatização

A privatização tem sido um vetor de ampliação das desigualdades sociais no Brasil. Com o avanço das políticas de privatização das empresas estatais nos últimos anos, o acesso a serviços essenciais tem se tornado cada vez mais restrito e mais caro. Assim, regiões mais pobres e menos “lucrativas” são frequentemente negligenciadas ou abandonadas, aprofundando o debate sobre as desigualdades regionais e sociais, pois os recursos não estão sendo direcionados para o melhoramento das condições de vida do povo.

Um exemplo claro disso é o setor bancário. A Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil têm historicamente desempenhado um papel crucial na promoção do acesso ao crédito e na inclusão financeira de grupos mais vulneráveis socialmente. À medida que avança a privatização destas instituições públicas, o que vemos cada vez mais é uma política de aumento das taxas de juros e de redução drástica do acesso ao crédito para programas sociais a mando das políticas do Banco Central completamente subservientes à lógica do capital financeiro, prejudicando e endividando várias famílias pobres no país.

Privatização e corrupção: a falácia do combate

Muitos defensores da privatização na mídia tradicional e recentemente nas redes sociais, acreditam que a venda de empresas estatais é uma forma eficaz de combater a corrupção. No entanto, trata-se de uma falácia perigosa que ignora a verdade. A corrupção não é um problema exclusivo das empresas estatais, mas sim um problema estrutural do sistema capitalista, fundamentado no princípio da geração de lucro em detrimento do bem-estar social. Além disso, é o regime de escassez e sucateamento de bens e serviços que promove trocas de favores nos gabinetes das grandes corporações e dos governos a serviço dos ricos.

O fato é que a privatização não elimina a corrupção; ela apenas a transfere para outro âmbito, muitas vezes menos transparente e menos sujeito à fiscalização dos órgãos de controle. Além disso, a própria privatização, muitas vezes, é um processo profundamente corrupto devido aos processos de licitação e contratos duvidosos assinados pelos governos e as grandes empresas multinacionais frequentemente marcada por favorecimentos de empresas estrangeiras, lobby do mercado financeiro, subavaliação de ativos e outras práticas corruptas que resultam em enormes perdas para o Estado e para a sociedade.

A ilusão das receitas imediatas

Outro argumento frequentemente utilizado em favor da privatização é a necessidade premente de obter receitas rápidas para o governo, especialmente em períodos de dificuldades financeiras. Contudo, essa perspectiva é centrada exclusivamente no curto prazo e negligencia os impactos a longo prazo. Embora a alienação de ativos públicos possa gerar receitas imediatas, esses ganhos são temporários e não se repetem. Pior: os bens públicos vendidos deixam de contribuir para as receitas futuras do Estado, criando um déficit fiscal que, ao longo do tempo, pode agravar ainda mais os problemas financeiros do país.

É importante destacar que o impacto do déficit fiscal resultante da privatização, por meio da venda de ativos públicos, é significativo, uma vez que as receitas obtidas são frequentemente destinadas ao pagamento de despesas correntes ou à redução imediata da dívida pública, sem promover uma reestruturação sustentável das finanças públicas. Isso pode desencadear um ciclo vicioso no qual o governo se torna cada vez mais dependente da alienação de bens para manter o equilíbrio orçamentário, esgotando gradualmente seu patrimônio e reduzindo sua capacidade de investimento em áreas estratégicas como educação, saúde, assistência social e infraestrutura.

O caminho real

Considerando os desafios estruturais decorrentes da privatização, a medida mais eficaz para promover o desenvolvimento econômico e reduzir as disparidades no Brasil é a reestatização de todas as empresas que foram privatizadas sob orientação dos trabalhadores e trabalhadoras. Ao recuperar o controle estatal sobre essas empresas, o governo poderia planejar suas atividades de acordo com o interesse coletivo, tornando os conselhos das empresas públicas como órgãos deliberativos, construindo coletivamente políticas que priorizem o desenvolvimento social, a inclusão econômica e a soberania nacional.

A estatização não representa um passo atrás, mas sim uma ação necessária para reparar os equívocos cometidos no passado e edificar um futuro mais equitativo e sustentável. Sob gestão estatal, empresas como a Petrobras, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil poderiam atuar de maneira eficiente no impulso do desenvolvimento social e econômico, na mitigação das desigualdades sociais e regionais e na garantia de que os recursos estratégicos do país sejam alocados em prol do bem-estar da população.

Em um cenário global cada vez mais influenciado pela ideologia neoliberal e pelos interesses corporativos transnacionais, manter o controle estatal sobre setores chave é crucial para assegurar que o Brasil possa traçar seu próprio caminho em direção a um futuro socialista, sem se subordinar às imposições do capital internacional.

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Na sexta-feira (18), quando é celebrado o Dia dos Médicos, o Ministério da Saúde destacou os números alcançados pelo Programa Mais Médicos, reestabelecido em 2023. Os dados da Secretaria de Atenção Primária à Saúde (Saps) indicam que o programa alcança atualmente 80% dos 3,9 mil municípios com população entre 700 e 52 mil habitantes, com estimativa de cobertura populacional de 26,9 milhões de pessoas. O número representa 40,9% da população desses municípios.

“É uma grande conquista ver o crescimento desse programa essencial para o SUS chegar a todo o país. O Mais Médicos é uma realidade e faz a diferença. Quando assumimos o governo, havia 13 mil profissionais. Até o final da gestão, alcançaremos a meta dos 28 mil”, diz a ministra da Saúde, Nísia Trindade.

Os municípios de maior vulnerabilidade social também tiveram avanços na cobertura do programa: 60% dos médicos estão nessas regiões. Na Amazônia Legal, nove municípios de alta vulnerabilidade passaram a ter médicos: Amapá do Maranhão, no Maranhão; Anori, Nhamunda, Quaticuru e Santa Isabel do Rio Negro, no Amazonas; Calcoene, no Amapá; Lizarda e Paranã, no Tocantins; e Santa Luiza do Pará, no Pará.

