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Nas eleições de maior comparecimento em 40 anos na França, a coalizão do presidente Emmanuel Macron foi a grande derrotada, ficando em terceiro lugar, atrás da Reunião Nacional de extrema-direita, que repetiu seu desempenho da eleição ao parlamento europeu, e atrás da recém constituída Nova Frente Popular, em segundo lugar e que unifica comunistas, socialistas, insubmissos e verdes, com o país indo no próximo dia 7 de julho ao segundo turno.

De acordo com pesquisas de boca de urna feitas pelos institutos Ifop, Ipsos, OpinionWay e Elable e pela Rádio França, a Reunião Nacional obteve 34% dos votos, segundo pela Nova Frente Popular, com 28%, e em terceiro, Macron e sua turma com 20%. A direita tradicional, Os Republicanos, obteve 10%.

No sistema eleitoral francês, só é eleito no primeiro turno o deputado que obtiver 50% mais um dos votos em cada região, e vão para o segundo turno aqueles que obtiveram pelo menos 12,5%. Assim, segundo as agências de notícias, das 577 cadeiras só estavam eleitos 76 (39 da RN, 32 da NFP e 2 pró-Macron). Em 165 distritos eleitorais, haverá pelo menos três candidatos e em 3, quatro.

O ex-candidato a presidente francês pelo França Insubmissa, o principal partido da Nova Frente Popular, Jean-Luc Mélenchon, assinalou que a votação “infligiu uma derrota pesada e indiscutível ao presidente [Macron]” e convocou a deter a ascensão da extrema-direita.

“A formação da Nova Frente Popular em apenas vinte e quatro horas, as suas candidaturas conjuntas do primeiro turno, o seu programa compartilhado e hoje o salto na participação frustraram a armadilha” da dissolução do parlamento, disse o líder oposicionista.

Armadilha que – apontou – pretendia colocar os franceses diante da “escolha sufocante de ou ele ou a RN”.

A escolha, ele previu, será sobretudo um duelo entre “a Nova Frente Popular ou a RN”. Em caso de triangular [quando são três na disputa], e caso um candidato de esquerda fique em terceiro e o candidato da RN seja o primeiro, “retiraremos a nossa candidatura, onde quer que seja, em todas as circunstâncias”, exortou.

“Nem um voto, nem mais uma cadeira para a RN”, apelou. “Nossas instruções são claras, nossas instruções são simples.”

Mélenchon chamou “cada um e todos a tomarem uma posição, envolver-se e convencer aqueles que os rodeiam. A República está em jogo. É sobre a ideia que temos de viver juntos”.

Depois de lançar a França nessa sinuca com a antecipação das eleições legislativas – que normalmente seriam realizadas em 2027, junto com as presidenciais -, agora até Macron se lembrou de que é preciso “defender o republicanismo”, unir as “forças republicanas e democráticas”, e marotamente está chamando a apoiar o “centro” para poder deter a Reunião Nacional.

Ao mesmo tempo, círculos do macronismo dizem que isso não vale quando o candidato for da França Insubmissa – isto é, querendo que a frente popular sirva de biombo para o continuísmo, como disse explicitamente o ex-primeiro-ministro Edouard Philippe.

Empulhação rechaçada pelo coordenador da França Insubmissa, Manuel Bompard, que considerou “inadmissível” tal veto e a cínica equiparação da LFI à RN.

Para Bompard, “duas forças (…) se opõem e (…) estão em posição, dentro de poucos dias, de governar o país” . “Ou os franceses deixaram o país afundar ainda mais no racismo, na rejeição, no ódio aos outros e numa política econômica, em última análise, muito próxima daquela que foi posta em prática por Emmanuel Macron. Ou pelo contrário, os franceses, na próxima semana, abrem a possibilidade de abrir uma nova esperança para uma nova página na história deste país”.

