Bunker da Esquerda
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Cerca de 600 mil pessoas, entre as mais vulneráveis, podem perder o benefício que lhes garante vida minimamente digna. Pretexto: aprimorar o programa. Objetivo real: compensar privilégios fiscais oferecidos a grandes empresas.
Texto por David Deccache, mestre em economia pela UFF e assessor econômico da bancada de deputados federais do PSOL.
Eu não aguento mais. O que falta pra irmos pras vias de fato contra a elite do nosso estado burguês? @bunkerdaesquerda
A esquerda está realmente dividida? - o estranho NARCISISMO das PEQUENAS DIFERENÇAS @bunkerdaesquerda
De todos os inimigos da democracia e da liberdade, Friedrich August von Hayek foi provavelmente o mais inteligente. No mínimo, ele foi o mais influente: as estruturas da economia global de hoje – a União Econômica e Monetária Europeia, os bancos centrais, as “emendas orçamentárias de equilíbrio fiscal” inseridas nas constituições nacionais e os acordos de “livre” comércio que garantem os lucros futuros para o capital – baseiam-se essencialmente nas suas idéias e nas de seus alunos.
Dizem que Margaret Thatcher certa vez tirou da bolsa o livro de Hayek A Constituição da Liberdade, durante uma reunião política do Partido Conservador e proclamou: “É nisso que acreditamos!” Mesmo depois de cinquenta anos de devastação neoliberal, ainda existem aqueles que mantêm uma fé verdadeira. Um deles é Javier Milei. Quando o filho de um empresário de capital em ascensão foi eleito presidente da Argentina, a Sociedade Hayek, com sede em Berlim, lhe concedeu o seu maior prêmio: a Medalha Hayek. A sociedade, que tem sido criticada pela sua proximidade com o partido de extrema-direita Alternativa Para a Alemanha, saudou a “visão clara do poder de uma economia de mercado” de Milei, capaz de “uma vez mais estabelecer as bases para a liberdade, a prosperidade e a paz social”, na tradição de “Ludwig Erhard, Ronald Reagan e Margaret Thatcher”.
Gerd Habermann, membro do conselho executivo da Sociedade Hayek e professor honorário de economia na Universidade de Potsdam, escreveu na ocasião do centésimo dia de Milei no cargo que ele buscava a abolição do “Estado de Bem-Estar Social igualitário (não apenas sua reforma) e do ‘destrucionismo’ sócio-político (‘generismo’ e tudo o que está relacionado com isso)”. De fato, Milei acionou sua “motosserra” apenas dez dias após o início do seu mandato, ao apresentar um decreto de emergência: em nome da liberdade total para o capital, ele aboliu ou alterou os direitos dos trabalhadores à sindicalização; leis para proteção contra demissões e no local de trabalho; controle dos preços de eletricidade, saúde e transporte público; proteção dos inquilinos contra as corporações imobiliárias; e proteção do consumidor contra práticas abusivas de empresas farmacêuticas, bancárias e de cartão de crédito. Todos os gastos do governo foram congelados, com exceção dos militares. Além disso, Milei busca a privatização total de todas as empresas estatais. Para implementar estas políticas sem oposição, o decreto incluiu uma “lei de habilitação” que pretendia conceder a Milei poderes quase ditatoriais em áreas políticas fundamentais. Hayek certamente teria gostado muito de tudo isso. Escrevendo no diário de negócios Handelsblatt, o presidente da Sociedade Hayek, Stefan Kooths, descreveu Milei como um “golpe de sorte para o liberalismo” – e esperava que ele representasse o prenúncio de uma nova onda de fundamentalismo de mercado.
O primeiro objetivo de Hayek era sistematicamente manter o povo – “o grande grosseirão” (nas palavras de Heinrich Heine) – à distância de todas as decisões sociais e econômicas que afetam suas próprias vidas. Seu segundo objetivo principal era entregar a classe trabalhadora completamente indefesa para o capital.
Ele e seus seguidores sempre fizeram isso em nome da “liberdade”. Essa palavra corre por toda a obra de Hayek, que seu aluno Milton Friedman chamou de “a batalha pela liberdade”. O significado dessa palavra, no entanto, é a libertação irrestrita do capital, cujo outro lado é a escravidão assalariada. Hayek queria a exploração sem limites. Foi por isso que ele recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 1974 — numa época em que os lucros do capital estavam sendo espremidos — o que, de acordo com a revista conservadora National Interest, fez dele uma “figura cult da direita radical”. Naquele momento, Hayek ainda teve que dividir o prêmio com o economista keynesiano de esquerda Gunnar Myrdal — um sinal de que a crise do fordismo era um processo aberto, com múltiplas saídas possíveis. O prêmio recebido por Friedman em 1976 sinalizou um pouco mais tarde o ponto de virada neoliberal, bem antes de Thatcher e Reagan serem eleitos, com políticas radicalizadas já sendo estabelecidas por seus predecessores.
Hayek odiava a igualdade. Ele só aceitava igualdade perante a lei — uma piada de mal gosto quando o cidadão comum é forçado a processar uma indústria automobilística oligopolista, farmacêutica ou uma corporação hospitalar. Hayek justificava as dramáticas desigualdades econômicas inerentes ao desenvolvimento capitalista — ou seja, o fato descrito por Thomas Piketty, Emmanuel Saez e Gabriel Zucman de que, sem redistribuição massiva, a renda do capital engole a renda do trabalho — com referência a diferenças “hereditárias”. Esse argumento ressoa com a premissa de que as fortunas de Elon Musk, Jeff Bezos, Mark Zuckerberg e os Quandts e Klattens seriam o resultado de conquistas e méritos pessoais.
O radicalismo de mercado encurralado Na década de 1930, como resultado da crise capitalista, de greves em massa e do medo do comunismo pela burguesia, houve uma tentativa nos Estados Unidos de lidar com a gritante desigualdade e tornar mais igualitária a distribuição de riqueza e renda novamente, fortalecendo os direitos sindicais, introduzindo e expandindo e a tributação progressiva da renda e da riqueza, além de expandir o setor público da economia. O presidente Franklin Delano Roosevelt foi confrontado com o fracasso da política liberal de austeridade de seu antecessor Herbert Hoover, que tinha feito o desemprego em massa aumentar para 25%. Naquele momento, de maneira radical, ele passou a taxar toda renda anual acima de US$ 1 milhão em 75%, uma porcentagem que mais tarde chegaria a 91%.
Esse dinheiro foi investido com sucesso em programas de emprego público (Works Progress Administration e Civilian Conservation Corps), na expansão de infraestrutura (eletrificação, rodovias, pontes, metrôs, represas e sistemas de irrigação, etc.), na conservação da natureza (estabelecimento e expansão de parques nacionais), no desenvolvimento de estruturas do Estado de Bem-Estar Social e também na promoção da vida cultural. Se ele tivesse conseguido o que queria, a taxa de imposto nessa faixa de renda teria sido de 100%. Em 1936, o economista John Maynard Keynes, em sua principal obra A teoria geral do emprego, do juro e da moeda — na qual em essência se basearam as políticas econômicas orientadas à demanda do capitalismo fordista (1933–75) —, antecipou a “eutanásia do rentista”, que vive exclusivamente da renda de capital sem qualquer mérito.
