Perdi a conta de quantas vezes, nos últimos dois anos, ouvi que algum projeto de lei para regular plataformas digitais estava próximo de ir pra votação no Congresso, de que o tema estava "🔥 quente".
Mas todas as vezes em que um avanço no marco regulatório de redes sociais ganhava alguma força na Câmara, ele virava pó logo depois. Ao que tudo indica, o projeto de lei no Senado para regular inteligência artificial vai seguir o mesmo caminho, com seus sucessivos adiamentos de tramitação.
Isso se deve três motivos principais. O primeiro é a fraqueza da articulação política do governo Lula, que tem interesse nesses tipos de regulações, mas que certamente quer gastar a pouca munição que tem com o Congresso em busca do avanço de pautas econômicas prioritárias.
O segundo é a contínua e incessante polarização de ideias no debate político, no qual é quase impossível haver o mínimo de consenso sobre qualquer coisa no Congresso, quanto mais de algo que pode tirar lasca do discurso público.
Tais motivos me levaram, em mar.2024, a escrever uma análise sobre como o governo e o Congresso entregaram a regulação de redes sociais para o Judiciário.
Agora vejo que o buraco é muito mais fundo do que esse, o que me leva ao terceiro motivo: as Big Techs ganharam essa batalha – ao menos por enquanto.
Porque, no fim do dia, o ruído gerado pelos dois primeiros motivos só engrossa o caldo da vitória do lobby de algumas das maiores companhias do mundo.
A briga não foi vencida por acaso, ela veio montada no lombo de um lobby implacável patrocinado pelas Big Techs – especialmente Google e Meta, mas também de muitas outras empresas.
Esse lobby toma muitas formas e nomes diferentes, como o chamado Conselho Digital (antigo Instituto Cidadania Digital bancado pelas maiores empresas de tecnologia que você imaginar), Câmara Brasileira de Economia Digital e Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia, entre outras.
Também veio na forma da contratação (é sério) do ex-presidente Michel Temer (aka compra de acesso político) pelo Google há cerca de um ano, e na aproximação das Big Techs com deputados no espectro da direita política.
Isso tudo está bem documentado, aqui (via Intercept), aqui (via Agência Pública), aqui (via O Globo), aqui (via UOL), aqui (via Folha), entre muitas outras reportagens.
É muito difícil para a sociedade civil, tenazmente representada pelo trabalho das organizações da Coalizão Direitos na Rede e outras entidades, remar contra a corrente de dinheiro que as Big Tech jorram diariamente em Brasília, com direto a programa de "lobby por assinatura".
E assim a regulação de plataformas, seja para redes sociais, para IA ou para remuneração do jornalismo, vai lentamente ficando à deriva no oceano de marasmo parlamentar, onde se tem muito mais a ganhar com inação do que em avançar pautas de interesse da sociedade.