A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco (PT), rompeu na noite desta sexta-feira (6) o silêncio sobre as acusações de assédio contra o agora ex-ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida. Em nota divulgada nas suas redes sociais, Anielle afirma que vai colaborar com as apurações "sempre que acionada", mas pede respeito ao seu "direito à privacidade".
Almeida foi demitido nesta sexta-feira após denúncias de assédio sexual contra mulheres – que se mantiveram anônimas – publicadas no portal Metrópoles e no jornal Folha de S.Paulo nesta quinta-feira (5). Ele publicou uma nota afirmando que pediu para ser demitido "a fim de conceder liberdade e isenção às apurações, que deverão ser realizadas com o rigor necessário e que possam respaldar e acolher toda e qualquer vítima de violência".
Antes da demissão, o ex-ministro sustentou que as acusações são infundadas e que não há "materialidade" nas denúncias.
O nome de Anielle foi apresentado como uma das vítimas ao longo dos últimos dois dias em diversos veículos de imprensa. A própria ministra, no entanto, não confirmou nem negou ser uma das vítimas. No texto divulgado hoje, ela destacou as dificuldades do espaço que ocupa. "Eu conheço na pele os desafios de acessar e permanecer em um espaço de poder para construir um país mais justo e menos desigual", diz a nota.
Ela também reconhece a ação do governo e agradeceu as manifestações de solidariedade. "Não é aceitável relativizar ou diminuir episódios de violência. Reconhecer a gravidade dessa prática e agir imediatamente é o procedimento correto, por isso ressalto a ação contundente do presidente Lula". Confira ao fim do texto a manifestação completa da ministra.
O Instituto Marielle Franco, do qual Anielle é cofundadora, também se manifestou na noite desta sexta. Em nota, a instituição diz ter recebido com "consternação" as denúncias de assédio de Silvio Almeida contra Anielle e outras mulheres.
"Identificamos que o assédio atravessa a vida política de ativistas, candidatas, eleitas e aquelas no exercício da função pública há gerações, ameaçando o pleno exercício de seus direitos políticos", continua o texto, ressaltando a violência política de gênero existente no país.
A nota também demanda uma investigação ágil. "Por isso, exigimos uma apuração célere, transparente, justa e completa sobre todas as denúncias e que se avance na respectiva responsabilização, entendendo que a prática de violência política de gênero e raça fragiliza profundamente a democracia. Reforçamos que a palavra da vítima não deve ser descreditada, já que possui importante valor de prova." Leia o documento completo aqui.
Leia a nota da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco:
Hoje eu venho aqui como mulher negra mãe de meninas, filha, irmã, além de Ministra de Estado da Igualdade Racial.
Eu conheço na pele os desafios de acessar e permanecer em um espaço de poder para construir um país mais justo e menos desigual.
Desde 2018, dedico minha vida para que todas as mulheres e pessoas negras possam estar em qualquer lugar sem serem interrompidas.
Não é aceitável relativizar ou diminuir episódios de violência. Reconhecer a gravidade dessa prática e agir imediatamente é o procedimento correto, por isso ressalto a ação contundente do presidente Lula e agradeço a todas as manifestações de apoio e solidariedade que recebi.
Tentativas de culpabilizar, desqualificar, constranger, ou pressionar vítimas a falar em momentos de dor e vulnerabilidade também não cabem, pois só alimentam o ciclo de violência.
Peço que respeitem meu espaço e meu direito à privacidade. Contribuirei com as apurações, sempre que acionada.
Sabemos o quanto mulheres e meninas sofrem todos os dias com assédios em seus trabalhos, nos transportes, nas escolas dentro de casa. E posso afirmar até aqui, que o enfrentamento a toda e qualquer prática de violência é um compromisso permanente deste governo.
Sigo firme nos passos que me trouxeram até aqui, confiante nos valores que me movem e na minha missão de trabalhar por um Brasil justo e seguro pra todas as pessoas.
Leia a nota de Silvio Almeida após a demissão:
Nesta sexta-feira (6), em conversa com o Presidente Lula, pedi para que ele me demitisse a fim de conceder liberdade e isenção às apurações, que deverão ser realizadas com o rigor necessário e que possam respaldar e acolher toda e qualquer vítima de violência. Será uma oportunidade para que eu prove a minha inocência e me reconstrua.
Ao longo de 1 ano e 8 meses à frente do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, reconstruímos a política de direitos humanos no Brasil. Acumulamos vitórias e conquistas durante essa jornada que jamais serão apagadas.
A luta histórica do povo brasileiro e sua libertação são maiores que as aspirações e necessidades individuais. As conquistas civilizatórias percebidas pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) correm risco de erosão imediata, o que me obriga a ir ao encontro das lutas pelas quais dediquei minha vida inteira.
Não colocarei em risco o progresso alcançado em defesa do povo invisibilizado, vítima de um massacre ininterrupto, pobre, favelado e à margem do processo civilizatório. A segurança e proteção da mulher, sua emancipação e a valorização das suas subjetividades são a força motriz e a potência reformadora e proeminente que o país precisa.
É preciso combater a violência sexual fortalecendo estratégias compromissadas com um amplo espectro de proteção às vítimas. Critérios de averiguação, meios e modos de apurações transparentes, submetidos a controle social e com efetiva participação do sistema de justiça serão a chave para efetivar políticas de proteção à violência estimulada por padrões heteronormativos.
Em razão da minha luta e dos compromissos que permeiam minha trajetória, declaro que incentivarei indistintamente a realização de criteriosas investigações. Os esforços empreendidos para que tenhamos um país mais justo e igualitário são frutos de lutas coletivas e não podem sucumbir a desejos individuais.
Sou o maior interessado em provar a minha inocência. Que os fatos sejam postos para que eu possa me defender dentro do processo legal.