Entretanto, o paradigma keynesiano foi substituído pelas ideias neoliberais de Hayek durante a crise do fordismo na década de 1970. O fato de que o próprio Keynes tinha ajudado Hayek a obter uma posição na King’s College em Londres pode ser considerado uma piada de puxada de tapete histórica. Desde então, não faltaram motivos para os rentistas comemorar. De acordo com o Escritório Federal de Estatística, 1% da população alemã hoje vive exclusivamente da renda do capital, ou seja, do trabalho (excedente) de outras pessoas, cujo valor eles se apropriam por meio de lucros e dividendos de ações em empresas listadas na bolsa de valores. Alguns sociólogos já chegaram a acusar a distinção feita pelo Movimento Occupy entre os 99% mais pobres e o 1% mais rico da sociedade como sendo uma simplificação do conceito de classe. Não obstante, na realidade essa distinção estava muito próxima das verdadeiras relações de classe.
De qualquer maneira, foi assim que as gigantescas fortunas bilionárias de hoje foram criadas, o que contrasta com a pobreza relativa e cada vez mais absoluta da população e com o colapso da infraestrutura pública, como escolas, pontes e transporte público. Como Piketty demonstrou, em 2007 a desigualdade atingiu novamente o pico de 1929, na véspera da crise financeira global. Isso não foi coincidência: o capitalismo do mercado financeiro constantemente leva a crises financeiras porque as gigantescas pilhas de capital em busca de oportunidades de investimento lucrativas produzem constantemente novas bolhas especulativas. Além disso, elas também causam crises sociais, onde as políticas públicas criarem novos investimentos por meio da privatização de serviços públicos de moradia, saúde, sistemas de aposentadoria, educação, etc.
Hayek já havia aprendido a odiar políticas como as de Roosevelt na “Viena Vermelha” social-democrata, até seus primeiros anos de universidade na década de 1920. Em 1921, um de seus professores o conectou ao economista austríaco Ludwig von Mises, autor de uma refutação radical ao socialismo chamada Die Gemeinwirtschaft (1922), que então se tornou seu mentor. Em sua obra de 1944 O caminho da servidão, dirigida a um público anglo-americano em meio à Segunda Guerra Mundial, Hayek colocou Roosevelt em estreita proximidade com Hitler: era preciso “declarar a verdade desagradável de que é a Alemanha cujo destino corremos algum risco de repetir”. Certamente “as condições na Inglaterra e nos Estados Unidos” eram diferentes, admitia. Talvez ele quisesse evitar o ceticismo sobre se a extensão do direito de greve para trabalhadores dos EUA era realmente tão semelhante à aniquilação do movimento trabalhista alemão nos campos de concentração nazistas, ou se os programas de emprego público para trabalhadores de todas as etnias eram um Auschwitz americano mas, de acordo com Hayek, essas diferenças não deveriam obscurecer a percepção de “que estamos caminhando na mesma direção”.
Com razão, Hayek via o radicalismo de mercado na defensiva na década de 1940. Embora grandes empresas nos EUA tenham financiado a distribuição em massa de O caminho da servidão, havia uma tendência na direção de uma maior regulamentação do capitalismo e mais planejamento econômico. O capitalismo liberal havia levado à Grande Depressão; a Depressão ao fascismo; e o fascismo à Guerra Mundial. Somente a União Soviética havia se saído bem da crise graças ao planejamento econômico e, embora tivesse emergido a partir de um país em desenvolvimento dependente e atrasado, estava agora no processo de libertar a Europa do fascismo alemão quase que sozinha. Nos Estados Unidos, Roosevelt teve sucesso na implantação de políticas de esquerda. Após a guerra, o socialismo de estilo soviético foi estendido à Europa Oriental, enquanto um governo trabalhista bem à esquerda chegou ao poder na Grã-Bretanha, e os comunistas ganharam força de massas na França e na Itália. Também na Alemanha, imediatamente após 1945, milhões de pessoas em todas as zonas de ocupação convergiram para o movimento trabalhista e até mesmo apoiaram a socialização da indústria de larga escala em um referendo em Hesse, que as forças de ocupação dos EUA impediram. Até mesmo a União Democrata Cristã (CDU) reconheceu em seu Programa de Ahlen que o “sistema econômico capitalista não serviu aos […] interesses do povo alemão”, razão pela qual era necessária uma “ordem econômica socialista”, para além da “busca capitalista de lucro e poder”.
Contrarrevolucionário
Naquele momento, Hayek via a si mesmo como um contrarrevolucionário. Sua utopia estava no passado: o “capitalismo manchesteriano”, com trabalho infantil e jornadas de trabalho de dezesseis horas era seu “Paraíso Perdido”. Reagan disse certa vez que, se tivesse a chance, ele faria a roda da história retornar ao século XIX; e quando ele disse essas palavras, Hayek estava discursando. No entanto, o paraíso estava perdido porque, como o oponente teórico de Hayek, Karl Polanyi, descreveu em seu livro A grande transformação, também publicado em 1944, a imposição de uma ordem de mercado liberal força a sociedade a se defender contra o mercado, diante da exploração da natureza e da “mercadoria fictícia” do trabalho. De acordo com Polanyi, tal ordem “não poderia existir por longos períodos de tempo sem aniquilar a substância humana e natural da sociedade”.
Hayek observou a “Grande Transformação” que ocorreu depois de 1870. Seu reflexo ideológico foi a migração da hegemonia do pensamento do mundo anglo-saxão para o mundo de língua alemã, que ele observou e lamentou: para longe de John Locke e Adam Smith e na direção a Karl Marx e Max Weber. Hayek buscava uma nova “Grande Transformação” de volta ao futuro. Sua obra é uma declaração de guerra contra o socialismo. Para ele, porém, o socialismo já começa com o liberalismo corporativo, que, por medo do movimento dos trabalhadores, tentou conter pelo menos os excessos mais flagrantes do capitalismo com medidas como inspeções de fábrica e a jornada máxima de trabalho estabelecida em lei. Em O caminho da servidão, Hayek chamou isso de “ladeira escorregadia” para o socialismo. Ele dedicou seu livro “aos socialistas de todos os partidos”.
Ainda assim, apesar de toda a sua nostalgia, Hayek também via a necessidade de modernizar o liberalismo clássico. Ele queria um retorno à uma “economia livre”, como ele a chamava, por meio de um sistema político no qual, de acordo com seu biógrafo Bruce Caldwell, “qualquer legislação que tenha como meta uma redistribuição específica de renda seria proibida”. Ele foi confrontado com um problema básico: como impedir que as massas usassem o sufrágio universal que haviam conquistado para reivindicar pelo menos parte do valor excedente desviado pelo capital — ou até mesmo para abolir a propriedade privada capitalista dos meios de produção, na qual o poder do capital se baseia.
Hayek usou um truque de ilusionismo para isso. Ele negava a existência de classes e concebia um indivíduo abstrato, cuja liberdade — exclusivamente negativa — estaria baseada no fato dele não ser controlado pelo Estado. Dessa maneira, ele definia toda política tributária como uma privação de liberdade. Para algumas pessoas — pois ainda há bezerros que escolhem seus próprios açougueiros — esse conceito negativo de liberdade ainda ressoa hoje.Essa ideia mira no adulto que permaneceu uma criança, que reclama contra as expectativas dos pais de que ele lave as mãos antes de comer para não ficar doente, ou de ajudar a arrumar seu próprio quarto para não afundar no caos. Ao mesmo tempo, essa abordagem infantil se conecta com a alienação daqueles isolados na competição capitalista e a transfere para a atitude social-darwinista do “cada um por si”. Os “libertários” (de direita) são, de acordo com um tuíte que se tornou viral em 2023, “como gatos domésticos: absolutamente convencidos de sua feroz independência, ao mesmo tempo em que são totalmente dependentes de um sistema que não apreciam e nem entendem”.
Uma ordem natural?
