Comunismo
Comunidade para discussões em geral relacionadas à teoria e prática marxista. ☭☭☭
Regras da comunidade:
Eles foram banidos dos Jogos Olímpicos por isso. @comunismo
Após ganhar a medalha de ouro e quebrar o recorde mundial da prova de 200m, pela primeira vez batendo a barreira dos 20 segundos, Tommie Smith, e o atleta ganhador da medalha de bronze, John Carlos, fizeram a saudação "Todo Poder ao Povo", do Partido dos Panteras Negras que lutava pela igualdade civil para os negros.
#todopoderaopovo #panterasnegras #marxismoleninismo #olimpiadas
"A gente tem duas coisas que a burguesia nunca vai conseguir tirar da gente: temos a maioria e a certeza de que estamos do lado certo."
Na última semana do mês de setembro de 2024, foi aprovado por unanimidade na Câmara de Vereadores da Cidade Piumhi-MG o PL 48/2023, que cria a Área de Preservação Ambiental (APA) Serras e Águas de Piumhi, garantindo assim a proibição de atividades mineradoras na região do Vale do Araras e na Serra do Andaime, que estavam na mira da Empresa Minérios e Jazidas Minerais FME Ltda, contando com a “simpatia” do Poder Executivo e figuras do Poder Legislativo municipais, além de outros setores das classes dominantes locais. Alguns dias depois, o PL 48/2023 foi sancionado pelo Prefeito da Cidade, transformando o Projeto em Lei, e sacramentando a derrota das intenções da mineradora citada acima.
Essa luta, ao contrário da aparência, não partiu de aparentes “bons” sentimentos dos vereadores e do prefeito da cidade, mas sim de longo e vigoroso trabalho do Movimento Amigos do Araras e Belinha, que conseguiu mobilizar a maioria absoluta da População da cidade Piumhi pela defesa dos bens naturais do município e do principal manancial de abastecimento de água da cidade.
A mobilização da população de Piumhi através do Movimento Amigos do Araras e Belinha atravessou vários meses promovendo marchas, manifestações, abaixo assinado e audiências públicas envolvendo políticos, intelectuais e diversas personalidades da cidade. Em conversa com um correspondente do AND, um dos criadores do Movimento Amigos do Araras e Belinha, Igor Messias, relatou que no início o Movimento era pouco conhecido na cidade, e graças a uma audiência chamada pelo Comitê de Bacia Hidrográfica do Alto São Francisco no Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG – Campus Piumhi) a fim de discutir os potenciais impactos da mineração na cidade, foi possível angariar apoio da vereadora Shirley Elaine Gonçalves (União Brasil) que se comprometeu a criar um Projeto de Lei munido com as informações levantadas pelo Movimento Amigos do Araras e Belinha objetivando criar Área de Preservação Ambiental na região alvo da especulação das mineradoras.
No prosseguimento da luta, segundo Igor Messias, o Movimento Amigos do Araras e Belinha, fizeram um brilhante trabalho de pesquisa ambiental na região onde seria criada a APA, chegando até mesmo a descobrir novas espécies de plantas na flora da região, dando maior peso a necessidade de barrar a ação de mineradoras no local. Por outro lado, o lobby da mineradora FME não dava trégua, concedendo entrevistas nos jornais locais apresentando supostas “benfeitorias” que seriam trazidas para a cidade com a atividade mineradora, buscando deslegitimar as ações do movimento; enquanto isso, buscando enfraquecer o projeto de APA do Movimento Amigos do Araras e Belinha – de olho em também não ficar “queimado” com a população – o Prefeito da Cidade, Dr Paulo Cezar Vaz (PSD), apresentou a proposta de uma APA menor, chamada pela população de “Apinha do prefeito”, que custou aos cofres públicos do município R$ 200.000,00 para ser elaborada, mas sequer recebeu atenção da população ou dos vereadores. Enquanto isso, a população seguia engajada nas mobilizações chamadas pelo Movimento Amigos do Araras e Belinha, lotando as audiências na Câmara de Vereadores voltadas para a discussão do projeto da APA.
O Povo Piumhiense saiu vitorioso nessa luta, mas os integrantes do Movimento Amigos do Araras e Belinha sabem que a mobilização deve prosseguir para garantir a aplicação da Lei de criação da APA Serras e Águas de Piumhi, pois, sabe-se que cedo ou tarde as mineradoras e seus representantes escondidos no meio do povo podem ressurgir com nova ofensiva contra as riquezas naturais da cidade de Piumhi, devendo o povo estar alerta e organizado quando isso vier a acontecer.
Maior marcha militar do mundo, a coluna Prestes, que alguns historiadores dizem que mais apropriadamente deveria ser chamada de coluna Miguel Costa - Prestes, completa 100 anos nesta segunda-feira (28). Com 1.500 homens e mulheres, a maioria soldados de baixa patente, a marcha percorreu cerca de 25 mil quilômetros, em dois anos e meio, passando por vários estados, e jamais chegou a ser oficialmente derrotada.
Apesar de mais conhecida como Coluna Prestes por causa de seu líder mais famoso, Luís Carlos Prestes, o movimento rebelde teve também o comando de Miguel Alberto Crispim Rodrigo da Costa. Argentino naturalizado brasileiro, militar da Força Pública de São Paulo, ficou notabilizado por sua participação na Revolta Paulista de 1924, conflito entre militares de São Paulo e o governo de Artur Bernardes, embrião da coluna. Por isso, muitos nomeiam o famoso movimento como Coluna Miguel Costa – Prestes.
“Se não fosse Miguel Costa, não existiria Luís Carlos Prestes na história, pois foi a coluna Miguel Costa que salvou da fome e do frio os gaúchos de Prestes”, disse o jornalista Yuri Abyaza Costa, autor dos livros Miguel Costa, um herói brasileiro e Marchando com Miguel Costa – ação da Coluna Paulista no Interior de São Paulo, Paraná e a ligação com a Coluna Prestes. Yuri é neto de Miguel Costa.
Yuri Abyaza refere-se ao episódio quando, derrotados na Revolta Paulista pelas forças do governo federal, os revoltosos paulistas juntaram-se aos comandados por Prestes, que liderava o agrupamento no Rio Grande do Sul, que estaria com seu contingente bastante debilitado física e militarmente. A partir daí, iniciou a marcha da famosa coluna, acontecimento mais emblemático do que ficou conhecido como “Tenentismo”.
Se Miguel Costa era o estrategista militar da Coluna, Prestes, por seu lado, é lembrado pelo seu lado mais “humano” junto aos comandados, conforme depoimento do jornalista Domingos Meirelles, ao programa Caminhos da Reportagem, da TV Brasil, exibido em 2015. Meirelles, autor do livro As Noites das Grande Fogueiras, também sobre a Coluna, disse que “Prestes era muito querido pela tropa”.
Segundo o jornalista, “ele usava alguns horários livres para alfabetizar os soldados, ficava sempre ao lado daqueles que eram vítimas de ferimentos graves e com chances remotas de sobreviver”. Meirelles lembrou ainda que, apesar de o principal adversário da Coluna ser o Exército Brasileiro, os maiores inimigos da coluna no dia a dia das batalhas foram os latifundiários, “que armando os seus capangas, incentivados pelo governo, formaram os chamados batalhões patrióticos”. “E aí é que começa realmente a desgraça dos jovens rebeldes. Esses homens do campo é que infernizaram a vida da coluna muito mais do que o Exército Brasileiro”, completou.
Mas o movimento nunca chegou a ser efetivamente derrotado. A coluna Prestes (ou Miguel Costa-Prestes) foi marcada pelo aspecto insurrecional contra o poder das oligarquias das primeiras décadas do século passado, a chamada política do café com leite, quando se revezavam na Presidência da República políticos da São Paulo cafeeira e Minas, grande produtor de leite. Também ficou conhecida pela formação de seus quadros, militares dos escalões inferiores do Exército sendo muitos deles analfabetos ou semiletrados e trabalhadores do campo.
