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Política

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Regras

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A criação de um novo arcabouço fiscal (NAF) para as contas públicas federais criou um dilema político para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). As regras do NAF são incompatíveis, no longo prazo, com pisos constitucionais para investimento federal em saúde e educação. O presidente terá, portanto, que decidir se pretende alterar o arcabouço – enfrentando os defensores da política de austeridade – ou flexibilizar os pisos – comprometendo investimentos em serviços públicos essenciais.

Os políticos alinhados aos ideais do mercado pressionam o governo pela flexibilização dos pisos de saúde e educação de tal modo que eles se adequem às regras do arcabouço fiscal. Cobram do governo uma redução da dívida pública mesmo quando ela está em patamares compatíveis com a realidade econômica nacional e melhor do que a de outros países.

Do lado oposto da corda, os movimentos populares fazem força pela manutenção da regra constitucional. Temem que a flexibilização dos pisos prejudique os mais pobres, que dependem da escola pública e do atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS).

Incompatibilidade

O NAF foi proposto pelo governo Lula para substituir a regra do Teto de Gastos, criada no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB). O teto "congelou" as despesas do governo por 20 anos. Estabeleceu que, nesse período, elas só poderiam ser reajustadas pela inflação, impossibilitando assim o crescimento real dos investimentos públicos em todas as áreas.

Já o NAF vinculou o crescimento da despesa do governo ao crescimento da arrecadação com impostos. Por essa regra, quanto mais impostos o governo recebe, mais pode destinar recursos para o que julgar necessário.

O arcobouço, porém, tem uma restrição: pela regra, o gasto do governo precisa crescer sempre um pouco menos que a arrecadação. A proporção padrão é de 100 para 70. Isso significa que, se o ganho do governo crescer R$ 100 bilhões de um ano para o outro, o gasto poderá subir R$ 70 bilhões. Com isso, em tese, sobram recursos para reduzir a dívida pública federal, o que também é um objetivo do NAF.

Acontece que, enquanto o conjunto de despesas cresce menos, os gastos com educação e saúde crescem no mesmo ritmo da arrecadação. Isso porque a Constituição determina que 15% do arrecadado anualmente pelo governo seja destinado à saúde e outros 18% para a educação, independentemente do que diz o arcabouço.

Desse descompasso de ritmos de crescimento advém o dilema entre arcabouço e pisos. No longo prazo, as rubricas de saúde e educação responderão por uma fatia cada vez maior do orçamento, comprimindo os demais gastos. Em última instância, as duas áreas comprometerão tudo o que o governo pode gastar, deixando o Estado sem recursos para outras áreas também essenciais, como o pagamento de benefícios sociais.

Uma solução seria enquadrar os pisos constitucionais no arcabouço. Essa medida enfrenta resistências do campo popular.

Disputa aberta

A economista Nathalie Beghin, membro do conselho gestor do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), confirma a incompatibilidade entre o arcabouço e os pisos no longo prazo. Segundo ela, o problema foi criado pelo NAF, o qual ela chamou de "regra fiscal leonina". A especialista defende que não há cabimento discutir investir menos em saúde e educação sabendo do déficit histórico do Brasil nas duas áreas.

Entretanto, ela admite que essa discussão já está posta. Lamenta, inclusive, que dentro do próprio governo aventem a possibilidade de mudança nos pisos. "Os pisos da saúde e da educação são conquistas dos trabalhadores de muito tempo. E agora um governo progressista – é verdade que numa ampla aliança – fala em retirar esse enorme ganho."

Recentemente, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, afirmou que iria discutir com o presidente Lula planos para redução de gastos do governo. Após a entrevista, o Partido dos Trabalhadores (PT) lançou uma nota reafirmando seu compromisso com os pisos.

Questão de tempo

A economista Juliane Furno, professora da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), também reforçou a incompatibilidade entre o arcabouço e os pisos. Segundo ela, no médio prazo, um debate político terá que definir o caminho a ser seguido antes da situação extrema ocorrer.

Furno ressalta que o governo precisará tomar uma decisão: "uma opção é mexer nos pisos, mas a outra pode ser flexibilizar o arcabouço", ressaltou. Ela, pessoalmente, é favorável a mudar o NAF. Reconhece, porém, que manter os pisos da educação e saúde inalterados não será uma tarefa fácil. "Haverá um conflito. A decisão vai depender da força dos movimentos sociais, da pressão da sociedade."

O Tesouro Nacional já estimou que saúde e educação poderão perder até R$ 504 bilhões entre 2025 e 2033 caso os pisos para as áreas sejam alterados. Em compensação, isso abriria espaço para investimento de até R$ 131 bilhões em outras á outras áreas.

Revisão do NAF

O economista Pedro Faria concorda que o tempo é fator essencial nesta disputa. Ele lembrou que o NAF foi estabelecido numa lei ordinária pois o governo já tinha consciência de que, em algum momento no futuro, teria que rediscuti-lo.

Para Faria, a ideia inicial era deixar que essa rediscussão ocorresse depois da eleição de 2026. Até lá, o NAF funcionaria estabilizando e até reduzindo a dívida pública sem que os pisos da educação e saúde fossem afetados. No pleito, a necessidade de revisão do NAF seria debatida com os eleitores. O projeto vitorioso na eleição definiria o futuro da regra fiscal.

Faria disse que o debate sobre o NAF surgiu antes do que o governo gostaria. Com o arcabouço recém-aprovado, qualquer rediscussão sobre ele gera críticas de opositores.

A favor do planejamento

Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), disse que essa desconfiança segura o arcabouço e aumenta a pressão sobre os pisos – o que ele acha ruim.

Para o especialista, o governo errou ao desenhar o NAF vinculando gastos à arrecadação. Deveria ter traçado um plano de investimentos em educação e saúde, protegendo os setores.

"Eu não gosto de regra baseada na arrecadação. Num momento de crise econômica, quando o Estado perde arrecadação, o gasto tem que cair também. Eu prefiro regra de planejamento de gastos", afirmou.

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