“Ou é a rejeição do outro que vence, ou é a esperança de um mundo e de uma França onde vivamos melhor na unidade do país”, sublinhou.

Para que a Reunião Nacional possa indicar o primeiro-ministro e pela primeira vez se torne governo, precisará, com os aliados, de 288 votos. Ao comemorar o resultado, Marine Le Pen, responsável por repaginar a então Frente Nacional e filha do líder histórico da extrema direita, asseverou que “a alternância está chegando”.

No sistema político francês semipresidencialista, a coalizão que obtiver mais votos nas eleições legislativas indica o primeiro-ministro, que cuida dos assuntos internos. Assim, como ocorreu em 1997, poderá ocorrer um assim chamado governo de coabitação, em que o presidente do país é de um partido, e o primeiro-ministro é de oposição.

Parte de Os Republicanos (LR, na sigla em francês), a direita tradicional, já marchou junto com a RN neste primeiro turno. A direção da LR já disse que não apoiará ninguém onde não tiver candidato, liberando seus eleitores.

O atual primeiro-ministro de Macron, Gabriel Attal, também conclamou à “frente republicana já” e sugeriu que os candidatos macronistas na terceira posição retirem sua candidatura para evitar a eleição de um deputado da RN. E para adoçar a boca da oposição progressista anunciou que irá retirar o projeto de lei que piora os termos em vigor do seguro-desemprego.

Até aqui, era uma tradição das forças democráticas e republicanas francesas, da direita gaulista até os comunistas, não compactuar com a “normalização” da extrema-direita, então Frente Nacional, notória pelo racismo e xenofobia e com raiz no colaboracionismo com a ocupação hitlerista da França na II Guerra.

Com o Tratado de Maastrich e a constituição da União Europeia, a Frente Popular passou a se apresentar como um partido eurocéptico, crítico ao que chamava de redução da soberania francesa. Sob a batuta de Marine desde 2011, escamoteou o racismo e a xenofobia e até mudou de nome, para Reunião Nacional. Jordan Bardella, de 28 anos, candidato da RN a primeiro-ministro e cabeça da disputa no parlamento europeu, já é a terceira geração dessa reciclagem, exibindo um ar mais civilizado. Na contramão, por exemplo, do que a extrema-direita fez na Argentina, com os arreganhos de Javier Millei. Mas que continua fazendo imigrantes e árabes de bodes expiatórios.

Aliás, o aumento do espaço da Reunião Nacional não se deu ao acaso. Sucessivos governos dos socialistas ou da direita tradicional se revezaram cortando direitos dos trabalhadores e os gastos sociais, para salvar os bancos na crise que atingiu a União Europeia em 2011.

Já a questão da imigração alcançou a dimensão atual devido à legião de refugiados econômicos das ex-colônias africanas que foram empurrados para os botes sob o austericídio do FMI e dos refugiados das guerras dos EUA/Otan na Síria e na Líbia.

O MAIS EXPLÍCITO PORTA-VOZ

Mas, para barrar a extrema-direita não se pode perder de vista que a população, em duas eleições seguidas, votou contra Macron e o que ele representa.

A submissão a Washington e às sanções contra a Rússia, o endosso à guerra de expansão da Otan até fronteira com a Rússia, a insensatez de pretender enfiar botas francesas no terreno na Ucrânia, a carestia decorrente das sanções, a estagnação econômica e o corte de direitos sociais e trabalhistas, como o aumento da idade para aposentadoria para 64 anos, sequer sem votar na Assembleia Nacional.

Em última instância, a questão em jogo nessa eleição francesa é se a escalada da guerra na Europa e, portanto, da submissão aos EUA e à Otan irá prevalecer, ou não. E deter o fascismo não se coaduna com dar mole para a principal ameaça de crescimento do fascismo na Europa, que é exatamente essa escalada e o apoio ao regime fascista de Kiev. De que Macron tem sido o mais explícito porta-voz na França e no continente europeu.

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