Em A constituição da liberdade, Hayek propagou o “governo da lei”. Ao contrário de Marx, ele não enxerga o capital nascendo “pingando da cabeça aos pés, de cada poro, com sangue e sujeira”. Para ele, o capitalismo não faz parte de um processo gradual geral de relações de produção criadas e transformadas de maneira revolucionária, uma sociedade de transição que cria as condições para uma sociedade socialista desenvolvida. Em vez disso, ele considera o capitalismo como sendo uma economia de mercado “natural”. Basicamente, a disputa entre marxistas e Polanyi, de um lado, e neoliberais como Hayek, de outro, também tem a ver com qual ordem seria realmente “antinatural”: o socialismo ou o “livre mercado”. Frequentemente, Hayek e seus discípulos se contradizem quando às vezes, como faz Friedman na introdução à nova edição em inglês de O caminho da servidão, descrevem o mercado como sendo o “senso comum” e, em outras vezes, o socialismo como sendo a reação emocional natural ao capitalismo e o radicalismo de mercado como um raciocínio altamente intelectual.
Segundo Hayek, a civilização (de mercado) surgiu de “hábitos inconscientes” que foram transformados em “declarações explícitas e articuladas” e que, portanto, tornaram-se cada vez mais “abstratas e gerais”. Referindo-se à tese de Smith sobre a “mão invisível”, ele escreve que “os esforços espontâneos e descontrolados dos indivíduos foram capazes de produzir uma ordem complexa de atividades econômicas”. Uma constituição deveria limitar o Estado a supervisionar as regras do mercado e proteger a propriedade privada capitalista. A democracia e as decisões por maiorias são intrinsecamente disruptivas neste sistema. Como o mercado tenderia a um equilíbrio estável — a alocação ótima de recursos e a autorregulação da economia — não haveria falhas no mercado. Em vez disso, o Estado seria a causa de todo e qualquer problema.
Hayek rebateu o argumento de que a utopia dos neoliberais havia sido refutada pela distopia do capitalismo de Manchester com o argumento de que na verdade a penúria do século XIX não seria uma consequência das políticas econômicas liberais – e que ela nem mesmo seria uma miséria genuína. Em vez disso, o aumento da “riqueza das nações” provocado pelo mercado teria apenas aumentado as expectativas de prosperidade dos “grandes grosseirões” e levado à descoberta de “pontos bastante sombrios na sociedade”. Na realidade, porém, não haveria “nenhuma classe que não tenha se beneficiado substancialmente do avanço geral”. Ele explicou a contradição de um forte movimento trabalhista emergindo em reação às imposições do capitalismo liberal dizendo que a implementação do “livre mercado” não teria sido radical o suficiente e que seu avanço fora “lento” demais.
A argumentação dele é fundamentalmente antidemocrática. Basicamente, as sociedades lhe parecem — não por coincidência — crianças ingratas que exigem cada vez mais. Na sua opinião, foi a “ambição sem limites” delas que, “aparentemente justificada pelas melhorias materiais já alcançadas” causou uma mudança onde “se aproximando da virada do século, a crença nos princípios básicos do liberalismo foi sendo cada vez mais renunciada”. Além disso, o socialismo também seria culpa de intelectuais que seduzem os trabalhadores para algo que seria estranho à sua natureza — o coletivismo, ao invés do individualismo. O socialismo e tudo o que há de “comunística” (Michael Brie), que teriam suas raízes no cristianismo e em todas as religiões do mundo que tem dado forma à história humana, seriam na verdade uma rejeição das “tradições morais geradas espontaneamente e subjacentes à ordem competitiva do mercado”, escreve Hayek em Arrogância fatal (1988). O socialismo seria “um sistema moral projetado racionalmente […] cuja atração depende do apelo instintivo de suas consequências prometidas”. Além disso, ele reclamava que “quanto mais subimos na escada da inteligência, quanto mais conversamos com intelectuais, é mais provável que encontremos convicções socialistas”.
Em última análise, o radicalismo de mercado deve sua sobrevivência ao fato de que, por mais destrutivo que seja, ele inevitavelmente provoca um contramovimento que re-regula o capitalismo. Isso significa que os neoliberais conseguem manter e se apegar à sua visão do efeito de “melhoria da humanidade” de mercados “livres”. Eles sempre podem alegar que sua utopia ainda não foi totalmente realizada em lugar nenhum.
Mas voltando à “constituição da liberdade”: as regras a serem monitoradas por ela devem ser apenas “abstratas, gerais e impessoais”. Para Hayek, o “governo da lei” (ou “estado de direito”) é fundamentalmente incompatível com políticas de redistribuição em favor da “justiça social”. Políticas fiscais e regulamentações já aparecem em O caminho da servidão como regras arbitrárias, e o Estado de Bem-Estar Social como totalitarismo. A tentativa histórica contrafactual de Hayek de retratar o fascismo e o comunismo não como inimigos mortais mútuos, mas como irmãos no interior de uma mesma família de “coletivismo”, também se baseia nisso. Sempre que libertários de direita hoje enfatizam que Adolf Hitler era, no fim das contas, um “‘nacional’-socialista”, estamos lidando com um bingo de besteiras inspirado em Hayek.
Liberalismo autoritário Como um liberal clássico, Hayek seguia a teoria de Locke, que defendia os interesses das classes proprietárias com o argumento de que cada pessoa deveria ter permissão para tomar posse de toda a riqueza do ambiente natural de que fosse capaz de se apropriar. Já Pierre-Joseph Proudhon, um dos primeiros teóricos socialistas, afirmou certa vez que “A propriedade é um roubo”. Hayek argumenta contra ele: não só a socialização, mas até mesmo a tributação seria um roubo.
O capitalismo realmente existente seguiu sendo o calcanhar de Aquiles de Hayek. A desigualdade que ele precisa justificar não é só o resultado do desempenho. Ele reconhecia “acidentes do ambiente” – que significam que qualquer pessoa que herde milhões ou até bilhões quando criança e que “faça com que esse dinheiro ‘trabalhe’ por eles” não precise ser nenhum novo Einstein. Só que “talento natural e habilidades inatas” também são “vantagens injustas”. O “desejo de eliminar os efeitos do acidente, que está na raiz da exigência de ‘justiça social’, pode ser satisfeito […] apenas eliminando todas aquelas possibilidades que não estão sujeitas ao controle deliberado. Mas o crescimento da civilização depende em grande parte de que os indivíduos façam o melhor uso possível de quaisquer acidentes que encontrem.” Hayek chama isso de “liberdade perante a lei”, que ele chama de sua “preocupação central”. Qualquer igualdade que não seja a “igualdade das regras gerais de direito e conduta” seria equivalente a “destruir a liberdade”.
Preservar a “ordem” (do capitalismo) e suas “regras” (de mercado) era uma coisa sacrossanta para Hayek, não importa o que o “demos” possa desejar. Pelo contrário, para Hayek os esforços do povo para determinar seu próprio destino seriam mera tirania. Hayek, seu professor Ludwig von Mises e seus alunos como Friedman e James Buchanan — em suma, as mentes do neoliberalismo — enfrentavam o mesmo problema que Carl Schmitt e o fascismo. O fato deles terem observado uma conexão histórica entre o crescimento da democracia de massas e a superação do liberalismo econômico significou que o legado antidemocrático do liberalismo clássico foi continuado em seu pensamento — e que a história real do neoliberalismo também está intimamente vinculada com o autoritarismo.