O jornalista e historiador, especializado no período, Moacir Assunção, autor de São Paulo deve ser destruída: a história do bombardeio à capital na revolta de 1924, comentou que “a Coluna tem o lugar que merece (na História do Brasil), foi a maior marcha militar da história do mundo, com 25 mil quilômetros percorridos e a derrota de 11 generais da legalidade pelos rebeldes, permanecendo invicta durante todo o tempo e inspirando revolucionários como Mao Tse Tung e Fidel Castro, que confessam a inspiração de suas marchas na Coluna Miguel Costa-Prestes, além de ter influenciado no fim da chamada vocação agrária do Brasil, que passou a se tornar um país industrial depois da vitória da Revolução de 1930”.
As principais reivindicações da Coluna eram a implementação do voto secreto (contra o chamado “voto de cabresto”, praticado à época quando os chefes da política local controlavam o voto da população local), a defesa do ensino público e a obrigatoriedade do ensino secundário para a população, somando-se as bandeiras do fim da miséria e da injustiça social no país.
“A grande força da coluna foi sua associação com as bandeiras populares que ela defendia, como o direito ao voto universal, o direito à alfabetização, a reforma agrária, o fim da pobreza e ter conseguido transmitir esse ideal de que era preciso trazer o Brasil para os brasileiros”, disse a socióloga, cientista política e escritora Ana Prestes, neta do revolucionário, que se tornou a principal referência do movimento comunista do país e uma das personalidades políticas mais influentes do século passado.
“A Coluna foi formada por homens e mulheres (poucas e resistentes) que amaram o Brasil por dentro e que se conectaram com a população brasileira abandonada pela República Velha”, completou Ana.
Como o movimento nunca foi, de fato, debelado pelo poder oficial sua herança foi ter deixado o governo oligárquico com suas bases enfraquecidas. As críticas manifestadas pelos integrantes da Coluna, ecoadas por outros setores políticos dissidentes da sociedade, foram reforçadas.
E também contribuiu fortemente para a revolução de 1930, ou Revolução de Outubro, ocasião em que os governos rebeldes de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul, deram um golpe de estado tirando o então presidente Washington Luís da presidência da República e impedindo a posse de seu substituto Júlio Prestes. Getúlio Dornelles Vargas, militar e político do Rio Grande do Sul, inaugurando a chamada “era Vargas”, período que foi de 1930 a 1945, sendo que de 1937 a 1945 instalou a ditadura do Estado Novo.
Edição: Aécio Amado
Essa seca é uma alerta sobre os impactos e expansão do agronegócio na destruição ambiental e social do Brasil. Assim como os incêndios que destroem o Cerrado e a Amazônia, a seca que afeta milhões de pessoas não pode ser vista de forma isolada.
Em outubro de 2024, o nível do Rio Negro em Manaus atingiu apenas 12,66 metros, o menor registrado em 122 anos de medições. Esse fenômeno está longe de ser um evento isolado, pois o Solimões e o Madeira, também apresentam níveis críticos. Só no estado do Amazonas, estima-se que cerca de 770 mil pessoas estejam sendo impactadas diretamente pela seca.
Essa seca histórica é resultado do que já pontuamos anteriormente: a degradação dos ecossistemas e intenso período de estiagem devido as mudanças globais, além do desmatamento acelerado e a expansão desenfreada do agronegócio e da mineração.
As comunidades locais, que historicamente mantêm uma relação com o rio, estão sendo forçadas a lidar com a falta de alimentos, transporte e meios de subsistência, enquanto a fauna e a flora enfrentam destruição.
Essa relação destrutiva entre o agronegócio e o meio ambiente já é amplamente conhecida. Desde 1985, cerca de 110 milhões de hectares de áreas naturais foram destruídos para dar lugar a pastagens e lavouras, especialmente na Amazônia e no Cerrado. Isso representa 13% de todo o território nacional e coloca o Brasil como um dos maiores emissores de gases de efeito estufa (GEE) do mundo, contribuindo diretamente para o aquecimento global e as mudanças climáticas que intensificam secas, incêndios e outros eventos extremos. As mudanças climáticas são amplificadas por esse modelo de produção, que destroi florestas, polui o ar e os rios, e concentra a riqueza nas mãos de poucos.
O governo do Amazonas busca medidas emergenciais mínimas, como a distribuição de água potável e cestas básicas, sem um planejamento estrutural de longo prazo. Existem poucos investimentos em infraestrutura hídrica e saneamento básico, junto a isso temos o impacto negativo do modelo econômico predatório, que demonstra as contradições do capitalismo no contexto amazônico, com toda exploração dos recursos naturais em benefício do agronegócio e mineração, enquanto as comunidades mais vulneráveis são negligenciadas. A crise hídrica é uma questão ambiental, como também expressão da desigualdade social e destruição ecológica resultantes do capitalismo dependente.
O impacto sobre as comunidades locais é devastador. Como já comentamos aqui em nosso jornal, Ribeirinhos e indígenas, que tradicionalmente pescam e navegam no rio, estão enfrentando escassez de água potável, perda de suas terras, culturas e modos de vida, sendo forçadas a se adaptarem a um ambiente cada vez mais inóspito.
Comunidades que dependem do transporte fluvial para receber suprimentos agora enfrentam o isolamento, já que muitos trechos do rio se tornaram inavegáveis. A saúde também é afetada, com aumento de doenças transmitidas pela água e pela má nutrição devido à perda de alimentos básicos. Nesse contexto é fundamental lutar contra avanços que vão prejudicar ainda mais a região como é caso da pavimentação da BR-319.
A resposta governamental permanece insuficiente e, muitas vezes, conivente com os interesses do agronegócio. Mesmo com a crise climática se agravando, o governo Lula destinou R$400 bilhões para o Plano Safra 2024/2025, oferecendo crédito subsidiado para que os grandes proprietários continuem expandindo suas áreas de produção, muitas vezes às custas de terras públicas desmatadas ilegalmente. Além disso, a isenção de impostos sobre agrotóxicos e exportações de commodities agrícolas continua incentivando um modelo de produção devastador que beneficia grandes corporações, enquanto milhões de brasileiros vivem em insegurança alimentar.
O Plano Safra 2024/2025 no Amazonas terá um total de R$100 milhões, um aumento em relação ao ano anterior, que contava com R$76,2 milhões. Além disso, o Banco da Amazônia destinou R$11 bilhões para a região Amazônica no Plano Safra 2024/2025, sendo R$1,3 bilhões direcionados especificamente para a agricultura familiar e o restante ficando para o grande agronegócio predatório.
A seca no Rio Negro mostra que o tempo para agir é agora. A defesa da natureza e dos povos que dela dependem não pode ser separada da luta contra o capitalismo e o agronegócio. É necessário construir um novo modelo de desenvolvimento que coloque as necessidades humanas acima do lucro.
Embora seja o terceiro setor mais concentrado da economia brasileira, atrás apenas dos setores de energia e intermediação financeira, a saúde suplementar apresenta, constantemente, a afirmação de que as operadoras estão deficitárias nas argumentações contrárias a oferecer tratamentos mais longos e dispendiosos às pessoas que contratam seus serviços. A realidade é que o setor está estagnado em cerca de 50 milhões de usuários e sem perspectiva de crescer, caso os índices de emprego e distribuição de renda não melhorem no Brasil.
Mas esta aparente crise das operadoras contradiz os dados do balanço econômico publicado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – entidade responsável por regulamentar e fiscalizar essa atividade –, uma vez que, segundo o balanço, as 200 maiores empresas do setor tiveram lucro líquido recorde no ano de 2023, provenientes, em sua maioria, de aplicações financeiras.
Logo, as dificuldades para sustentar o setor parecem estar atreladas à impossibilidade de ofertar saúde de qualidade como uma mercadoria lucrativa, o que cria uma forte dependência do setor aos recursos públicos repassados com base na Tabela SUS. Essa relação estabelece o desmonte do SUS como um ativo para essas empresas, uma vez que a perda de capacidade do SUS para atender a população lhes garante parcelas cada vez mais pacientes, e, portanto, maiores parcelas do orçamento.
Em janeiro deste ano, o atual presidente Lula sancionou uma lei que altera a forma de reajuste dos valores de remuneração dos serviços de saúde prestados ao SUS. Esse conjunto de valores, que é conhecido como Tabela SUS, estabelece os montantes a serem repassados às entidades privadas e hospitais filantrópicos que prestam atendimentos de saúde que o SUS não pode cobrir em determinada localidade. Esse modo de prestação de serviço, que chamamos de saúde suplementar, é regulado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a qual estabelece uma série de critérios para as operadoras do setor, como o devido registro em Conselho de Medicina e até normas para ajuste dos preços dos planos. O reajuste, por exemplo, pode até ser feito por faixas etárias, mas isso não vale para maiores de 60 anos, como consta na Lei 9.656.