Também foi registrado crescimento do Mais Médicos na assistência à saúde indígena. Em dezembro de 2022, eram 224. Em setembro deste ano, esse número saltou para 570 profissionais ativos.

Desde o ano passado, os profissionais da área podem fazer especialização e mestrado por meio da Estratégia Nacional de Formação de Especialistas para a Saúde, que integra os programas de formação, provimento e educação pelo trabalho no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

Uma novidade presente no 38º edital do programa foi a oferta de vagas afirmativas, no regime de cotas, para pessoas com deficiência e grupos étnico-raciais, como negros, quilombolas e indígenas.

Na última semana, o Ministério da Saúde promoveu, em parceria com o Ministério da Educação, o 3° Módulo de Acolhimento e Avaliação de 2024 do Programa Mais Médicos. Participaram 364 médicos intercambistas, todos brasileiros formados no exterior. Trinta desses profissionais atuarão na Saúde Indígena, dez no Consultório na Rua e 15 na Saúde Prisional.

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Os territórios de comunidades afrodescendentes do Brasil e da Colômbia devem contar com um programa bilateral de apoio à proteção fundiária, conservação da biodiversidade e implementação de sistemas agrícolas tradicionais. A iniciativa bilateral será apresentada esta semana na cidade colombiana de Cali, sede da COP-16, a Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade, que ocorre de 21 de outubro a 1º de novembro.

"Levamos à convenção da biodiversidade na COP16 uma proposta comum ao Brasil e à Colômbia, que tem como centro o reconhecimento dos povos afrodescendentes na implementação da convenção da diversidade biológica", anunciou Paula Balduíno, diretora de Políticas para Quilombolas e Ciganos do Ministério da Igualdade Racial, durante sessão ordinária do Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos (OEA), na semana passada.

Na ocasião, a OEA aprovou por aclamação uma resolução sobre reconhecimento, justiça e desenvolvimento sustentável para comunidades quilombolas no continente.

A COP da biodiversidade resulta de um tratado da Organização das Nações Unidas estabelecido durante a ECO-92, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Cnumad), realizada no Rio de Janeiro, e considerado um dos mais importantes instrumentos internacionais relacionados ao meio ambiente.

Desde então, as metas vêm sendo atualizadas regularmente entre os países da ONU. Para 2023, foram definidas 23 metas para deter e reverter a perda de biodiversidade e colocar a natureza em um caminho de recuperação para o benefício da população global, conservando e usando de forma sustentável a biodiversidade e garantindo a distribuição justa e equitativa dos benefícios do uso de recursos genéticos.

Batizado de Quilombo das Américas, o programa dos governos de Brasil e Colômbia visa fortalecer também a identidade, a memória e a luta dessas comunidades.

O programa pretende criar um espaço de articulação e cooperação entre essas comunidades, promovendo o reconhecimento de seus direitos, a preservação de suas culturas e a justiça social e racial, segundo o Ministério da Igualdade Racial.

O lançamento da iniciativa, prevista para ocorrer nesta segunda-feira (21), em Cali, deve reunir a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, e a vice-presidente colombiana Francia Marquez.

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A nossa sociedade sofre de um problema histórico e estrutural dentro das relações sociais, no qual um grupo de indivíduos se encontra em condições mais vantajosas do que outros. Ao pensar nesse processo, conhecido como desigualdade social, é comum relacionar automaticamente à pobreza; no entanto, a desigualdade é multidimensional, indo muito além da renda. Além da situação econômica, ela pode se dar por questões envolvendo raça, crença, gênero e sexualidade, entre outros.

Tal desnivelamento pode ser observado em diversas áreas da sociedade, como a falta de oportunidade no mercado de trabalho para mulheres — especialmente mães —, o não fornecimento de uma educação de qualidade a pessoas que não possuem condições de pagar por ensino, a ambientação não pensada em pessoas com deficiência — PCDs.

Uma posição de privilégio implica em uma parcela da sociedade em desvantagem, resultando em segregação e na perda de direitos básicos e de oportunidades. Além disso, a desigualdade também impulsiona a violência — criminal e policial, perpetuando a exclusão.

Pensar no contrário de exclusão (social) é pensar em inclusão; no entanto, não se trata apenas do ato de não-excluir, mas de adotar meios que combatam essa exclusão e acolham o(s) indivíduo(s) na sociedade. Assim, o termo já é auto-explicativo: trata-se do ato de incluir, promovendo a equidade e proporcionando as mesmas oportunidades a todes.

E, ainda que a desigualdade social seja um problema sistêmico, cujo fim se dará apenas com uma revisão de todo o sistema capitalista, que se baseia em segregação — justamente para manter essa hierarquia social —, é importante que se pense em medidas mais imediatas para acabar com a mesma.

Garante-se a inclusão social através de práticas e políticas que ampliam o acesso de grupos minoritários ao que lhes foi negado antes, fornecendo oportunidades e assegurando um ambiente seguro, livre de preconceitos e da violência fruto da discriminação.

Existe, então, uma extensa lista de medidas a serem tomadas para abolir essas barreiras. A acessibilidade, por exemplo, proporciona a possibilidade de PCDs terem acesso a lugares, serviços, produtos ou informações de maneira segura e autônoma, ainda que como uma solução temporária a um problema que é estrutural — a exclusão.

Dentre as diversas coisas que podem — e devem — ser feitas para incluir essas pessoas, é possível mencionar coisas básicas e presentes no dia a dia, como respeitar o nome e o pronome de pessoas trans — incluindo pronome neutro —, tornar as redes sociais acessíveis através de descrição de imagem, legenda em vídeos e indicadores de tom, e cotas raciais, mas vão muito além disso.