O neoliberalismo e o fascismo são formas de pensamento burguês em reação à democracia de massas e ao socialismo. Ambos são maneiras de enfrentar o mesmo problema: sob as condições do sufrágio universal, como evitar que as massas possam repentinamente imaginar a ideia de combater a escassez de casas e a loucura dos aluguéis com moradias sociais; de fornecer alimentos, saúde, educação e transportes básicos como bens públicos gratuitos ou subsidiados, correspondendo a direitos humanos básicos ao invés de tratá-los como mercadorias; ou mesmo a ideia de transformar a propriedade privada capitalista da terra, indústria e bancos em seu próprio interesse, para que uma economia socializada possa servir ao povo e não o contrário. Pensadores fascistas como Schmitt buscavam abolir o sufrágio universal em favor de uma ditadura (presidencial) completa. Hayek, escrevendo para a burguesia anglo-americana da coalizão anti-Hitler, sabia muito bem que essa batalha já estava perdida. Em vez disso, ele se concentrou na neutralização do processo democrático. Hayek é o principal teórico da “pós-democracia” (no adequado termo de Colin Crouch). Seu trabalho teórico pode ser resumido à busca por meios para estabelecer a ditadura do capital sem uma ditadura política permanente. Portanto, ele se concentra em restringir de maneira fundamental o escopo para os governos eleitos. Sua teoria remove sistematicamente a soberania deles sobre a política financeira e econômica. Comparado a Schmitt, isso, em última análise, torna Hayek o contrarrevolucionário burguês mais inteligente. Ainda assim, ele também permanecia aberto à ditadura total a fim de vencer a guerra contra a democracia, as massas e as instituições de Bem-Estar Social.
Hayek descobriu aquilo que procurava na tradição teórica liberal — Montesquieu, Benjamin Constant e Locke — e na história dos EUA. Na Constituição dos EUA de 1776, ele encontrou a solução definitiva para o problema da burguesia, mesmo sendo uma minoria social, conseguir determinar a política do Estado. Como os historiadores demonstraram Charles Beard e Terry Bouton, a Constituição dos EUA surgiu no mesmo espírito, como um produto da contrarrevolução contra o “momento democrático” da guerra revolucionária anticolonial da época, que tornou o sufrágio universal incontestável.
Um dos primeiros observadores de como as constituições podem corroer a democracia foi Polanyi, quando escreveu que os Estados Unidos “isolaram por completo a esfera econômica da jurisdição da Constituição, colocando assim a propriedade privada sob a maior proteção concebível e criando a única sociedade de mercado [capitalista] legalmente estabelecida no mundo. Apesar do sufrágio universal, os eleitores americanos eram impotentes contra as classes proprietárias.” Já em 1939, Hayek havia argumentado em A liberdade e o sistema econômico que “podemos ‘planejar’ um sistema de regras gerais que se apliquem igualmente a todos e que sejam projetadas para permanecer permanentes.” O que já devia se aplicar aos indivíduos passava agora também a ser vinculativo para as democracias parlamentares.
Constituição econômica
Hayek e seus alunos usaram dois mecanismos para estabelecer o desenvolvimento social orientado ao mercado: primeiro, por meio de constituições (econômicas) juridicamente vinculativas e, segundo, o enfraquecimento sistemático das competências de política econômica e financeira do Estado-nação por meio de uma política de federalização. Tanto a centralização quanto a descentralização, portanto, tinham um papel a desempenhar: por um lado, a centralização dos poderes de tomada de decisão em órgãos antidemocráticos como os bancos centrais, que foram declarados “independentes”, – ou seja, deixaram de prestar contas, responder a demandas e de serem controlados democraticamente – e em tratados internacionais por um status constitucional que seja juridicamente vinculativo sobre os Estados; e, por outro, a descentralização em favor de aparatos estatais locais com poucos poderes fiscais (e etc) de direção e controle.
Historicamente, a “internacionalização do Estado” (Robert W. Cox) se tornaria a ferramenta essencial do “novo constitucionalismo” (Stephen Gill) baseado em Hayek. Isso equivalia à restrição de estados-nação por meio de constituições juridicamente vinculativas em nome do capitalismo mundial, como o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) e a Organização Mundial do Comércio (OMC), acordos de proteção de investimentos, a constituição econômica da UE com seus critérios de convergência neoliberal (“emendas constitucionais de equilíbrio orçamentário”, etc.) e órgãos que estão além da influência dos parlamentos nacionais, como o G7 e a Comissão Europeia.
O novo constitucionalismo, portanto, fortaleceu o poder estrutural do capital – ou seja, sua mobilidade -, o que serve para forçar subsídios de Estados e concessões de política salarial dos sindicatos em um ciclo perpétuo, e para permitir a fuga de capital e, como resultado, a queda de governos se eles planejarem redistribuição ou socialização. Também fortaleceu os ministérios (especialmente os de finanças) mais próximos desse sistema, às custas de portfólios econômicos, trabalhistas e sociais.
Hayek assentou, assim, os alicerces essenciais para um sistema de mercado sem alternativas, com regras que os governos nunca deveriam questionar, sob o risco de ter de enfrentar a própria queda. Foi seguindo o espírito de Hayek que foram criadas as regras da OMC sobre o tratamento igualitário do capital nacional e internacional, tornando impossível para os Estados dependentes lutarem pela independência. Ele criou a base para o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS) sobre a proteção dos “direitos de propriedade intelectual”, permitindo que as empresas farmacêuticas monopolizassem até mesmo plantas e sementes, não importa quantas centenas de milhares de agricultores indianos cometam suicídio como resultado. Hayek pode, em última análise, ser creditado por acordos de proteção de investimentos, como o Acordo Integral de Economia e Comércio (CETA) e a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP), com base nos quais as corporações transnacionais podem processar os Estados em busca do pagamentos de indenizações horrorosas por perdas futuras de lucros de capital se eles tomarem decisões democráticas, como a proibição do cigarro ou a eliminação gradual da energia nuclear.
Além dessa desdemocratização, Hayek também desenvolveu outro meio de tornar completa a ditadura do capital, a federalização. Com base na premissa de que “a criação de um Estado mundial [democrático] provavelmente representa um perigo maior para o futuro da civilização do que a guerra”, Hayek e, em seu rastro, Buchanan buscaram a descentralização sistemática das funções governamentais, uma “economia política de federalismo aberto” (Adam Harmes) e a “competição entre governos locais”. Hayek escreve:
Temos ainda que aprender como limitar de forma eficaz os poderes de todo governo e como dividir esses poderes entre os níveis de autoridade […] A criação de um Estado mundial provavelmente representa um perigo maior para o futuro da civilização do que até mesmo a guerra […] Embora tenha sempre sido característico daqueles que preferem um aumento nos poderes governamentais apoiar a concentração máxima desses poderes, aqueles principalmente preocupados com a liberdade individual geralmente defendem a descentralização.
Hayek reconhecia o potencial para a disciplina orçamentária dos governos locais quando eles competem entre si por capital e pelos seus investimentos diretos, que não são mais restritos por controles de capitais.
O mesmo princípio de descentralização também se mostrou útil em termos de fazer secar o odiado Estado de Bem-Estar Social, porque as autoridades locais geralmente são incapazes de satisfazer a pressão da sociedade por moradia social, melhores escolas, lares para pessoas com direito a asilo, etc. — fazendo com que, em resposta, eles pudessem simplesmente apontar para suas mãos atadas pela política fiscal. Durante a crise financeira global, os estados individuais dos EUA foram forçados por freios de dívida regionais a escolher entre aumentos de impostos ou cortes sociais. Os cortes sociais são, portanto, estruturalmente incorporados nas constituições.
A liberdade para poucos
Hayek provou ser, portanto, a arma mais afiada da hostilidade burguesa à democracia. A “democracia compatível com o mercado” exigida pela chanceler alemã Angela Merkel na esteira da crise da zona do euro, que se submete aos mercados financeiros internacionais, é baseada no seu pensamento.