Entre as sete principais empresas do setor (Amil, DASA, Notre Dame Intermédica, Aché Laboratórios, Hapvida, Eurofarma e Rede D’Or), todas recebem pacientes do SUS para realizar procedimentos médicos financiados pelo Estado, com valores determinados pela Tabela SUS.
A ideia inicial do sistema suplementar seria desafogar os hospitais públicos e reduzir as filas de espera do sistema público. Na prática, diante da manutenção de uma política de austeridade fiscal (com potencial aprofundamento, com a retirada dos pisos constitucionais da saúde), o que ocorre é que o SUS tem cada vez menos capacidade de absorver a demandas por procedimentos de saúde, o que resulta numa espiral de transferência de orçamento público para as principais empresas que controlam o setor.
Para além disso, em casos de tratamentos mais longos e complexos, como casos de câncer e autismos de suportes mais altos, o setor de saúde suplementar delega o ônus desses tratamentos ao SUS por meio de imposições burocráticas aos pacientes, aumentos vertiginosos dos valores dos planos ou até cancelamentos unilaterais desses contratos.[1] Esse fato expressa a contradição desse modelo, que trata procedimentos médicos como mercadoria, buscando cortar “gastos excessivos” para manter a lucratividade. As empresas que oferecem esses serviços não são guiadas pela ética que o serviço de saúde impõe, mas pela lógica do mercado.
Os próprios termos “suplementar” e “complementar” indicam que esses serviços não podem, constitucionalmente, operar como um mercado de saúde à parte do SUS, mas que está subordinado às mesmas regulamentações e normas éticas a saúde pública está subordinada, a Constituição Federal de 1988 não cria dois sistemas de saúde, mas um único e universal. Isto posto na teoria. Na prática, há um verdadeiro mercado de planos de saúde que tem como objetivo não a saúde, mas o lucro. Mesmo a Agência Nacional de Saúde Suplementar, que tem como prerrogativa fiscalizar e garantir que a saúde do povo brasilieiro não seja mercantilizada, vem sendo acusada, por consumidores, de inverter seu papel e proteger as empresas.
O fato de que a burguesia do setor da saúde atua de maneira flagrantemente ilegal sem maiores consequências e que os mecanismos institucionais criados pela Constituição Federal não terem capacidade de conter esses abusos, deixa claro que o único caminho é pressão popular sobre esses agentes.
Mais de 400 palestinos exterminados em 2 semanas de campanha no Norte
A Agência de Defesa Civil de Gaza anunciou em 19 de outubro que equipes de resgate recuperaram os corpos de mais de 400 palestinos mortos no norte de Gaza pelo exército israelense desde 6 de outubro, quando Tel Aviv intensificou sua campanha de limpeza étnica.
Os massacres de civis no norte de Gaza têm sido constantes desde o início do mês, enquanto o governo implementa o chamado “Plano dos Generais”, que busca cercar completamente centenas de milhares de palestinos, incluindo a proibição da entrada de ajuda humanitária.
No sábado, jatos israelenses bombardearam uma escola afiliada à ONU, que havia se tornado um abrigo no campo de refugiados de Shati, a oeste de Jabalia, matando dezenas de palestinos deslocados. Durante a noite de sexta-feira, pelo menos 33 palestinos foram mortos e 85 ficaram feridos em ataques israelenses, com autoridades afirmando que dezenas continuam presos sob os escombros dos prédios residenciais bombardeados.
Jabalia está sob cerco constante há 15 dias, com relatos locais dizendo que o campo está sofrendo bombardeios aéreos e de artilharia sem interrupção pelas tropas invasoras.
As forças israelenses estão invadindo casas, expulsando pessoas e forçando-as a evacuar e deixar suas residências. Estima-se que 200.000 palestinos estejam nessas áreas. O Ministério da Saúde afirmou que não consegue contar o número de mortos ou feridos devido à quantidade elevada de vítimas.
Além disso, o norte de Gaza está sem internet, dificultando o acompanhamento da situação atual, mas os ataques aéreos continuam. Na sexta-feira, Israel impôs um bloqueio de comunicações em todo o norte de Gaza.
Com o avanço da guerra, os três hospitais da região foram colocados fora de serviço devido ao cerco israelense. As unidades de saúde, como os hospitais Indonésio, Al-Awda e Kamal Adwan, foram atacadas continuamente pelas forças israelenses.
Comunicado do Ministério da Saúde em Gaza
Relatório estatístico periódico sobre o número de mártires e feridos devido à agressão sionista na Faixa de Gaza:
A ocupação israelense cometeu 7 novos massacres contra famílias em Gaza, resultando em 115 mártires e 487 feridos que chegaram aos hospitais nas últimas 24 horas.
Um número considerável de vítimas ainda está sob os escombros e nas ruas, e as equipes de ambulância e defesa civil não conseguem alcançá-las.
O total de mártires da agressão israelense subiu para 42.718 e 100.282 feridos desde o 7 de outubro.
Hoje, o Sahel tem tido um pouco mais de presença na mídia do que o habitual. Por um lado, existem os confrontos entre grupos armados de diferentes características e os exércitos de Burkina Faso, Mali e Níger e, por outro, há o fato dos governos desses três países terem rompido com as estruturas regionais de matriz neocolonial e criaram a Confederação da Aliança dos Estados do Sahel (AES).
Em Burkina Faso, o atual governo militar tenta mais do que nunca recuperar a figura do presidente revolucionário Thomas Sankara, que liderou profundas transformações em todas as áreas da vida social do país. A Revolução de Agosto (1983-87) terminou abruptamente com seu assassinato. Blaise Compaoré governou durante os 27 anos que se seguiram, colocando o país novamente nas mãos do neocolonialismo.
Germaine Pitroipa, que pudemos entrevistar em sua residência em Ouagadougou, desempenhou um papel importante durante a revolução em Burkina Faso. Ela também tem uma opinião forte sobre os assuntos atuais de seu país. Foi militante da União de Lutas Comunistas de Burkina Faso (ULC) quando a tomada do poder estava sendo organizada. Depois, foi delegada do governo na província de Oubritenga e conselheira na embaixada burquinense na França.
Atualmente, temos muitos olhos voltados para a região do Sahel. Como a região chegou a um nível tão crítico em termos de conflito?
Estamos pagando o preço pelo que, por muitos anos, o governo de Burkina Faso aceitou. Nosso país se tornou um refúgio para grupos armados que cometem seus crimes em outros locais. Blaise Compaoré aceitou isso por 27 anos e queria que nós – o povo burquinense – acreditássemos que isso não tinha nada a ver com nós. Dado o respeito que Thomas Sankara tinha por outros povos, é uma pena que por tantos anos as coisas tenham se mantido inalteradas. Uma desgraça em Bamako (Mali) também deve ser uma desgraça em Uagadugu (Burkina Faso). Todo burquinense deve se sentir interpelado quando seu vizinho, seu irmão, é atingido. Os povos do Mali e do Níger são nossos vizinhos, nossos irmãos. Portanto, não é de surpreender que esses três países tenham se unido para criar a Aliança dos Estados do Sahel (AES).
Em sua opinião, a Aliança dos Estados do Sahel é um instrumento útil para tratar dos problemas compartilhados por seus países membros?
Acho que, pelo menos em termos de cooperação militar e estratégica, é a melhor solução. Os grupos armados se deslocam facilmente entre os três países, portanto, temos que responder de forma coordenada. Essa aliança nos permite ir atrás deles onde eles estão, sem esperar que eles venham nos provocar. Nós os enfrentamos ativamente, porque este é o nosso lar. Eles podem vir, se quiserem, como seres humanos. Mas se vierem como assassinos, nós os expulsaremos de nosso país. Não será fácil. Essa insegurança certamente exigirá de nós mais alguns sacrifícios. Mas estamos preparados para fazê-los. O povo burquinense está acostumado com a dureza da vida e, se for para nossa felicidade, estamos prontos para dar tudo de nós para que as gerações futuras não tenham de passar pelo mesmo.
A AES nasceu como uma estrutura para tratar de questões regionais. Você acha que ela deve ir além disso?