Entretanto, atitudes individuais não bastam, sendo necessário uma mudança na base do sistema socioeconômico, de modo que os ambientes não sejam apenas adaptados para acolher comunidades vulneráveis, mas sim feitos pensando nessas pessoas, assegurando, assim, uma vida digna e justa.

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Que falta faz o medo da URSS

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Uma ex-funcionária da Brasil Paralelo relatou, em entrevista exclusiva à Agência Pública, que foi vítima de assédio praticado por Guilherme Freire, ex-diretor da produtora. Apesar de o caso ter chegado à direção da empresa, Freire teria sido protegido e a denúncia, abafada. Ele só foi demitido meses depois, após pelo menos outros dois casos terem vindo à tona.

Catarina Torres, 21 anos, decidiu entrar no início de outubro deste ano com uma ação judicial por danos morais e materiais contra Freire depois de ter passado os últimos três anos sofrendo com efeitos do transtorno de estresse pós-traumático, ocasionado pelo trauma que ela descreve que viveu na Brasil Paralelo em 2021, quando tinha acabado de completar 18 anos. Ela possui laudos médicos e psicológicos que referendam os danos à sua saúde.

A Pública teve acesso a uma série de provas que ela anexou ao processo, contendo trocas de mensagens, áudios e vídeos de conversas com colegas que trabalharam com ela na Brasil Paralelo. As provas foram registradas no Verifact (plataforma que preserva provas digitais) e mostram que várias pessoas sabiam dos assédios, que outras mulheres também dizem ter sido vítimas, e que, quando os casos começaram a se amontoar, teria ocorrido pressão interna para que eles não vazassem. Essas provas não serão reproduzidas porque contêm dados dos interlocutores de Torres, que não ingressaram na Justiça e não quiseram prestar queixas para evitar retaliações.

A reportagem procurou Freire por meio dos seus advogados e também a Brasil Paralelo, mediante contatos de comunicação e também por um de seus sócios. Nenhum dos procurados respondeu até a publicação.

Duas trajetórias na Brasil Paralelo

Freire entrou na Brasil Paralelo em 2021, quando já era um conhecido influencer do campo conservador, com milhares de seguidores nas redes sociais. Ele ingressou como head (chefe) da BP Select, serviço de streaming da produtora, em abril de 2021. Em outubro daquele ano, acumulou o cargo de diretor de streaming e educação.

Em março de 2022, depois de já ter sido denunciado para a direção da empresa pelos assédios contra Torres, Freire ainda acumulou mais um cargo: o de showrunner de programas da produtora. As informações constam no LinkedIn do influenciador.

Já Torres tinha acabado de entrar na faculdade quando foi contratada pela Brasil Paralelo, em 20 de setembro de 2021, para trabalhar como gestora de comunidades, um cargo da área de marketing. Ela era fã dos documentários da produtora e se identificava com a sua visão católica e conservadora.

Para conseguir o cargo dos sonhos, Torres se mudou de Brasília para São Paulo sozinha e sem ajuda financeira dos pais. Na entrevista de emprego, foi indagada se conhecia a teoria das 12 camadas da personalidade humana do falecido guru Olavo de Carvalho (segundo ele, há 12 tipos de pessoas de acordo com os tipos de motivação). “Me disseram que eu não podia ser ‘quarta camada’, que significa ser uma pessoa emotiva, que se afeta com qualquer coisa. Isso me fez assumir uma postura durona. Eu era muito nova e queria que me respeitassem”, ela afirma.

Torres conta que os funcionários da Brasil Paralelo tinham o hábito de conversar sobre catolicismo e política durante o expediente. Quando ela também começou a falar sobre esses assuntos, percebeu que estava sendo julgada por causa da pouca idade. “As pessoas suspeitavam da minha conduta, estavam sempre me testando. Eu sentia que era vista como um objeto sexual. Era como se estivesse no meio de lobos”, diz.

O encontro com o então diretor da Brasil Paralelo

Ela relembra que, no segundo dia de trabalho, cruzou com Freire em um dos corredores da empresa. Ele teria reconhecido a novata, porque ela já tinha feito uma mentoria particular online com ele quando ainda estava no Ensino Médio. Freire costuma vender cursos, palestras e mentorias para ensinar História e Filosofia — na visão dele. Uma de suas alunas é Cristina Junqueira, uma das fundadoras do Nubank, que ganhou os jornais recentemente ao divulgar um evento da Brasil Paralelo, associando a imagem do banco à produtora. Ela fez um post no Instagram recomendando o curso de Freire para quem “quer investir em evoluir como pessoa”.

Ao reconhecer a ex-mentorada, o diretor a chamou para uma conversa reservada em sua sala — apesar de o trabalho dos dois não ter conexão direta. Lá, ele teria dito que tinha insights valiosos para ajudá-la em sua carreira. Querendo passar uma boa impressão e sabendo da posição de poder de Freire, Torres aceitou ouvir as dicas.

O diretor, então, começou uma “sessão de imposições moralistas”, nas palavras de Torres. As lições envolveriam opiniões sobre como uma mulher deveria se comportar e quais roupas poderia usar. Ele teria dito que mulheres deveriam ficar em casa e cuidar da família, e aconselhado que Torres evitasse interações com outros homens da empresa, porque eles poderiam “interpretar mal a sua gentileza”.

Ela conta que depois Freire passou a procurá-la frequentemente, apesar de os dois não trabalharem no mesmo andar — ela ficava no 15º e ele no 9º. Segundo ela, quando estava conversando com outras pessoas, ele fazia comentários sobre ela de modo vexatório. “Ele dizia em voz alta que eu não tinha conhecimento de quem eu era, que era melancólica, boba, imatura, que precisava de alguém para me guiar. Numa das vezes meu olho encheu de lágrima, mas eu não tinha coragem de falar nada”, diz.