Teorizar a ditadura do capital em um sistema de sufrágio universal e, assim, encontrar uma audiência entre a burguesia durante a crise do fordismo dos anos 1970 foi o triunfo histórico de Hayek — o tornando o mais poderoso propagandista da liberdade para poucos às custas da falta de liberdade para muitos. Hoje, o liberalismo reivindica para si o conceito de liberdade, mas Hayek ainda estava ciente de sua natureza controversa. Não há “nenhuma dúvida de que a promessa de maior liberdade se tornou uma das armas mais eficazes da propaganda socialista”. Essa liberdade mais ampla de fato só pode acontecer por meio do socialismo: como liberdade em relação à exploração e ao tempo não-livre, que é o pré-requisito para uma vida autodeterminada para todos aqueles que têm que viver do seu trabalho assalariado.
A hostilidade elitista de Hayek à democracia sugere que o radicalismo de mercado não pode ser do interesse da maioria da classe assalariada. Mesmo que ele não tenha chegado a conclusões fascistas — Mises em 1927 ainda havia dado as boas vindas ao fascismo como a “salvação da civilização europeia” — ele, não obstante, assumiu que a contrarrevolução contra o Estado de Bem-Estar Social provavelmente teria que ser ditatorial porque, de acordo com sua teoria da “sobrecarga” junto de Buchanan , as massas nunca votariam contra o assistencialismo. Hayek, assim, exigia na década de 1970 que os “destinatários líquidos de transferência” – ou seja, todos os funcionários do setor público, todos os aposentados e todos os trabalhadores desempregados – fossem privados do direito de votar.
Os neoliberais, por conseguinte, também apoiaram diretamente o golpe contra o socialismo democrático no Chile em 1973 e a ditadura militar de Augusto Pinochet. Somente Thatcher e seu “populismo autoritário”, que combinava o desmantelamento do Estado de Bem-Estar Social com apelos nacionalistas e com a guerra – e, portanto, basicamente combinava Hayek com Schmitt – viria a demonstrar, seis anos mais tarde, que o neoliberalismo era possível mesmo se o sufrágio universal fosse mantido. Porém, ainda em 1981 Hayek declarou em uma entrevista que sempre preferiria uma ditadura de mercado a uma democracia de Estado de Bem-Estar Social. “A concorrência”, disse Hayek, “ ao fim e ao cabo, é sempre um processo no qual um pequeno número de pessoas torna necessário que números maiores façam o que não gostariam de faze, seja trabalhar mais, mudar hábitos ou dedicar um grau de atenção, aplicação contínua ou regularidade ao seu trabalho que sem a concorrência não seria necessário.”
Hayek duvidava que “um mercado funcional já tenha surgido sob uma democracia ilimitada”. A esse respeito, ele certamente tinha razão.
Nas eleições de 2024, a Unidade Popular (UP) será um dos partidos com maior proporção de pretos disputando um cargo. De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 32,73% dos candidatos da UP se autodeclaram pretos, uma porcentagem 3 vezes maior do que a média dos demais partidos que estão participando da disputa: apenas 11% dos candidatos a prefeito e vereador nas eleições deste ano são pretos.
O cenário reflete as consequências de séculos de opressão e exploração, da escravidão no passado à exclusão e marginalização social na atualidade, que ainda se põem como barreiras à participação política da população negra.
No 13º ponto de seu programa político, a Unidade Popular defende o “fim do racismo e da discriminação dos negros”. Com a ampla presença dos pretos – especialmente jovens e mulheres – em suas chapas por todo o país na eleição de 2024, o partido demonstra mais uma vez o seu compromisso com a libertação negra e popular no Brasil. O jornal A Verdade conversou com algumas das candidatas da UP para apresentar suas lutas contra o fascismo e em defesa dos direitos da classe trabalhadora e do socialismo.
Candidaturas de luta Na capital mais negra do país, Salvador (BA), a UP se destacou por lançar uma chapa 100% composta por negros para prefeitura, vice-prefeitura e vereança, com o objetivo de agitar seu programa socialista e antifascista na eleição municipal. Compõem a chapa Willian Santos do MLB, candidato a vereador, Giovana Ferreira, candidata à vice-prefeitura, e Eslane Paixão, candidata a prefeita.
“No caso de Salvador, que é a cidade mais negra fora da África, ter uma candidatura de uma mulher preta, pobre e periférica comprometida com um programa revolucionário só reafirma o nosso compromisso com a luta daqueles que são mais explorados pelo sistema capitalista, ainda mais nesse contexto em que os candidatos da UP não vão ter os bilhões que os candidatos da burguesia vão ter à sua disposição nessa eleição“, disse Eslane, de 31 anos. Além de candidata, a baiana é militante do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) e ajudou a organizar na cidade a Ocupação Luiza Mahin, nomeada a partir de uma grande liderança da luta contra a escravidão naquele estado no século XIX.
Em Caruaru (PE), no Agreste pernambucano, a estudante Maria Santos, de 23 anos, é o nome da UP para a batalha eleitoral contra as oligarquias. “Aqui no município, só tem uma candidatura de mulher negra à prefeitura: a da Unidade Popular. O nosso objetivo com essa candidatura é organizar o povo, impulsionar a sua luta e mostrar uma alternativa concreta de mudança da realidade, que é o socialismo”, aponta a estudante.
Já na capital pernambucana, Recife, a candidata será a enfermeira Ludmila Outtes, de 36 anos. A liderança da UP também é a atual presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Estado de Pernambuco (SEEPE), posição da qual liderou mobilizações que resultaram em importantes conquistas para a classe, como o Piso Salarial e a sala de descanso exclusiva para a enfermagem nas instituições de saúde. Na própria categoria de que Ludmila faz parte, 80% das trabalhadoras são mulheres, das quais 65% são negras, como ela.
Agitar o socialismo nas eleições Também na disputa pelo Poder Legislativo, a UP construiu chapas com importante participação dos pretos e das pretas entre os candidatos, particularmente os jovens, devido a seu papel central na mobilização cotidiana contra o fascismo e pelo socialismo no Brasil.
Um dos mais importantes exemplos vem do Sul do país: Amanda Wenceslau, de 22 anos, concorrerá à vereança em Florianópolis (SC) para defender os direitos da juventude negra catarinense. “Em um estado como Santa Catarina, que registra 6 injúrias raciais por dia, ter uma candidatura de uma jovem preta na capital é um desafio, mas mostra qual é o lugar que a gente tem na UP e na luta pelo socialismo”, explica a estudante de Saneamento no IFSC e diretora da Federação Nacional dos Estudantes em Ensino Técnico (FENET).
Na cidade operária de Mauá (SP), a UP lançou a candidatura de Selma Almeida, que é liderança da Ocupação Manoel Aleixo do MLB e coordenadora nacional da Central de Movimentos Populares (CMP). Ao jornal A Verdade, ela disse: “Nós que somos candidatos da UP sofremos o que todo mundo sofre. Ando de ônibus, uso o SUS e estou há seis meses esperando um especialista. A Unidade Popular é esse partido de lutas que quer chamar o povo às ruas para reivindicar os seus direitos e construir o socialismo. Eu me sinto muito honrada de carregar essa bandeira”.
Por isso, as candidatas entrevistadas ressaltam que a Unidade Popular quer utilizar o espaço das eleições para convocar os milhões de brasileiros explorados a lutar por grandes transformações econômicas e sociais no país. “A UP é um partido que vai organizar não só o povo negro, mas as mulheres, a classe trabalhadora, os pobres, todos os que estão sofrendo com a desigualdade no capitalismo”, defende a pernambucana Maria Santos.