Em primeiro lugar, temos de entender que somos interdependentes, esses três países. As fronteiras artificiais impostas a nós não correspondem à realidade. Por exemplo, eu nasci em Dosso, no Níger. Perto da fronteira entre Níger e Burkina Faso. Meus pais moraram no Níger por muitos anos. Também tenho sobrinhos e sobrinhas no Mali, com mãe burquinense e pai malinês. Mais ou menos, todos nós temos família do outro lado das fronteiras desses dois países. A ESA deve fortalecer esses vínculos e nos permitir viver em paz. O que chamamos de pan-africanismo é natural entre Burkina Faso, Mali e Níger. Essa aliança deve permitir que esses três povos se tornem um só. Esse foi um dos desejos que Thomas Sankara sempre teve.
Como você conheceu Thomas Sankara e por que ele a impressionou tanto?
Fomos apresentados por um amigo em comum, Valère Somé. Somé era o líder da União de Lutas Comunistas (ULC), da qual eu também fazia parte. Estávamos unidos pela luta. Thomas do ponto de vista militar, nós do ponto de vista civil. Quando eu estava na universidade, era membro da Associação de Estudantes de Uagadugu (AEEO) e depois fui estudar na França e entrei para a União Geral de Estudantes Voltaicos (UGEV). Mas eu não queria continuar disseminando ideias revolucionárias às margens do Sena e retornei ao meu país com a intenção de colocar essas ideias em prática. Graças a Thomas, conseguimos fazer isso. Quando retornei em 1979, Thomas Sankara e Valère Somé já eram amigos íntimos. Para mim, eles eram dois gênios. Um militar e um civil. E foi graças a essa aliança que todo o trabalho necessário para tornar possível a revolução de 4 de agosto de 1983 pôde ser realizado.
Qual foi, para a senhora, a maior contribuição do processo revolucionário que começou naquela data?
O 4 de agosto foi uma experiência excepcional e inovadora que mostrou que havia uma alternativa ao modelo de desenvolvimento que nos havia sido imposto. O desenvolvimento endógeno nos permitia confiar em nossas próprias forças para que não precisássemos recorrer continuamente ao mundo exterior. Aquele que o alimenta sempre dita o que você deve fazer. O modelo de desenvolvimento promovido pela revolução partia do que tínhamos em nosso território: consumir o que produzimos e produzir o que queremos consumir. Foi também com essa lógica que o Programa de Desenvolvimento Popular foi elaborado. Durante o primeiro ano da revolução, com a participação ativa da população, foram criados inúmeros centros de atenção primária à saúde, farmácias e centros de vacinação. E sob o slogan “um vilarejo, uma escola”, surgiram centros educacionais em todo o país. Como Alto Comissária da província de Oubritenga, minha função era coordenar muitas dessas iniciativas.
Qual era o papel da Alto Comissária durante a revolução?
Éramos os representantes do governo revolucionário nas províncias. Nossa função era, acima de tudo, explicar quais eram as linhas de trabalho da revolução. E explicar as razões pelas quais essas linhas de trabalho eram boas para o povo. “Uma escola em cada vilarejo evita que as crianças tenham de viajar quilômetros para ir à escola, a vacinação protege contra doenças, etc.”. Foi uma tarefa fácil? De modo algum! Alguns costumes eram muito difíceis de mudar. Havia certa relutância por parte das estruturas de poder tradicionais. A revolução havia chegado para estabelecer um melhor equilíbrio social e não se permitia que os chefes tradicionais dominassem uma população que estava desarmada diante deles. Havia chefes tradicionais muito próximos do povo que aceitaram a revolução e outros que preferiram se apegar a seus privilégios. Também houve relutância nos lares. Havia maridos que não entendiam por que pedíamos às mulheres que participassem dos Trabalhos de Interesse Comum ou dos Comitês de Defesa da Revolução. Tentamos transmitir mensagens simples: “Mulheres, jovens… Todos podem participar da construção deste país.”
Como você reagiu quando Thomas Sankara foi assassinado, apenas quatro anos após o início da revolução?
Na época, eu era Primeira Conselheira na Embaixada de Burkina Faso em Paris. Quando Thomas morreu, e com ele a revolução, não vi motivo para voltar a Burkina ou continuar trabalhando em sua embaixada. E como eu estava lá com toda a minha família, tornei-me o que chamamos de exílada voluntária. No entanto, fiz o possível para manter contato com os companheiros que permaneceram em Burkina Faso. Para isso, tive de fazer várias viagens clandestinas, cruzando vários postos de fronteira com a ajuda de pessoas que tinham apreço pela nossa revolução. Foi somente após a insurreição de 2014, com a fuga de Blaise Compaoré, que comecei a retornar regularmente a Burkina.
Após três décadas de impunidade, se ditou a sentença sobre o assassinato de Thomas Sankara em abril de 2022. Como você vivenciou o processo judicial?
Esse julgamento me permitiu encontrar Thomas novamente. Permitiu-me liberar tudo o que eu estava guardando em meu ser. Já sabíamos o que havia acontecido quando ele foi morto, não precisávamos de um julgamento para deixar isso claro. Mas ver como aqueles que o mataram tiveram que enfrentar sua própria responsabilidade me tranquilizou. Isso me fez sentir que Thomas não está morto. É verdade que fisicamente ele foi assassinado, mas para mim foi como vê-lo voltar à vida. Pessoalmente, isso me permitiu ficar de luto. Até aquele momento, era como se não tivesse realmente acontecido. Aceito sua ausência melhor do que antes. Porque a verdade é que tive dificuldade em aceitar que Thomas não estava mais conosco e que nunca mais estaria.
Apesar de tudo, hoje o nome de Thomas Sankara está mais presente do que nunca e cada vez mais pessoas o reivindicam. Como você está vivenciando essa realidade?
Em todas as áreas, há algo a aprender com Thomas. Em todas as áreas, ele nos deixou um caminho a seguir. Espero que as autoridades de hoje sejam inspiradas por isso. Sempre, sempre, sempre há algo a ser feito por esse povo. Thomas sonhava tanto com essa felicidade que decidiu ignorar todos os perigos ao seu redor. Ele dizia que cometemos erros todas as manhãs, mas devemos nos certificar de que nenhum deles seja fatal para o povo burquinense. Tenho orgulho de ter contribuído, junto com Thomas, para essa experiência de quatro anos. E enquanto o povo de Burkina Faso sofrer, as ideias de Thomas Sankara continuarão vivas. Certa vez, ele nos disse: “Se um dia eu não estiver aqui, vocês devem continuar. Não quero que ninguém, por orgulho, busque se reencontrar comigo”. Portanto, vamos pelo menos conseguir manter sua memória intacta e permitir que as novas gerações saibam que essa pessoa existiu e que seu nome era Thomas.
(*) Tradução de Raul Chiliani
Com peixeiras, foices, enxadas, bandeiras da Liga dos Camponeses Pobres (LCP) e uma grande faixa escrito O risco de corre o pau corre o machado!, camponeses apoiados por estudantes expulsaram uma tropa de mais de 50 pistoleiros armados e policiais de várias cidades durante uma ação paramilitar em Engenho do Barro Branco, Jaqueira, Pernambuco, no dia 28 de setembro. A tentativa de despejo ilegal durou a manhã e tarde do dia. Os pistoleiros, que segundo os camponeses são contratados pela empresa latifundiária Agropecuária Mata Sul Ltda., chegaram na região com 14 picapes e duas retroescavadeiras. Acompanhados de funcionários da empresa, entraram na área e destruíram 2 sítios de posseiros, instalando ao fim da agressão uma cerca elétrica na área.
Solidariedade na Resistênca
Os camponeses reagiram de imediato e convocaram a Associação Brasileira de Advogados do Povo (Abrapo) para agir. Um advogado que acompanhou os camponeses mostrou aos invasores um documento que proibia a presença dos pistoleiros na região, mas tanto o representante jurídico quanto os camponeses foram repelidos com truculência pelos mercenários. Um camponês chegou a ter o celular roubado pelos pistoleiros e o advogado foi agredido.
Os camponeses se organizaram mais uma vez com a consciência de que não havia outro caminho senão o combate. Com os rostos cobertos, eles fecharam o acesso principal para os sítios com pneus e pedaços de paus, encurralando os mercenários.