As conversas reservadas e as reprimendas públicas foram se tornando cada vez mais frequentes, fazendo com que Torres se sentisse desconfortável. Ele repetia para a ex-funcionária que era importante mostrar trabalho, ser a primeira a chegar e a última a sair, e que ela precisava seguir as suas instruções se não quisesse ser demitida, segundo Torres.

Reunião fora do expediente

Em uma ocasião, segundo Torres, Freire pediu uma reunião com ela às 20h, quando já havia terminado o expediente, numa cabine reservada. “Ele falou que tinha um carinho diferente por mim porque tenho o nome de uma filha dele. Disse que queria me ajudar e que, se eu não obedecesse, iria ser mandada embora rápido”, afirma.

“Percebi que ele queria criar um clima romântico, como se estivesse tentando me salvar”, disse. De acordo com Torres, nessa reunião Freire tentou pegar a mão dela, que se esquivou. “Por muito tempo eu me questionei se tinha entendido certo e se fiz algo para provocar aquilo. Será que passei sinais que não tinha percebido? Comecei a duvidar de mim mesma. Eu não queria aquilo.”

Ela afirma que o diretor reforçou várias vezes que ela precisava chegar mais cedo no trabalho e ir embora mais tarde. “Como se fosse para me ajudar, mas ele só queria oportunidades para estar sozinho comigo, sem tanta gente por perto. Mas eu só entendi depois. Na hora eu só falei: ‘Tá bom’.”

Ela foi para casa depois da reunião, mas se sentiu culpada e voltou para a empresa. Passou a madrugada trabalhando e só foi embora quando estava amanhecendo. Dormiu poucas horas e voltou à produtora por volta das 11h. Quando chegou, Freire estava na porta da sala dela. “Que horas são essas?”, criticou. Exausta, ela não respondeu.

Torres comentou a situação com alguns colegas, que, segundo ela, não acreditaram nela e disseram que ela poderia ter entendido errado. Ela se sentiu isolada e se fechou. “Só percebi que era real quando vi ele na cabine com outra menina. Vi que ele tinha a mesma postura, os mesmos trejeitos de quando falava comigo. Depois soube que ele falou coisas muito parecidas para essa outra menina”, ela conta.

Os assédios continuam

Numa festa de confraternização na empresa, Torres diz que Freire ficou ao seu lado o tempo todo, interrompendo-a ou tirando sarro. “Eu estava contando da minha festa de 18 anos, ele interrompeu para dizer que isso era coisa de menina imatura e boba”, diz. Segundo ela, ele estava bebendo e, já alterado, foi para o estúdio gravar uma live. Ainda de acordo com Torres, ele pediu que ela fosse junto. Lá, ele quebrou um copo e ordenou que ela limpasse. Torres ficou constrangida e obedeceu.

A situação foi ficando tão insustentável que Torres decidiu contar para o seu chefe direto, Luan Licidonio, que é sócio e diretor de marketing da Brasil Paralelo. Ela marcou uma reunião pessoalmente com ele no dia 14 de outubro.

Segundo ela, o superior ouviu e perguntou se poderia falar com Freire, uma vez que ele não deveria interferir numa área que não era a dele. Ela pediu que ele não falasse, sabendo que Freire tinha grande poder de influência e isso poderia prejudicá-la. “Chorei muito, fiquei muito vulnerável. Isso não é normal da minha natureza. No final, estava acabada.”

Horas depois, ela se sentiu febril e avisou os colegas de setor que iria para um hospital e que talvez não conseguisse trabalhar no dia seguinte. Cansada, deitou e acabou cochilando. Foi acordada pouco depois com um colega do trabalho tocando o interfone da sua casa. Ele teria sido enviado pelo chefe para ver como ela estava e acompanhá-la no hospital. “Parecia um gesto de cuidado, mas eu entendi que eles estavam com medo que eu fizesse alguma coisa, que contasse o que tinha acontecido, e mostraram que estavam no controle”, disse.

Era o ápice da pandemia de covid, e ela teve que passar alguns dias trabalhando remotamente. Na volta, foi chamada para uma conversa com uma funcionária dos recursos humanos. “Ela me perguntou como eu estava e eu disse que queria ir embora. Ela estranhou por que eu queria tanto aquele emprego e tinha entrado há menos de dois meses”, diz Torres. Na mesma conversa, ela diz ter sido indagada se havia bebido na festa de confraternização. “Ela insinuou como se eu tivesse me oferecido, me insinuado. Ela falou: ‘O que você faz na sexta-feira pode virar fofoca na segunda-feira’. Foi horrível de ouvir porque eu não tinha feito nada.”

“Tive certeza que o meu chefe levou minha denúncia pro Freire, que levou o caso para o RH. Porque logo depois eu fui chamada para essa conversa e soube que outras pessoas com quem tinha comentado também receberam uma chamada. Disseram que nós estávamos criando uma ‘cultura de fofoca’ dentro da empresa”, ela continua.

Demissão e medo de perseguição No final de outubro de 2021, Torres não aguentou a pressão e pediu demissão. Após sua saída, ela soube que outras duas garotas haviam passado por situações parecidas — também teriam sido diminuídas por Freire em público e assediadas por ele de forma reservada. Uma delas a procurou e relatou o que passou por mensagens de texto e uma ligação, que foram anexadas ao processo. Torres soube da terceira vítima por um amigo em comum, cujas conversas também foram incluídas.

Ela cogitou denunciar seu caso para a polícia, mas colegas lhe aconselharam a ter cautela. “Um deles disse que eu estava colocando várias pessoas em risco e que várias pessoas seriam demitidas. Chegaram a falar que um dos sócios da empresa fez uma lista com todos os funcionários que seriam demitidos. Era uma forma de terrorismo, e eu não queria prejudicar ninguém”, afirma.