Hayek teorizava sobre a necessidade de manter as massas afastadas das alavancas do poder estatal — e ainda fazia isso em nome da defesa da "liberdade".
Hayek é o principal teórico da “pós-democracia” (no adequado termo de Colin Crouch). Seu trabalho teórico pode ser resumido à busca por meios para estabelecer a ditadura do capital sem uma ditadura política permanente. Portanto, ele se concentra em restringir de maneira fundamental o escopo para os governos eleitos. Sua teoria remove sistematicamente a soberania deles sobre a política financeira e econômica.
Texto de Ingar Solty, pesquisadora no Instituto de Análise Social Crítica da Fundação Rosa Luxemburgo, em Berlim. Tradução de Everton Lourenço.
A Extrema-direita, em sua infeliz irracionalidade e natureza animalesca, rapidamente descarta aqueles que caem, relegando-os ao esquecimento. Não é de se surpreender que o líder politicamente moribundo corra o mesmo risco. Entretanto, uma nova fera, aparentemente mais viril, já se apressa em reivindicar os despojos, neste caso o gado que, previsivelmente, se ajoelhará para o novo líder e a inevitável "chupada" será, sem dúvida, de uma intensidade digna de registro.
Há investigações em curso no PRTB, o partido de Pablo Marçal. Dois ex-aliados do presidente do partido, Tarcísio Escobar e Júlio César Pereira, estão sendo investigados pela polícia. Rumores indicam que eles estariam envolvidos em um esquema de troca de veículos de luxo por drogas com o PCC.
🇧🇷 EMBLEMÁTICO BRASIL PROVA SUA LIDERANÇA NA AMÉRICA DO SUL:
Em 1º de agosto, o Brasil assumiu a custódia da embaixada da Argentina na Venezuela, o que sinalizou um evento proeminente que destaca a importância emergente do Brasil na América.
Nos últimos dias, a esquerda tem dado muita atenção e visibilidade às falas do presidente da Venezuela, o que pode acabar fortalecendo a extrema-direita.
Essa abordagem não parece ser muito produtiva, pois apenas dar munição para os extremistas de direita.
Existe uma tática comum nas redes sociais, utilizada por alguns influenciadores quando cometem algum deslize: desaparecer por um tempo e ressurgir quando o assunto já não é mais tão discutido.
Os bolsonaristas, por sua vez, por vezes adotam uma estratégia semelhante: fingir-se de mortos, evitando comentar sobre determinados temas, para não fortalecer o discurso do lado oposto.
Muitas vezes essa é uma atitude inteligente, mas qual a sua opinião ?
É muito importante que todos aqui estejam a par do que foi discutido na última cúpula da OTAN em Washington
Representa a maior ameaça a paz mundial desde o final dos anos 30. Vou fazer o resumo dos principais pontos:
O capitalismo está em crise e a hegemonia do Império Americano está ameaçada, obviamente o império não vai cair sem antes lutar. A última cúpula foi o aprofundamento da crise global e a aproximação do mundo de mais uma guerra global.
Os ricos do ocidente estão dispostos a levar o mundo a uma guerra de proporções monstruosas para garantir sua hegemonia global.
Vamos aos pontos:
- A Rússia foi destacada como a maior ameaça aos aliados. Foi celebrado a entrada da Suécia e da Finlândia na aliança e falado abertamente que com os dois países será possível controlar a Rússia no báltico e no mar do norte.
- Afirmaram que a entrada da Ucrânia na aliança é irreversível
- Os países aliados concordaram em financiar a Ucrânia em 40 bilhões de dólares.
- Foi autorizado o maior exercício militar em solo europeu desde a guerra fria. Um total de 90 mil soldados da OTAN farão um exercício colossal ainda esse ano. A ideia é demonstrar força contra a Rússia
- Foi elogiado que todos os membros alcançaram a meta de ter pelo menos 2% do seu PIB em gastos militares. Foi pontuado que isso não basta, os países membros precisam se armar ainda mais rápido e aumentar seus exércitos.
- Foi acordado em ampliar a base britânica na ilha do Chipre, base utilizada para proteger Israel, ameaçar o Líbano e a principal base que ataca o Yemen atualmente.
- A OTAN recebeu também líderes da Austrália, Nova Zelândia, Japão e Coreia do Sul, o que está sendo chamado de a OTAN do Pacífico. Foi aprovado o envio de submarinos nucleares para a Coreia do Sul e para a Austrália. Além da ampliação de exercícios militares no estreito de Taiwan e na península coreana
- Foi também acordado em construir mais bases militares nas Filipinas e no treinamento dos exércitos dos países ocupados pela OTAN no Pacífico e seus aliados para uma eventual guerra.
- Será também aberto um gabinete de ligação em Amã, Jordânia. A Ideia é ampliar a presença da aliança no país e garantir a segurança de Israel e pressionar ainda mais o Irã.
- Foi elogiado também o maior gasto militar da história recente na Europa em 2023.
A Coalizão Negra por Direitos lançou, na noite de terça-feira (16), em Brasília (DF), a campanha Quilombo nos Parlamentos - Eleições 2024. A ação busca ampliar a presença de pessoas negras nos parlamentos, comprometidas com a agenda do movimento negro, e com as lutas por justiça racial, de gênero, climática e econômica.
De acordo com a organização, em 2022, a iniciativa apoiou 144 candidaturas do movimento negro, que receberam mais de 4 milhões de votos, ou seja, 3,46% dos votos válidos. Destas, 29 foram eleitas para cargos legislativos federais e estaduais, o que representou 20% do total de candidaturas comprometidas com a agenda da Coalizão.
Mariana Andrade, da Frente de Mulheres Negras do Distrito Federal, uma das mais de 290 organizações que compõem a Coalizão Negra por Direitos, comenta que, em 2024, a campanha chega com uma estratégia renovada e com a expectativa de resultados ainda melhores do que os alcançados em 2022.
"Agora a gente vem entendendo um novo cenário, uma nova conjuntura, nova lei, e tudo isso que tem acontecido", afirmou. "A expectativa da campanha é que a gente tenha mais pessoas apoiadas. A gente tem várias organizações na Coalizão Negra por Direitos fazendo o trabalho de acompanhar frontalmente as campanhas e, obviamente que, lá na frente, como resultado, a gente deve ter mais pessoas negras comprometidas com as nossas pautas", avalia.
A diretora-executiva do Instituto Marielle Franco, Lígia Batista, lembrou que essas serão as primeiras eleições municipais, desde o assassinato da vereadora carioca, sob vigência da lei de combate à violência política de gênero (Lei 14.192/2021), aprovada em 2021. E cobrou o compromisso dos partidos, principalmente do campo da esquerda, com o enfrentamento do tema no interior das agremiações.
"Sem um enfrentamento à violência política, de gênero e de raça, sem um movimento de mudança de cultura política, a gente não consegue efetivamente produzir soluções para o futuro. Então é fundamental que esse também seja um momento para que a gente veja um compromisso com o enfrentamento à violência política na ordem do dia, na reflexão sobre como os estatutos dos partidos se estabelecem", defendeu.
PEC da anistia
Tema presente nos debates durante o evento de lançamento da campanha Quilombo nos Parlamentos foi a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 9, conhecida como a "PEC da anistia", que libera de multas partidos que não cumpriram as cotas de gênero e raça nas eleições.
Segundo os movimentos sociais, a PEC que tramita no Congresso invalida uma série de conquistas, resultado da luta de setores sociais por maior participação nos espaços políticos, explica Ingrid Farias, integrante da coordenação da Coalizão Negra por Direitos.
"Essa PEC ataca diretamente esse direito que foi conquistado, de acesso a cotas, de acesso ao fundo partidário, tempo de TV e tantas outras garantias previstas ao longo dos anos com a luta da população negra, das mulheres, do povo indígena", avalia.