Por volta das 9h30, 8 viaturas da PM de Jaqueira chegaram ao local para fazer a segurança dos pistoleiros armados do latifúndio. Ameaçaram os camponeses com fuzil e afirmaram que iam prendê-los se eles não abandonassem a resistência. Os camponeses mantiveram-se firmes.
Às 11h30, uma comissão de cerca de 60 estudantes do Coletivo Mangue Vermelho, Movimento Ventania e ativistas do Partido da Causa Operária (PCO), além de camponeses de duas áreas vizinhas, de Pernambuco e Alagoas, chegou para apoiar a resistência camponesa.
Os apoiadores junto aos camponeses, ergueram bandeiras da luta camponesa, da LCP e cantaram canções revolucionárias. As tropas da PM observaram a combatividade encurraladas nas barricadas.
Camponeses e estudantes baleados
Após isso, a PM solicitou reforço do Batalhão Especializado de Policiamento do Interior, para atacar os camponeses e fazer a escolta dos elementos reacionários do latifúndio. Os pistoleiros então novamente avançaram, mas os camponeses incendiaram novas barricadas e forçaram um recuo dos inimigos.
O combate agudizou e os pistoleiros, enquanto corriam para longe, dispararam contra os camponeses e apoiadores. Os tiros atingiram o pé de uma estudante, o braço de uma camponesa e a barriga e a perna de um agricultor. Eles foram rapidamente socorridos pela Comissão de Saúde da área e já estão em recuperação. Um dos agricultores alvejado, se recusou a sair do campo de batalha, e ficou até o fim, sendo atendido depois.
Ao mesmo tempo, dois pistoleiros foram atingidos pelos próprios comparsas.
Vitória do povo
Por fim, em torno das 14h, depois de uma grande vitória política, vendo que os seus objetivos haviam sido cumpridos, os camponeses sagazmente organizaram uma retirada, se concentrando em outro local próximo. As tropas fugiram e não voltaram mais naquele dia.
Depois da batalha, os camponeses realizaram uma assembleia com mais 100 pessoas, reafirmando que esta luta está apenas começando. Eles defenderam que os posseiros continuariam na região até que todas as terras da antiga Usina Frei Caneca estejam nas mãos do povo.
E viva a LCP!
No dia 22 de setembro de 2024, a autoridade eleitoral do Sri Lanka anunciou que Anura Kumara Dissanayake, da aliança Poder Nacional do Povo (NPP) liderada pela Frente Popular de Libertação (Janatha Vimukthi Peramuna – JVP), havia vencido a eleição presidencial. Dissanayake, líder do partido de esquerda JVP desde 2014, derrotou 37 candidatos, incluindo o presidente em exercício Ranil Wickremesinghe, do Partido Nacional Unido (UNP), e seu concorrente mais próximo, Sajith Premadasa, da frente Poder Popular Unido (Samagi Jana Balawegava). Os partidos tradicionais que dominavam a política do Sri Lanka – como a Frente Popular do Sri Lanka (Sri Lanka Podujana Peramuna – SLPP) e o UNP – agora estão em segundo plano. No entanto, eles dominam o Parlamento do Sri Lanka (o SLPP tem 145 das 225 cadeiras, enquanto o UNP tem uma cadeira). O JVP de Dissanayake tem apenas três cadeiras no parlamento.
A vitória de Dissanayake, tornando-oo nono presidente do país, é significativa. É a primeira vez que um partido de tradição marxista vence uma eleição presidencial no país. Dissanayake, nascido em 1968 e conhecido por suas iniciais AKD, vem da classe trabalhadora do centro-norte do Sri Lanka, longe da capital, Colombo. Sua visão de mundo foi moldada por sua liderança no movimento estudantil do Sri Lanka e por seu papel como um quadro do JVP. Em 2004, Dissanayake tornou-se membro do parlamento quando o JVP se aliou a Chandrika Kumaratunga, presidente do país de 1994 a 2005 e filha da primeira mulher primeira-ministra do mundo (Sirimavo Bandaranaike). Dissanayake tornou-se ministro da Agricultura, Terras e Pecuária no gabinete de Kumaratunga, um cargo que lhe permitiu mostrar sua competência como administrador e atrair o público para um debate sobre a reforma agrária (que provavelmente será uma questão que ele retomará como presidente). Uma candidatura à presidência em 2019 não foi bem-sucedida, mas isso não impediu Dissanayake ou o NPP.
Turbulência econômica
Em 2022, Colombo, a capital do Sri Lanka, foi sacudida pelos “aragalaya” (protestos) que culminaram na tomada do palácio presidencial e numa fuga apressada do presidente Gotabaya Rajapaksa. O que motivou esses protestos foi o rápido declínio das perspectivas econômicas da população, que enfrentava escassez de produtos essenciais, como alimentos, combustível e remédios. O Sri Lanka não pagou sua dívida externa e foi à falência. Em vez de buscar um desfecho que satisfizesse os movimentos de protesto, Wickremesinghe, com sua orientação neoliberal e pró-ocidental, assumiu a presidência para completar o mandato de seis anos de Rajapaksa, iniciado em 2019.
A incipiente presidência de Wickremesinghe não abordou nenhum dos problemas relacionados aos protestos. Ele levou o Sri Lanka ao Fundo Monetário Internacional (FMI) em 2023 para um socorro de 2,9 bilhões de dólares (a 17ª intervenção do FMI no Sri Lanka desde 1965), que veio com a remoção de subsídios para setores como eletricidade e uma taxa de imposto sobre valor agregado dobrada para 18%: o preço da dívida deveria ser pago pela classe trabalhadora do Sri Lanka e não por credores externos. Dissanayake disse que tentará reverter essa equação, renegociando os termos do acordo, colocando mais pressão sobre os credores externos, aumentando o limite de isenção do imposto de renda e isentando vários bens essenciais (alimentos e assistência médica) do regime tributário mais elevado. Se Dissanayake conseguir fazer isso, e se intervir seriamente para acabar com a corrupção institucional, ele deixará uma marca significativa na política do Sri Lanka, que sofreu com a feiura de uma guerra civil e as traições de sua elite política.
Um partido marxista no palácio presidencial
O JVP, ou Frente de Libertação do Povo, foi fundado em 1965 como um partido revolucionário marxista-leninista. Liderado por Rohana Wijeweera (1943-1989), o partido tentou duas insurreições armadas – em 1971 e novamente de 1987 a 1989 – contra o que considerava um sistema injusto, corrupto e intratável. Ambos os levantes foram brutalmente reprimidos, resultando em milhares de mortes, incluindo o assassinato de Wijeweera. Depois de 1989, o JVP renunciou à luta armada e entrou na arena política democrática. O líder do JVP antes de Dissanayake foi Somawansha Amerasinghe (1943-2016), que reconstruiu o partido depois que seus principais líderes foram assassinados no final da década de 1980. Dissanayake levou adiante o programa de construção de um partido político de esquerda que defendia políticas socialistas nas esferas eleitoral e social. O notável crescimento do JVP é o resultado do trabalho da geração de Dissanayake, vinte anos mais jovem que os fundadores, que ancorou a ideologia do JVP em amplos setores da classe trabalhadora, dos camponeses e dos pobres do Sri Lanka. Ainda restam dúvidas sobre o relacionamento do partido com a minoria populacional tâmil, dada a tendência de alguns de seus líderes de sucumbir ao nacionalismo cingalês (especialmente quando se trata de como o Estado deve lidar com a insurgência liderada pelos Tigres de Libertação da Pátria Tâmil). A ascensão pessoal de Dissanayake ocorreu devido à sua integridade, que contrasta com a corrupção e o nepotismo da elite do país, e porque ele não se dispôs a definir a política do Sri Lanka em torno da divisão étnica.
Parte da refundação do JVP foi a rejeição do sectarismo de esquerda. O partido trabalhou para construir a coalizão Poder Popular Nacional, (NPP) formada por 21 grupos de esquerda e centro-esquerda, cujo objetivo em comum é enfrentar a corrupção e a política endividamento e austeridade do FMI em prol das massas do povo do Sri Lanka. Apesar das profundas diferenças entre algumas das formações do NPP, houve um compromisso sobre um programa mínimo comum de política e ação. Esse programa baseia-se em um modelo econômico que prioriza a autossuficiência, a industrialização e a reforma agrária. O JVP, como a principal força do NPP, pressiona pela nacionalização de determinados setores (principalmente os serviços públicos, como o fornecimento de energia) e pela redistribuição da riqueza por meio da tributação progressiva e do aumento dos gastos sociais. A mensagem de soberania econômica tocou em cheio uma população há muito dividida por linhas étnicas.