Em um dos áudios anexados ao processo, uma pessoa próxima da diretoria disse que os sócios ficaram surpresos com a denúncia e concluíram que deveriam demitir os funcionários mais jovens, que estariam contribuindo para um “ambiente de fofoca” na empresa. As pessoas acabaram não sendo demitidas, mas criou-se um clima de medo.

Três meses depois do pedido de demissão, Torres pediu para a secretária do CEO da Brasil Paralelo, Henrique Viana, uma reunião para contar para ele o que havia passado, mas não teve resposta. Ela tentou procurar também o seu ex-chefe direto e chegou a enviar um áudio contando, mas não recebeu resposta.

Torres soube que Freire só foi demitido em agosto de 2022 — dez meses após o seu pedido de demissão –, depois que outra funcionária da Brasil Paralelo conseguiu gravar declarações insinuantes de Freire e teria mostrado os áudios para os donos da empresa.

Torres diz que hoje não vê mais documentários da Brasil Paralelo e não acredita mais nos ideais da empresa. Ela conta que demorou para tomar providências por medo de ser prejudicada pela grande influência de Freire. No ano passado, ela gravou um vídeo no Instagram falando da sua história, mas recebeu uma onda de ódio por parte dos seguidores de Freire e fechou a conta. “Disseram coisas horríveis, que ele jamais iria querer me comer, que não é bom contratar mulher, me ameaçaram. Foi horrível”, diz.

“Estou disposta a ir até o final, mesmo com toda a influência dele, porque sei que é importante. É muito triste ser vítima e se tornar responsável, mas mesmo sem querer estar nessa posição eu me tornei responsável. Não posso deixar que continue essa injustiça.”

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As violências vividas pela psicóloga Nádia Bisch*, de 36 anos, pela advogada Rosa, de 35 anos, e por mais de 70 mil brasileiras diversas (em 2023) estão descritas na Lei Maria da Penha. Elas passaram por ameaças, constrangimentos, humilhações, manipulações, isolamento, vigilância constante, perseguições, insultos, chantagens, violações da intimidade, ridicularizações, explorações e limitações do direito de ir e vir.

Quando encontram forças para denunciar, as vítimas de violência precisam compartilhar dores e intimidades com profissionais de saúde e de segurança. Tecnicamente preparados e baseados no compromisso ético de ajudar a pôr fim no ciclo de violência, esses profissionais se transformam em peças decisivas. O contrário, infelizmente, também é verdadeiro. A depender da qualidade ou omissões ao longo da oferta dos serviços, o resultado pode ser o prolongamento da vítima no ciclo de dor.

Esta reportagem explora as dificuldades enfrentadas por mulheres vítimas de violência doméstica a partir do momento em que decidiram utilizar a seu favor os diagnósticos psicológicos já identificados ao longo de suas sessões de terapia. Apesar de o relatório ser um direito da vítima submetida ao acompanhamento terapêutico, alguns profissionais se negam a emiti-lo, seja por desconhecer o direito da paciente ou por uma interpretação limitada do chamado 'sigilo profissional'.

Como se prova violência psicológica?

Nádia viveu um relacionamento abusivo, foi vítima de tentativa de feminicídio e de situações vexatórias com a polícia e as equipes de saúde – e ainda coube a ela reunir provas. Para a violência física, ela tinha marcas, fotos e exames, mas como demonstrar a violência psicológica?

Na tentativa de provar as violências não visíveis, Nádia recorreu à profissional que, desde o princípio, a ajudou a identificar agressões. Pediu para a sua psicóloga escrever um relatório com avaliações clínicas sobre seu estado psicológico durante o relacionamento. O intuito era juntar o documento ao processo e somar à denúncia.

A profissional recebeu o pedido com medo e apreensão, e disse que buscaria orientação. A psicóloga informou ainda que teria sido instruída a ser 'imparcial'. "Ela não poderia dar informações específicas ou afirmar que eu sofria violência porque não ouviu o lado do meu agressor", conta Nádia.

Nádia começou a terapia em 2018, após a primeira agressão do parceiro, Thiago. "O ciclo era muito rápido: ele prometia, se arrependia e eu acreditava, até que eu já não me reconhecia mais." O relacionamento chegou ao fim em 2019, quando ela pediu uma medida protetiva de urgência. Em novembro, Thiago foi preso durante a Operação Marias, de combate a crimes de violência doméstica, no Rio Grande do Sul, mas ficou só um dia em cárcere.

Na semana seguinte, ele tentou matar Nádia. Ela foi a uma festa, com uma amiga, e ele fez uma emboscada. Apareceu na frente da casa dela e a prendeu no carro. "Eu lutei durante uma hora, mais ou menos, até um rapaz ver as minhas pernas para fora do veículo e me ajudar", relembra.

Após o crime, a Polícia Militar encaminhou Nádia ao hospital. Ela estava cuspindo sangue, porque foi asfixiada, e com fratura nos joelhos, mas saiu do consultório com uma receita de dipirona. Acompanhada de dois militares homens e um escrivão pouco receptivo, Nádia afirmou que só daria seu relato em uma Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher. A investida violenta do ex-companheiro foi registrada como tentativa de feminicídio.

Nádia postou nas redes sociais e, em seguida, mais de 20 mulheres a procuraram dizendo já terem sofrido violências do mesmo homem, que foi preso em fevereiro de 2020. Em agosto último (2024), ele foi condenado a 13 anos de prisão pela tentativa de feminicídio contra Nádia.

Psicologia clínica: compromisso vai além do consultório

O relato de uma vítima de violência doméstica tem valor probatório em processos judiciais, isso significa que é relevante e tem capacidade de influenciar a decisão do juiz. Na prática, muitas vezes, não é isso que ocorre. Após denunciar, cabe à mulher provar que está dizendo a verdade. Nisso, o relatório psicológico pode ser um grande aliado para reiterar a denúncia.