Além disso, a medida representaria um forte impacto financeiro para o Estado, já que o perdão das dívidas dos partidos irregulares pode chegar a R$ 23 bilhões em recursos públicos.
"A gente está falando do maior fundo eleitoral da história do Brasil. São mais de R$ 4 bilhões destinados diretamente para os partidos fazerem o que quiserem com esse dinheiro. Isso não pode acontecer. Esse dinheiro, que é público, que vem dos cofres públicos, de, nós, contribuintes, precisa ser regulado. Os partidos não podem distribuir isso ao seu bel-prazer, como quiserem”, afirmou Farias, que ainda cobrou das instituições de controle e fiscalização que façam seu trabalho em relação às possíveis fraudes no uso dos recursos.
A socióloga baiana e reconhecida ativista pelos direitos da população negra Vilma Reis, presente no debate, usou palavras da filósofa e escritora Sueli Carneiro para denunciar o caráter racista da PEC. “A PEC 09 é racismo em estado puro. É a baba do racismo escorrendo pelas paredes do Congresso Nacional”, afirmou.
Reis defendeu que, caso a proposta seja aprovada pelo Congresso, ela deva ser questionada judicialmente pelas organizações do movimento negro. "Nós estamos em Brasília e a gente não veio aqui para dar voltinha. Onde a gente pisar vai ter desobediência ao racismo, à misoginia, à LGBTfobia. E desobediência a essa lei e a essa ação absurda de desarticular as lideranças negras que têm feito um esforço muito grande para ocupar os espaços de poder. Nós não estamos aqui para fazer papel de manso, papel de gente obediente. O que nos mantém vivas é exatamente a desobediência ao racismo", declarou.
Manifesto
As organizações da Coalizão Negra por Direitos divulgaram um manifesto com uma apresentação da campanha, suas diretrizes e as principais linhas de atuação para as eleições municipais deste ano.
De acordo com o texto, trata-se de uma "iniciativa suprapartidária" que tem como centralidade o debate racial e busca ampliar a "representatividade de pessoas negras do campo progressista" nos espaços de decisão política.
"Apresentamos para a sociedade candidaturas negras comprometidas integralmente com o avanço da luta contra o racismo e contra todas as outras formas de discriminação, com a promoção da cidadania e bem-estar social para superação das desigualdades e a efetivação de liberdades e direitos", diz o texto.
O manifesto afirma ainda que, para além da ampliação da representação negra nos espaços de decisão, a campanha busca "garantir que as pautas do movimento negro relativas à justiça racial, social e de gênero – refletidas na agenda da Coalizão Negra por Direitos - tenham defensores nas Câmaras Municipais e Prefeituras".
"Ou seja, não se trata apenas de obter paridade racial, mas de eleger pessoas com histórico de comprometimento com o combate às desigualdades e ao racismo e com a construção de um outro projeto de país democrático", destaca o documento.
Recomendações
A Coalizão Negra por Direitos divulgou ainda seis recomendações aos partidos políticos, ao sistema de Justiça e às organizações da sociedade civil comprometidas com a pauta do movimento negro no Brasil.
Entre elas, a criação de Comissões Permanentes de Heteroidentificação na Justiça Eleitoral Regional, o estabelecimento de canais e fluxo de recebimento de denúncias, assim como a abertura de processos investigativos contra quem pratique atos de violência política de gênero e raça no país. Heteroidentificação é um procedimento que complementa autodeclaração e consiste na percepção de outras pessoas sobre a autoidentificação étnico-racial.
Outra recomendação é a promoção de campanhas para o enfrentamento à violência política de gênero e raça contra mulheres cis, trans e travestis. O movimento defende ainda uma atuação pelo efetivo funcionamento da legislação de enfrentamento à violência política, racial e de gênero e a adequação do estatuto partidário ao disposto na Lei 14.192/2021, estabelecendo mecanismos para prevenção e enfrentamento da violência política no interior dos partidos.
Finalmente, a Coalizão cobra das instituições da Justiça Eleitoral atuarem pelo cumprimento da distribuição equitativa de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha Eleitoral e do tempo de propaganda eleitoral em TV e rádio para candidaturas negras.
Em 8 de julho de 1972, o escritor palestino Ghassan Kanafani saiu de seu apartamento em um subúrbio de Beirute, entrou em seu Austin 1100 e ligou a ignição. Uma granada contendo uma bomba plástica de três quilos, plantada atrás do para-choque por agentes do Mossad, detonou, abalando todo o bairro. Kanafani foi incinerado instantaneamente, junto com sua sobrinha de dezessete anos, Lamis Najim. Ele tinha apenas trinta e seis anos.
Foi uma trágica ironia que Kanafani tenha sido assassinado em seu carro. Seu livro “Men in the Sun” (Homens ao sol) , uma odisseia de refugiados que conta o exílio dos palestinos após a Nakba, termina com a morte de refugiados palestinos no interior de um caminhão no coração do deserto árabe, culminando no grito memorável de Abu al-Khaizuran: “Por que vocês não bateram nas paredes do caminhão?!” O apelo da história de Kanafani tem sido tão duradouro que dificilmente se pode assistir às imagens horríveis que se desenrolam hoje em Gaza, com mais de um milhão de palestinos deslocados abrigados em tendas batidas pelo sol sem ter para onde ir, sem evocar a cena final de Men in the Sun.
Para o exilado Kanafani, a morte foi a etapa final da jornada do deslocamento palestino. Isso o assombrou, tanto na ficção quanto na vida real. Sua morte foi orquestrada pelas mesmas forças que o haviam despossuído.
A odisseia pessoal de Kanafani começou durante a Nakba, quando ele e sua família foram forçados a fugir de sua cidade palestina, Akka (Acre), tornando-se refugiados vitalícios. Iniciando uma jornada longa e tortuosa, o jovem refugiado de doze anos vagaria de Damasco a Kuwait e Beirute, raramente parando para compreender a profundidade de sua perda. Ele nunca retornou à Palestina, exceto em sua ficção.
“Returning to Haifa” (Retorno a Haifa) de Kanafani conta a história de um casal palestino, Said e Safiyya, que retorna à sua casa ocupada na cidade caída em busca de seu filho perdido, Khaldun — apenas para ser confrontado pelos novos proprietários israelenses, preparando o cenário para um drama familiar envolvente que deixa seu protagonista palestino totalmente desiludido. No final das contas, Kanafani nunca voltou verdadeiramente à Palestina, nem mesmo completamente na ficção. De fato, quando Safiyya pondera: “Nunca imaginei que veria Haifa novamente”, Said retruca amargamente: “Você não está vendo; eles estão mostrando para você.” Sua conclusão final: “Eu conheço esta Haifa, mas ela se recusa a me reconhecer.”
Nas histórias posteriores de Kanafani, a Palestina se torna uma miragem distante, “The Land of Sad Oranges” (A Terra das Laranjas Tristes), como é intitulada uma de suas histórias, e tudo o que resta aos palestinos é vagar entre fronteiras e desertos, onde apenas a morte respira. Em “All That’s Left to You” (Tudo o que te resta), que replica a alegoria do deserto de “Men in the Sun”, o deserto entre Gaza e Jordânia se torna “um lugar onde apenas o brilho da morte sobrevive — o silencioso ponto de encontro do protagonista palestino e o soldado israelense”, como cita o escritor palestino Elias Khoury, autor de Gate of the Sun (Porta do Sol).