Resta saber se Dissanayake será capaz de cumprir essa agenda de soberania econômica. No entanto, sua vitória, sem dúvida, incentivou uma nova geração a respirar novamente, a acreditar que seu país pode ir além do extenuado programa do FMI e tentar construir um projeto de Sri Lanka que possa se tornar um modelo para outros países do Sul Global.
(*) Tradução de Raul Chiliani
“Pela Europa, por nós mesmos e pela humanidade […] temos de desenvolver um pensamento novo, tentar colocar de pé um novo homem” – Frantz Fanon, Os condenados da terra
Opensamento dinâmico e revolucionário de Frantz Fanon, sempre centrado na criação, no movimento e no desenvolvimento, continua totalmente profético, vívido, inspirador, analiticamente aguçado e moralmente comprometido com a desalienação e a emancipação de todas as formas de opressão. Fanon defendeu de forma contundente e convincente o caminho para um futuro em que a humanidade “avance mais um passo” e rompa com o mundo do colonialismo e com o molde do “universalismo” europeu. Ele representou o amadurecimento da consciência anticolonial e foi um pensador decolonial por excelência. Como uma verdadeira personificação do l’intellectuel engagé (intelectual engajado), ele transformou os debates sobre raça, colonialismo, imperialismo, alteridade e o que significa para um ser humano oprimir outro.
Apesar de sua vida curta (ele morreu de leucemia aos 36 anos), o pensamento de Fanon é muito rico e sua obra é prolífica, variando de livros e artigos científicos a jornalismo e discursos. Escreveu seu primeiro livro, Pele Negra, Máscaras Brancas, dois anos antes da batalha de Dien Bien Phu, no Vietnã (1954), e seu último livro, o famoso Os Condenados da Terra, obra canônica sobre a luta anticolonial e terceiro-mundista, um ano antes da independência da Argélia (1962), durante o período da descolonização africana. Em sua trajetória e em toda a sua obra, podemos ver interações entre a América Negra e a África, entre o intelectual e o militante, entre o pensamento/teoria e a ação/prática, entre o idealismo e o pragmatismo, entre a análise individual e os movimentos coletivos, entre a vida psicológica (ele se formou psiquiatra) e a luta física, entre o nacionalismo e o pan-africanismo e, finalmente, entre as questões do colonialismo e as questões do neocolonialismo.
Não é surpresa nem coincidência que estejamos testemunhando um interesse renovado em Fanon e em suas ideias desde os ataques do Hamas em 7 de outubro contra a entidade sionista e a ocupação colonial de Israel e o genocídio que se seguiu contra os palestinos. Sem dúvida, sua análise e seu pensamento continuam altamente relevantes e esclarecedores, devido à resistência da colonialidade (que ele analisou) em suas inúmeras formas, desde o colonialismo na Palestina até o neocolonialismo em várias partes do Sul global. No entanto, parte desse interesse renovado – especialmente em relação à situação na Palestina – sucumbe a críticas simplistas e leituras errôneas e insidiosas de seu trabalho, que tendem a distorcê-lo e desconectá-lo de sua práxis anticolonial e revolucionária, bem como de seu compromisso inabalável com a libertação dos “condenados da terra”. Esses esforços supostamente “críticos” não podem ser dissociados dos ataques mais amplos ao direito dos palestinos de resistir ao colonialismo usando quaisquer meios necessários e da atitude desdenhosa em relação às pessoas que mantêm uma solidariedade intransigente com sua resistência e luta de libertação. Em alguns casos, todo esse empreendimento equivale a racismo disfarçado de discurso intelectual.
Isso não é novidade: existem muitas interpretações reducionistas de Fanon, interpretações que eliminam a dimensão histórica/política ou a dimensão filosófica/psicológica de sua obra, dependendo dos imperativos sociais do momento. Fanon foi um pensador político, um militante revolucionário e um psiquiatra, e todos esses aspectos de sua vida formaram uma unidade coerente: dialética, complementar e enriquecedora entre si. Afinal de contas, seu projeto era combater a alienação em todas as suas formas: social, cultural, política e psicológica. Fanon viveu a vida como revolucionário, embaixador e jornalista, mas é impossível separar essas muitas vidas de sua prática científica e clínica. Da mesma forma, suas expressões e articulações não eram apenas as de um médico psiquiatra, mas também as de um filósofo, um psicólogo e um sociólogo. Fanon foi um pioneiro precisamente porque combinou o compromisso com a transformação social com um compromisso com a libertação psicológica dos indivíduos. Seu objetivo fundamental era pensar sobre e construir a liberdade como desalienação, que se realiza dentro de um processo necessariamente histórico e político.
Fanon, o psiquiatra revolucionário
“A ciência despolitizada, a ciência a serviço do homem, muitas vezes não existe nas colônias.” – Frantz Fanon, A Dying Colonialism
Ao chegar ao Hospital Psiquiátrico Blida-Joinville, na Argélia, em 1953, Fanon percebeu rapidamente que a colonização, em sua essência, era uma grande produtora de loucura, daí a necessidade de hospitais psiquiátricos nos países colonizados. Com entusiasmo, ele se empenhou em revolucionar a prática psiquiátrica convencional, de acordo com os ensinamentos “desalienistas” do manicômio de Saint-Alban e do professor Tosquelles. Ele percebeu como a psiquiatria colonial naturalizava os transtornos mentais que eram determinados por fatores sociais e culturais. O reducionismo científico floresceu nas colônias, em especial sob a autoridade de Antoine Porot e sua influente “escola de Argel”. Fanon apresentou uma crítica incisiva à etno-psiquiatria colonial, expondo seu racismo grosseiro e sua defesa da opressão colonial. Ele argumentou que a psiquiatria colonialista como um todo tinha de ser desalienada.
Como Jean Khalfa e Robert J.C. Young afirmaram, a atividade política de Fanon estava ancorada em uma epistemologia surpreendentemente lúcida e em um trabalho científico e uma prática clínica inovadores. Seus artigos científicos formaram uma crítica ao biologismo da etno-psiquiatria colonial e permitiram que ele reavaliasse a cultura em sua relação tanto com o corpo quanto com a história. Isso fica claro em seu famoso discurso sobre cultura nacional, proferido no Segundo Congresso de Artistas e Escritores Negros, em Roma, em 1959.
Durante esse período, Fanon experimentou abordagens que o tornariam um dos pioneiros da etno-psiquiatria moderna. Por fim, ele se distanciou da terapia institucional depois de chegar à firme convicção de que a terapia deveria, acima de tudo, restaurar a liberdade dos pacientes e deveria ser realizada dentro do ambiente cultural e social normal do paciente. Ele argumentou que a psiquiatria estabelecida e as instituições de saúde mental “amputavam, puniam… rejeitavam, excluíam e isolavam” os pacientes.
O projeto de Fanon era tornar acessíveis aos pacientes as atividades criativas, culturais e manuais que pudessem permitir que eles se tornassem seres humanos novamente, com aspirações pessoais. Ele queria que seus pacientes assumissem o controle de suas próprias vidas e se expressassem. Com esse objetivo em mente, Fanon criou no hospital Blida-Joinville oficinas de cestaria e cerâmica, celebrou festas religiosas (muçulmanas e cristãs), organizou um clube de cinema, eventos esportivos e excursões e, talvez o mais importante de tudo, fundou uma pequena publicação semanal chamada Notre Journal, lançada em dezembro de 1953, que registrava a evolução e o progresso no tratamento dos pacientes do hospital.
Nos seus últimos anos, que ele passou em Túnis, além de suas atividades políticas, Fanon dedicou uma energia considerável à criação e administração de um hospital-dia psiquiátrico, que dirigiu de 1957 a 1959 e que foi uma das primeiras clínicas psiquiátricas abertas no mundo francófono. Hoje em dia, o regime de hospital-dia (ou serviço de internação parcial) é um componente tão comum do tratamento psiquiátrico nos países industrializados que é difícil avaliar suficientemente a importância da adoção dessa abordagem em Túnis durante a década de 1950.