"Instrumentos como relatórios e laudos têm papel crucial na concretização de elementos que, por vezes, não são visíveis, mas que não deixam de caracterizar uma violência, como a psicológica, que, por apresentar aspectos de caráter subjetivo, é constantemente negligenciada", diz Thalita Queiroz, analista da Provisão de Serviços no Mapa do Acolhimento, uma organização com advogadas e psicólogas voluntárias que ajudam mulheres sobreviventes de violência.

Segundo a conselheira Clarissa Guedes, do Conselho Federal de Psicologia (CFP), "uma pessoa que realiza acompanhamento psicológico pode, sempre que quiser, solicitar à psicóloga relatório dos atendimentos realizados." Este documento é obrigação do profissional e um direito do paciente. "Quando a profissional se nega a emitir um documento, que é seu dever, ela está incorrendo em uma falta ética", complementa.

Seja em caso de violência doméstica, ou não, a obtenção do relatório terapêutico está garantido no Código de Ética da Psicologia. "Os envolvidos no processo possuem o direito de receber informações sobre os objetivos e resultados do serviço prestado", diz o código.

Cenário sem proteção

Todas as formas de violências cresceram no Brasil no último ano, conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024. A violência psicológica, em especial, teve um salto de 33,8% em 2023. Acrescentada à Lei Maria da Penha em 2021, esse tipo de violência se estabelece em uma relação de poder desigual, "que aparece de forma sútil e difícil de detectar", explica Darlane Andrade, psicóloga, docente no Departamento de Estudos de Gênero e Feminismo da Universidade Federal da Bahia e pesquisadora do Neim (Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher).

Quando fraturamos um osso do pé, somos encaminhados ao médico ortopedista. Quando sentimos incômodo nos olhos, ao oftalmologista. Agora, se apresentamos adoecimento psíquico, o psicólogo é o profissional capaz de utilizar métodos e técnicas para realizar o diagnóstico psicológico.

Dificilmente um relacionamento abusivo não causará danos psicológicos. Não à toa, a psicologia clínica, ou terapia, é um recurso amplamente indicado para auxiliar mulheres a identificar, lidar e romper ciclos violentos. É preciso haver confiança entre psicólogo e paciente. "A violência psicológica não vai deixar marcas no corpo, mas acontece de modo sobreposto, acompanhada da violência moral, patrimonial, até chegar na física e, no ápice, ao feminicídio", aponta Darlane.

A expectativa do 'Vamos Juntas'

A advogada Rosa, que citamos no início desta reportagem, buscou terapia após ser acusada de alienação parental pelo ex-companheiro. "Procurei uma psicóloga achando que eu era, realmente, uma alienadora. Acreditando em tudo que o discurso e violência processual me fez acreditar". Ela e o ex-parceiro se conheciam havia pouco tempo. Quando chegou a notícia da gravidez, Rosa sugeriu que ele mudasse para o apartamento dela.

Com o passar dos dias, Rosa foi vítima de inúmeras violências. "Percebi que precisava terminar ao fugir dele dentro da minha própria casa. Daí até o término, foi um grande processo de fortalecimento com a terapia", relembra. Rosa também foi vítima de violência física.

Mesmo após o fim do relacionamento, Rosa acreditava que seria possível estabelecer uma relação de parceria com o pai da filha. Tudo mudou quando ele tentou jogar uma chaleira de água quente nela. Depois disso, o agressor fugiu levando as chaves. "Tive que substituir as fechaduras da minha porta, mas não tinha como trocar as das áreas sociais do prédio. Várias vezes eu saía e ele estava do lado de fora parado." Rosa sentia muito medo de transitar no prédio e no bairro. Então, pediu uma medida protetiva.

Dias após ser notificado pela Justiça, o agressor acusou Rosa de alienação parental. Orientada pela advogada, ela recorreu à sua rede de apoio, a fim de provar que foi vítima de violência doméstica e que temia pela sua vida e da filha. Pediu à sua psicóloga, que a acompanhava há anos, para escrever um relatório psicológico.

"Foi tudo muito difícil. A minha psicóloga ficou com medo. Eu realmente esperava que ela me desse aquela força do 'vamos juntas'." Rosa conta que precisou insistir várias vezes com a profissional e usar o espaço da consulta para construir o documento em conjunto. "Eu só precisava que ela explicasse como eu reagia psicologicamente àquele relacionamento e como aquilo me afetava."

Rosa acumulava boletins de ocorrência e medidas protetivas arquivadas por falta de provas. Após o relatório psicológico anexado ao processo, uma ação penal contra o agressor foi finalmente iniciada.

Não há quebra de sigilo nesses casos

Uma usuária do PenhaS – aplicativo de informação e acolhimento a vítimas de violência, do Instituto AzMina – relatou ter constatado ao longo das sessões de terapia que havia sido vítima de violência psicológica enquanto esteve casada. A defesa da usuária em processo baseado na Lei Maria da Penha pediu para a profissional um relatório contendo o diagnóstico A profissional negou sob a alegação de quebra de sigilo profissional.

"O sigilo é quebrado quando você expõe situações íntimas da paciente. Para produzir um relatório você pode contar os métodos utilizados em sessão sem fazer nenhuma exposição", esclarece Clarissa, conselheira do CFP.

Além disso, existem diferenças técnicas entre um psicólogo clínico e um perito. O primeiro acompanha a vítima e, eventualmente, se solicitado, pode elaborar um relatório sobre as demandas trabalhadas em clínica. Já o perito, ou assistente técnico, atua em processos judiciais emitindo laudos psicológicos para auxiliar a justiça a tomar decisões. Ele é contratado para essa finalidade e não conhece os envolvidos.

Relatório deve descrever demandas, sinais e sintomas

Uma psicóloga clínica tem condições técnicas de identificar que uma pessoa atendida está em situação de violência. Clarissa explica que, ao produzir um relatório psicológico, a profissional pode descrever as demandas trabalhadas no processo terapêutico, os sinais e sintomas identificados, tendo em mente que o documento emitido deve possuir fundamentação técnica e científica e ser coerente à natureza do trabalho desenvolvido.

"A psicóloga só pode se referir às questões da pessoa atendida, devendo evitar conclusões taxativas sobre o suposto autor da violência, considerando que seu trabalho é clínico e não de perícia", informa Clarissa, representante do CFP.

As mulheres podem, inclusive, procurar os conselhos regionais de psicologia (CRP) em suas cidades para buscar ajuda e tirar dúvidas. O CFP estabeleceu em 2020 normas de exercício profissional da psicologia em relação às violências de gênero e possui uma resolução com orientações para elaboração de documentos escritos produzidos pela psicóloga.

O Conselho Federal e os Regionais espalhados pelo Brasil são entidades fundamentais na criação de diretrizes para um atendimento humanizado com mulheres vítimas de violência doméstica, além de possuírem canais importantes para orientação e denúncia de má atuação profissional.

É tarefa da psicologia (e seus profissionais) identificar a violência psicológica, ler o fenômeno do adoecimento psíquico, inclusive, como consequência da violência doméstica. "Se não fazemos isso, estaremos cometendo também uma violência institucional, colaborando para a situação violenta continuar na vida da mulher", conclui Darlane, pesquisadora do Neim/ UFBA.

Conheça alguns lugares onde buscar ajuda terapêutica:

Mapa do Acolhimento: https://www.mapadoacolhimento.org/

Não era amor: https://naoeramor.com.br/

Coletivo Feminista de Sexualidade e Saúde: https://www.instagram.com/p/DAlvteBv4Sd/

*Nádia K. Bisch, uma das entrevistadas desta reportagem, também é psicóloga e doutora em Ciências da Saúde e Fundadora e Coordenadora do Lótus - um Núcleo de Estudos, Capacitação e Psicoterapia sobre Violência e Preconceito. Hoje, foca seu trabalho em ajudar mulheres que passam por situações semelhantes à que viveu.

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Cinco fazendeiros, uma empresa de logística e uma construtora são responsáveis por quase metade da devastação em Corumbá (MS), o segundo município mais incendiado do Brasil em 2024. O valor das multas aplicadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) aos responsáveis chega perto de R$ 220 milhões.

Ademir Aparecido de Jesus, cujo nome está vinculado à fazenda Vitória, e o advogado e proprietário de terras Luiz Gustavo Battaglin Maciel, da fazenda Astúrias, receberam multas no valor de R$ 50 milhões cada, conforme noticiou o Brasil de Fato. Eles foram considerados responsáveis por um incêndio que devastou uma área de 339 mil hectares – duas vezes o tamanho da cidade de São Paulo – em setembro. O fogo atingiu outras 135 propriedades rurais, de acordo com o Ibama.

Além deles, outras multas em valores menores – mas ainda milionários – foram aplicadas para Armando Pereira Ferreira (R$ 10.630.500 milhões), Dendry Nery Oliveira Azambuja (R$ 1.057.500 milhões) e Felizardo do Carmo Filho (R$ 1.012.500 milhões). No sistema de autuações do Ibama, os nomes deles estão vinculados às fazendas Nossa Senhora de Fátima, Nixinica e Mamoeiro, respectivamente. Juntos, os cinco autuados pelo Ibama são responsáveis pelo incêndio em uma área de aproximadamente 360 mil hectares.

Corumbá é responsável pela metade dos incêndios no Pantanal, liderando a lista dos municípios que mais devastaram o bioma. Foram, até setembro, 741 mil hectares incendiados. Em todo o Pantanal, a área consumida em 2024 chegou a quase 1,5 milhões de hectares.

O município é o maior do bioma e um dos mais extensos do Brasil. Com a economia centrada na pecuária, tem o segundo maior rebanho bovino do país. O primeiro está em São Félix do Xingu (PA), que ficou em primeiro lugar entre os mais incendiados do Brasil em 2024.

De acordo com um levantamento do Ibama, os outros municípios que mais tiveram focos de incêndio no bioma são Cáceres (MT), Barão do Melgaço (MT), Aquidauana (MS) e Poconé (MT), onde outro fazendeiro recebeu uma multa de R$ 50 milhões. Marcelo Pereira Alves é apontado como o responsável por um incêndio que consumiu 7,5 mil hectares de vegetação nativa no Pantanal, na fazenda Cambarizinho I, no município matogrossense.

Gigante da logística acumula multas

Outras duas multas no valor de R$ 50 milhões foram aplicadas para as empresas Rumo Malho Oeste SA e Trill Construtora LTDA, ambas vinculadas a um incêndio que consumiu quase 18 mil hectares do Pantanal, em Corumbá, no mês de agosto.

De acordo com informações da Repórter Brasil, as chamas tiveram início a partir de uma faísca durante a manutenção de trilhos da empresa do grupo Rumo, maior administrador de ferrovias do Brasil. A empresa é responsável por 24% do volume de grãos exportados pelo país e opera 14 mil quilômetros de malha ferroviária.

Além dos R$ 50 milhões, a Rumo foi autuada no valor de R$ 7 milhões pelo descumprimento das condicionantes do licenciamento para operar na região, atendendo os ramos de commodities agrícolas, combustíveis e minérios, entre outros produtos.

Em 2023, a Rumo Malha Oeste foi multada em R$ 15,5 milhões por lançar resíduos de madeira e trilhos no córrego Piraputanga, em Corumbá. Os processos referentes às multas estão em trâmite na justiça.

A empresa Trill, responsável pela manutenção dos trilhos, também foi multada em R$ 50 milhões pelo incêndio no Pantanal.