Fanon, violência e a psicologia maniqueísta da opressão
“O colonialismo só perde o controle quando a faca está em sua garganta.” – Frantz Fanon, Os condenados da terra
Não podemos falar de Fanon sem nos debruçarmos sobre sua análise da violência e da psicologia da opressão, especialmente durante a atual era de destruição e morte. O que Fanon diria sobre o genocídio colonial e a “avalanche de assassinatos” que está ocorrendo atualmente em Gaza e em outros lugares? O que ele diria sobre os efeitos traumáticos e atormentadores sobre crianças, mulheres e homens palestinos? Como ele analisaria a violência e a contra-violência em curso?
Em sua obra, Fanon descreve minuciosamente os mecanismos de violência implementados pelo colonialismo para subjugar os povos oprimidos. Ele escreve: “o colonialismo não é uma máquina de pensar, nem um corpo dotado de faculdades de raciocínio. É a violência em seu estado natural”. Segundo ele, o mundo colonial é um mundo maniqueísta, que segue em direção à sua conclusão lógica: ele “desumaniza o nativo ou, para falar claramente, o transforma em um animal”. Para Fanon, a colonização é uma negação sistemática do Outro e uma recusa frenética de atribuir qualquer aspecto de humanidade a esse Outro. Em contraste com outras formas de dominação, a violência colonial é total, difusa, permanente e global. Tratando tanto de torturadores quanto de vítimas, Fanon não conseguiu escapar dessa violência total, cujas dimensões estruturais, institucionais e pessoais ele analisou com ousadia. Em 1956, isso o levou a renunciar ao seu cargo de Chefe de Serviço no Hospital Blida-Joinville e a se juntar à Frente de Libertação Nacional da Argélia (FLN).
A vida e o trabalho na Argélia colonial, bem como a forma implacável como a Guerra da Argélia foi conduzida, com sua violência e contra-violência e imensa perda humana, levaram Fanon a reformular suas ideias sobre opressão e saúde mental e a tornar a questão da violência o foco de seu interesse e do primeiro capítulo de sua última obra clássica, Os condenados da terra. Nesse livro, ele descreve a psicologia maniqueísta que está por trás da opressão e da violência humanas.
Como Hussein Abdilahi Bulhan argumentou, as observações de Fanon na Argélia e em outros lugares ressaltam o fato de que o colonialismo, assim como os homens que dirigem essa máquina violenta, é impermeável aos apelos da razão e se recusa obstinadamente a reconhecer a humanidade do Outro, gerando assim uma violência incalculável. Fanon não apenas demonstra as manifestações horríveis da violência, mas também explica seu papel libertador em situações em que todos os outros meios falharam. O colonizador depende e entende apenas a violência, e precisa ser enfrentado com mais violência: “Somente a violência, a violência cometida pelo povo, a violência organizada e educada por seus líderes, possibilita que as massas compreendam as verdades sociais e dá a chave para elas.” Durante a luta pela independência da Argélia, ficou claro para Fanon e para o povo argelino que, quando todas as medidas pacíficas fracassavam, só restava um recurso: lutar. Os palestinos de hoje estão fazendo exatamente isso, com coragem e heroísmo formidáveis, mas a um custo incrivelmente alto.
Fanon foi injusta e erroneamente acusado de ser um profeta da violência. Na verdade, o que ele faz é descrever e analisar a violência do sistema colonial. Longe de fazer uma apologia da violência, ele a considera inevitável como resposta à violência da colonização, da dominação e da exploração do homem pelo homem.
A carta de demissão de Fanon do Hospital Blida-Joinville é um documento comovente e baseado em princípios, de um tipo raro na literatura psicológica. Ela mostra a integridade e a coragem do homem e resume o impulso revolucionário e humanista de sua psiquiatria. Nela, ele escreve: “O árabe, alienado permanentemente em seu país, vive em um estado de absoluta despersonalização”. Ele acrescenta que a Guerra da Argélia foi “uma consequência lógica de uma tentativa abortada de descerebralizar um povo”.
Ao longo de seu trabalho profissional e de seus escritos militantes, Fanon desafiou as abordagens culturalistas e racistas dominantes e os discursos sobre os nativos, como o que ele chamou de “síndrome norte-africana”, segundo a qual “o norte-africano é um simulador, um mentiroso, um malfeitor, um preguiçoso, um ladrão…”. E ele apresentou uma explicação materialista, situando sintomas, comportamentos, ódio a si mesmo e complexos de inferioridade dentro da vida de opressão e da realidade das relações coloniais desiguais. Ele explicou que a solução para esses problemas era mudar radicalmente as estruturas sociais.
Fanon e a psicologia da libertação
“Eu, o homem de cor, quero apenas isso: que a ferramenta nunca possua o homem. Que a escravidão do homem pelo homem cesse para sempre.” -Frantz Fanon, Pele Negra, Máscaras Brancas
Fanon entendeu que a psiquiatria deve ser política. Seus esforços de colocar a loucura em sua perspectiva sócio-histórica e cultural e de restaurar a integridade do corpo e da mente do nativo eram consistentes com o projeto mais amplo de instituir a justiça política e social. Portanto, ele defendia uma psiquiatria da libertação.
A guerra de libertação da Argélia foi claramente um ponto de virada para o trabalho de Fanon como psiquiatra. A perda física e o deslocamento psíquico causados pela guerra consolidaram a convicção de Fanon de que a psiquiatria estabelecida e as instituições mentais em sociedades opressivas são locais de violência, não de cura, e o levaram a fundir sua psiquiatria radical com a crítica mais forte e prática possível da dominação, ou seja, a luta popular pela libertação.
O compromisso ativo de Fanon com a libertação social também implicou em um compromisso com a libertação psicológica. De fato, foi sua capacidade de conectar a psiquiatria à política e os problemas privados aos problemas sociais, e de agir de acordo com isso, que o tornou um pioneiro da psiquiatria radical. O que ele viu nos centros de saúde da FLN, com toda a angústia acumulada dos refugiados argelinos deslocados, convenceu-o de que a centralidade da libertação e da liberdade para os pacientes psiquiátricos e para os colonizados são dois lados da mesma moeda. Essa foi a psiquiatria de Fanon até sua morte: um projeto nobre de restaurar a liberdade dos cativos do colonialismo e do establishment psiquiátrico, e um compromisso total com os seres vivos e com qualquer ação/prática clínica, escrita e violência revolucionária que pudesse reabilitar a integridade das pessoas e dos valores humanos básicos.
Hussein Abdilahi Bulhan resumiu de forma eloquente a abordagem de Fanon à psiquiatria: “ Uma psicologia adaptada às necessidades dos oprimidos daria primazia à conquista da ‘liberdade coletiva’ e, como essa liberdade só é alcançada por coletivos, enfatizaria a melhor forma de promover a consciência e a ação organizada do coletivo.”
Portanto, a interdependência e a cooperação humanas, em vez do individualismo e da mercantilização, devem estar no centro da psicologia da libertação, que deve capacitar as pessoas a mudar as instituições e transformar radicalmente as estruturas sociais, em vez de se ajustar e se submeter ao status quo enquanto obtém lucro.
De acordo com Fanon, em situações de opressão, devemos tratar as causas fundamentais e não apenas os sintomas; devemos prevenir doenças, não apenas tratá-las; devemos capacitar as vítimas para resolver seus problemas, em vez de mantê-las dependentes e impotentes; e devemos promover a ação coletiva, não uma individualização autodestrutiva das dificuldades. Aqui reside uma das contribuições mais importantes de Fanon. Uma psicologia da libertação do tipo proposto por Fanon dá primazia ao empoderamento dos oprimidos por meio de atividades organizadas e socializadas, com o fim de restaurar histórias individuais e coletivas que foram descarriladas e prejudicadas pela opressão e pelo colonialismo. Seja por meios pacíficos ou violentos, é somente por meio da luta organizada que os oprimidos podem mudar a si mesmos e superar as dificuldades que enfrentam.
Quando alguém visita o site do Mahal, um lembrete pop-up com a mensagem “Apply online” (Inscreva-se on-line) continua aparecendo. É como se o sinal sonoro repetido fosse um lembrete do estado de emergência, se não de pânico absoluto, nas forças armadas israelenses.