Fogo chegou à aldeia

No dia 14 de setembro, quando o Brasil de Fato publicou uma reportagem sobre os incêndios no entorno da aldeia Barra do São Lourenço, do povo Guató, as chamas avançavam pela mata ao redor território. Agora, já chegaram perto das casas. "O fogo já adentrou o nosso território e já começou a cercar a nossa aldeia. Muito terrível", lamenta o cacique Negré, em áudio enviado pelo Whatsapp no dia 16 de outubro.

A aldeia é morada de 30 famílias indígenas, que vivem da pesca e do plantio de milho, abóbora, batata e outros alimentos. Com a seca intensa, os agricultores não têm conseguido manter as lavouras que garantem o sustento. "A mandioca a gente tá conseguindo ainda, está plantando na praia, né? Um pouco de mandioca", conta o cacique.

A praia, na beira do rio Paraguaia, onde fica a aldeia, ficou tomada pela fumaça que vem da mata. "Não dá pra ver nada, muita fumaça. Tô muito preocupado."

De acordo com um levantamento publicado pelo Mapbiomas, o Pantanal é o bioma que mais secou nos últimos 39 anos.

Edição: Nicolau Soares

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Mujica, conhecido por seu estilo de vida simples e ideias progressistas, falou com um tom de despedida e esperança sobre as lutas do povo. Aos 89 anos e enfrentando um tumor no esôfago, ele pediu mais atenção à educação e à juventude ao se afastar da vida política.

Pepe discursou em um comício do candidato de esquerda Yamandú Orsi neste sábado (19), na Praça 1º de Maio, em Montevideú.

  • Confira o discurso de Mujica:

Um minuto de coração, não da garganta.

É a primeira vez nos últimos 40 anos, que não participo de uma campanha eleitoral. E eu faço isso porque estou lutando contra a morte. Porque estou no final da partida, absolutamente convencido e consciente.

Mas eu tinha que vir aqui hoje, pelo que vocês simbolizam. [...] Então, sou um velho, sou um velho que está muito, muito perto de onde não se volta. Mas eu sou feliz porque vocês estão aqui, porque quando meus braços se forem, haverá milhares de braços substituindo-os na luta, E toda a minha vida eu disse que os melhores líderes são aqueles que saem de uma equipe que os supera com vantagem.

E hoje estão vocês, está Yamandu, está Pacha. Há milhares e outros que esperam e outros braços jovens, porque a luta continua por um mundo melhor. Eu gastei minha juventude, minha vida junto de minha companheira, que estou vivo por causa dela e dessa outra mulher, que é minha médica, senão eu já teria partido.

Eu tenho que vir agradecê-los de coração. Os mais jovens vão viver uma mudança no mundo que a humanidade não conheceu. A inteligência será tão importante quanto o capital, o que significa que a formação terciária irá se impor para as novas gerações.

Se não somos capazes como país de educar e de formar a geração que vem, vamos pertencer ao mundo dos irrelevantes, dos que não servem para que os explorem.

Este é o maior desafio do país. Por isso apoio Yamandu, porque é preciso um governo que abra o coração e a cabeça como país inteiro. Não é poético o que eu digo, alguém tem que dizer, que seja um velho.

Não ao ódio!

Não à confrontação!

É preciso trabalhar pela esperança!

Até sempre! Dou meu coração a vocês. Muito obrigado. Tenho que agradecer à vida, porque quando esses braços se forem, haverá milhões de braços. Obrigado por existirem. Até sempre.

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O Presidente Lula teve um acidente doméstico em Brasília e se machucou na cabeça.

De acordo com o boletim médico do Hospital Sírio Libanês de Brasília, Lula chegou ao hospital com um corte na nuca, que foi classificado como ferimento corto-contuso na parte de trás da cabeça.

Por recomendação médica, ele cancelou a viagem que faria à Rússia neste domingo (20).

Na Rússia, Lula participaria presencialmente, na próxima semana, da 16ª Cúpula do Brics, que acontece em Kazan, entre os dias 22 e 24 de outubro. No entanto, ele continuará com sua agenda de trabalho normal e participará da cúpula por videoconferência.

Ler mais em: Brasil de Fato

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Texto que escrevi pra um coletivo, para o aniversario de morte de Jean-Jacques #Dessalines: @bunkerdaesquerda

Jean-Jacques Dessalines foi um líder revolucionário haitiano cuja luta representa a essência da resistência radical contra a opressão. Ao declarar a independência do Haiti em 1804, ele não apenas rompeu com o colonialismo francês, mas também desafiou o sistema global de escravidão e desigualdade. O Haiti se tornou a primeira nação negra livre, liderada por ex-escravos que conquistaram sua liberdade à força, entendendo que a verdadeira independência exigia a destruição completa das estruturas coloniais.

Dessalines rejeitou qualquer forma de autoridade imposta e compreendeu que a revolução deve ser completa, sem poupar os opressores. Ele comandou a execução de antigos colonizadores e traidores, ciente de que uma revolução incompleta seria condenada ao fracasso. Sua luta é um chamado para a destruição das bases da exploração e do racismo, que ainda persistem em muitos lugares.

Seu legado nos lembra que a libertação não pode ser conquistada por meio da benevolência de autoridades, mas sim por ação direta e sem concessões. Assim como o povo haitiano destruiu as plantações coloniais, é necessário combater as estruturas de opressão que ainda sustentam o capitalismo, o racismo institucional e o patriarcado.

Dessalines nos ensina que a verdadeira liberdade não pode coexistir com sistemas opressivos. Sua revolução foi um marco na história global e continua a inspirar a luta contra todas as formas de dominação, seja no Haiti, no Brasil ou em qualquer outra parte do mundo.

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IDEOLOGIA DE GÊNERO - WEBCOMUNISTAS COM LAURA SABINO E IAN NEVES - 15/10/24 @bunkerdaesquerda

https://youtube.com/watch?v=0vyxvR87pM4

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