A Mahal é uma das várias agências de recrutamento que visam atrair mercenários de todo o mundo para lutar nas guerras sujas de Israel, em Gaza e em todas as frentes.
Assim que a guerra israelense contra Gaza foi iniciada em outubro passado, começaram a circular rumores de um baixo comparecimento entre as reservas israelenses. Isso foi associado a uma crise política sem precedentes em Israel, onde os militares insistiam no recrutamento de judeus ultraortodoxos, o que, até recentemente, era um tema tabu entre os políticos israelenses.
Mesmo quando as ordens de recrutamento foram emitidas para milhares de haredim em julho, apenas uma pequena fração dos homens convocados atendeu ao chamado, de acordo com a imprensa israelense.
A crise ainda não foi resolvida e, muito provavelmente, não será resolvida, pois o governo israelense de Benjamin Netanyahu continua a expandir as frentes de guerra. Para entender o grau da crise militar de Israel, compare as declarações exageradas das autoridades israelenses no início da guerra, quando prometeram uma vitória total, com as declarações mais recentes.
Em julho passado, por exemplo, o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, disse que “o exército precisa de mais 10.000 soldados imediatamente”. O número 10.000 é particularmente interessante quando consideramos uma revelação do exército israelense de que pelo menos 10.000 de seus soldados foram feridos de forma grave ou moderada desde o início da guerra.
É provável que o número seja muito maior, com base nos vazamentos da mídia e nas informações fornecidas pelos hospitais israelenses. Além disso, milhares de soldados israelenses foram declarados “incapacitados” devido a traumas psicológicos sofridos durante a guerra, de acordo com o Ministério da Defesa de Israel.
Assim, o estado de urgência em um exército que, de acordo com o Major General israelense da reserva Yitzhak Brik, tornou-se “pequeno e fraco, sem excesso de forças”.
Então, o que Israel fará a partir de agora? Em vez de acabar com a guerra que se transformou em genocídio em Gaza, Israel decidiu se voltar para as pessoas que, segundo dizem, são os elementos mais indesejados da sociedade israelense: Os refugiados africanos que buscam asilo.
O jornal israelense Haaretz noticiou em 15 de setembro que os recrutadores israelenses têm trabalhado discretamente para alistar o maior número possível de africanos que buscam asilo nas forças armadas israelenses.
Para seduzi-los, os recrutadores estão prometendo residências permanentes, embora, de acordo com o jornal, nenhum soldado africano ainda tenha recebido os cobiçados documentos.
“As autoridades de defesa (…) dizem que o projeto é conduzido de forma organizada, com a orientação de consultores jurídicos do estabelecimento de defesa”, disse o relatório. O documento também confirmou que “as considerações éticas do recrutamento de solicitantes de asilo não foram abordadas”.
Por “considerações éticas”, tanto o Haaretz quanto as autoridades de defesa citadas não estão se referindo à morte de civis palestinos desarmados em Gaza nas mãos de refugiados pobres e desesperados da África, mas aos direitos dos próprios solicitantes de asilo.
Sabe-se que Israel maltrata não apenas os solicitantes de asilo africanos, mas também sua própria população de pele escura.
Esse racismo se manifestou de maneira clara contra os solicitantes de asilo africanos, cujo número é estimado em cerca de 30.000.
Milhares de africanos já foram deportados do país, não para serem repatriados para seus lares originais, mas para outros países africanos, onde as violações dos direitos humanos são generalizadas.
Em 2018, a Anistia Internacional disse que o governo israelense está devolvendo os refugiados à força “para perseguição ou detenção indefinida”. O grupo criticou as “políticas mal pensadas” e o “abandono imprudente da responsabilidade” de Israel.
Como era de se esperar, os maus-tratos de Israel aos seus solicitantes de asilo e refugiados receberam respostas discretas dos governos ocidentais e dos grupos de direitos humanos, que geralmente reagem com veemência a relatos de abusos em massa ou deportações ilegais de refugiados em qualquer outra parte do mundo.
E, como sempre acontece, o fato de não responsabilizar Israel pelas leis internacionais e humanitárias encoraja o país a continuar com suas “políticas mal pensadas”.
Imagine a crueldade de usar refugiados desesperados, que não têm nenhuma afiliação política ou histórica com a guerra na Palestina, para matar outros refugiados em campos de desabrigados em Gaza.
Ao fazer isso, Israel ultrapassou todos os limites morais, éticos e legais que regem o comportamento do Estado e do exército em tempos de guerra. Isso, no entanto, não pode significar que a comunidade internacional seja incapaz de impedir essas práticas israelenses por meio de ações concretas e sanções diretas.
bMuitos países da África já levantaram sua voz em solidariedade a Gaza e ao povo palestino. O vínculo entre a África e a Palestina deve agora ser fortalecido pelo total desrespeito de Israel, não apenas pela vida dos palestinos, mas também pela dos africanos.
A União Africana deve assumir a liderança nessa questão, dissuadindo seus cidadãos de se alistarem nas forças armadas israelenses em qualquer circunstância e levando a questão do recrutamento de solicitantes de asilo africanos às mais altas instituições legais.
Embora a postura moral adotada por muitos países africanos em relação ao genocídio israelense em Gaza mereça o maior respeito, cabe também aos governos africanos adotar uma postura igualmente forte para que Israel cesse sua prática de usar africanos para matar e morrer em Gaza.
Nos dias 26 e 27 de setembro, completa-se uma década do desaparecimento dos 43 alunos da Escola de Professores Rurais “Isidro Burgos”, em Ayotzinapa. A fatídica noite em Iguala resultou, além do desaparecimento forçado, em 6 pessoas mortas, incluindo 3 professores estudantes, um jogador e o motorista do time de futebol Los Avispones e um passageiro de táxi, bem como 40 pessoas feridas por armas de fogo.
Já se passaram 10 anos desde que o Estado mexicano, em conluio com o crime organizado, orquestrou esses atos violentos e repressivos, 10 anos de impunidade em que a verdade histórica do governo do EPN não foi muito diferente da versão que AMLO deu às mães e aos pais dos estudantes professores, 10 anos em que continuamos a nos perguntar: onde eles estão?
No contexto desse lamentável aniversário, três das mais importantes expressões do movimento popular se posicionaram sobre o assunto: o Congresso Nacional Indígena (CNI), o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) e a Corrente do Povo – Sol Vermelho (CP-SV).
A CNI se manifesta contra a falta de justiça, declarando que “… Dez anos de impunidade vergonhosa e flagrante mancharam a última década deste país, incluindo os últimos 6 anos da chamada Quarta Transformação. Viemos lhes dizer que nenhuma transformação é possível sem a verdade para os pais que a buscam incansavelmente; nenhuma transformação é possível sem justiça diante desses acontecimentos que marcaram nosso país e nenhuma transformação é possível com a cumplicidade de toda a classe política, de todos os partidos, de todas as instituições e, principalmente, sem admitir e sancionar a intervenção e a culpa do Exército, que, ao contrário, foi elogiado e exaltado”.
Por sua vez, o EZLN enfatiza “… Nessa longa jornada, eles se depararam com traições, com aqueles que só usaram sua dor para obter uma posição política, uma causa para mudar a cor do governo ou, o mais miserável, um salário. E nos maus governos o olhar do caçador continua procurando sua próxima vítima… Se não há verdade ou justiça, que não falte a raiva e a memória”.
Finalmente, o CP-Sol Rojo menciona que “… não viemos diante de vocês para falar sobre o regime; não esperamos nada dele e de seu caminho burocrático, ele deve ser varrido e pronto. Em vez disso, viemos apertar sua mão novamente, não em um gesto de diplomacia burguesa, mas como irmãos e irmãs de classe, com solidariedade de classe. Viemos reafirmar nossa solidariedade militante com cada um de vocês e cada um dos meninos, onde quer que estejam, porque vocês fizeram o mesmo conosco, com nossa luta por verdade e justiça, com nossa exigência de apresentação viva de nosso camarada Dr. Ernesto Sernas García, que desapareceu pelo regime em 10 de maio de 2018 em San Agustín de las Juntas, Oaxaca.”
Cada uma dessas organizações compartilha a crítica à impunidade no caso Ayotzinapa, deixando claro que a solução não virá de cima, mas do povo, com a organização e a luta do povo.