Mas nem tudo foi sombrio. Enquanto os homens de Kanafani pereceram no deserto, a revolucionária mãe palestina Umm Saad, a heroína titular de “Umm Saad“, retoma o manto da resistência. O grito final da heroína é de esperança e renovação: “Uma cabeça verde brotando através da sujeira com vigor que tinha uma voz própria. A videira está florescendo, a videira está florescendo!”
Kanafani lutou com sua caneta, tanto como escritor quanto como porta-voz da Frente Popular para a Libertação da Palestina. Ele era, como um obituário descreveu, “um comando que nunca disparou uma arma”. Um escritor revolucionário nascido na véspera da Grande Revolta Palestina, Kanafani defendeu a resistência e a libertação palestinas. Isso eventualmente o colocou na mira dos agentes do Mossad, que não toleravam qualquer forma de resistência.
Mas ele nunca cedeu. Quando, na véspera de seu assassinato, sua sobrinha Lamis implorou para que ele suavizasse sua política de resistência e voltasse a escrever histórias, ele respondeu que a resistência era sua história. Em sua visão, a revolução — a busca incessante por justiça e liberdade — não era apenas seu destino, mas também o da humanidade em geral: “A causa palestina não é apenas uma causa dos palestinos, mas uma causa de todo revolucionário, onde quer que ele esteja, como causa das massas exploradas e oprimidas em nossa era.”
Este humanismo revolucionário tornou-se um grito de mobilização no movimento global de solidariedade com Gaza hoje. Kanafani previu a tragédia de Gaza. Seu primeiro trabalho foi uma história poética intitulada “Letter from Gaza” (Carta de Gaza), uma carta de amor revolucionária à pátria escrita por um jovem Kanafani durante a primeira invasão de Gaza por Israel em 1956. Na história, o jovem escritor chora por sua sobrinha Nadia, que jaz ferida numa cama de hospital após um ataque israelense: “Nunca esquecerei a perna de Nadia, amputada desde a coxa. Não! Nem esquecerei o sofrimento que moldou seu rosto e se fundiu para sempre em seus traços.”
“A causa palestina não é apenas uma causa dos palestinos, mas uma causa de todo revolucionário, onde quer que ele esteja, como uma causa das massas exploradas e oprimidas em nossa era.”
Do ponto de vista da Gaza devastada pela guerra, onde os palestinos são vistos apenas como números, Nadia é uma vítima sortuda, tendo escapado do destino de milhares de palestinos que vivem e morrem como números sem rosto, e que Kanafani lamenta em sua obra seminal “The Death of Bed Number 12” (A Morte do Leito Número 12).
Mas Kanafani também foi um visionário socialista que acreditava que o socialismo era indispensável para a libertação da Palestina. Em uma entrevista que concedeu pouco antes de sua morte, ele afirmou que o movimento nacional palestino “não poderia vencer a guerra contra o imperialismo a menos que confiasse em certas classes [sociais]: aquelas classes que lutam contra o imperialismo não apenas por sua dignidade, mas por seu sustento. E seria este [caminho] que levaria diretamente ao socialismo.”
Kanafani defendia o socialismo como o objetivo final da libertação nacional palestina:
O anti-imperialismo dá ímpeto ao socialismo se não parar de lutar no meio da batalha e se não chegar a um acordo com o imperialismo. Se for esse o caso, esse movimento não poderá se tornar um movimento socialista. Mas se continuarmos a lutar [é natural] que o movimento [anti-imperialista] se desenvolverá para uma posição socialista.
No final, Kanafani não foi apenas assassinado, mas silenciado até a morte, assim como a jornalista da Al Jazeera, Shireen Abu Akleh, foi silenciada até a morte por Israel cinquenta anos depois. Esse também foi o destino de Refaat Al-Areer e centenas de escritores e jornalistas palestinos em Gaza — todos brutalmente assassinados por um estado que teme as palavras, não tolera resistência e se recusa a aceitar desafios em qualquer forma. No entanto, o legado de Kanafani perdurará, porque as palavras vivem, e porque, para Kanafani, o silêncio é a expressão máxima de verdades mais profundas.
Como ele expressou em uma carta para seu filho: “Eu te ouvi no outro cômodo perguntando para sua mãe: ‘Mamãe, eu sou palestino?’ Quando ela respondeu ‘Sim’, um silêncio pesado caiu sobre toda a casa. Foi como se algo que pairava sobre nossas cabeças tivesse caído, seu barulho explodindo, e então — silêncio.”
Foi um bom silêncio, poderoso e criativo, pois “eu sabia, no entanto, que uma pátria distante estava renascendo: colinas, olivais, pessoas mortas, bandeiras rasgadas e dobradas, todas abrindo caminho para um futuro de carne e sangue e nascendo no coração de outra criança.”
Perdi a conta de quantas vezes, nos últimos dois anos, ouvi que algum projeto de lei para regular plataformas digitais estava próximo de ir pra votação no Congresso, de que o tema estava "🔥 quente".
Mas todas as vezes em que um avanço no marco regulatório de redes sociais ganhava alguma força na Câmara, ele virava pó logo depois. Ao que tudo indica, o projeto de lei no Senado para regular inteligência artificial vai seguir o mesmo caminho, com seus sucessivos adiamentos de tramitação.
Isso se deve três motivos principais. O primeiro é a fraqueza da articulação política do governo Lula, que tem interesse nesses tipos de regulações, mas que certamente quer gastar a pouca munição que tem com o Congresso em busca do avanço de pautas econômicas prioritárias.
O segundo é a contínua e incessante polarização de ideias no debate político, no qual é quase impossível haver o mínimo de consenso sobre qualquer coisa no Congresso, quanto mais de algo que pode tirar lasca do discurso público.
Tais motivos me levaram, em mar.2024, a escrever uma análise sobre como o governo e o Congresso entregaram a regulação de redes sociais para o Judiciário.
Agora vejo que o buraco é muito mais fundo do que esse, o que me leva ao terceiro motivo: as Big Techs ganharam essa batalha – ao menos por enquanto.
Porque, no fim do dia, o ruído gerado pelos dois primeiros motivos só engrossa o caldo da vitória do lobby de algumas das maiores companhias do mundo.
A briga não foi vencida por acaso, ela veio montada no lombo de um lobby implacável patrocinado pelas Big Techs – especialmente Google e Meta, mas também de muitas outras empresas.
Esse lobby toma muitas formas e nomes diferentes, como o chamado Conselho Digital (antigo Instituto Cidadania Digital bancado pelas maiores empresas de tecnologia que você imaginar), Câmara Brasileira de Economia Digital e Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia, entre outras.
Também veio na forma da contratação (é sério) do ex-presidente Michel Temer (aka compra de acesso político) pelo Google há cerca de um ano, e na aproximação das Big Techs com deputados no espectro da direita política.
Isso tudo está bem documentado, aqui (via Intercept), aqui (via Agência Pública), aqui (via O Globo), aqui (via UOL), aqui (via Folha), entre muitas outras reportagens.
É muito difícil para a sociedade civil, tenazmente representada pelo trabalho das organizações da Coalizão Direitos na Rede e outras entidades, remar contra a corrente de dinheiro que as Big Tech jorram diariamente em Brasília, com direto a programa de "lobby por assinatura".
E assim a regulação de plataformas, seja para redes sociais, para IA ou para remuneração do jornalismo, vai lentamente ficando à deriva no oceano de marasmo parlamentar, onde se tem muito mais a ganhar com inação do que em avançar pautas de interesse da sociedade.
Nós, organizações indígenas, indigenistas, socioambientais e de direitos humanos, movimentos sociais e outras entidades abaixo assinadas, em razão da tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal da PEC 48/23, que altera o Artigo 231 da Constituição Federal, no § 1º, ao incorporar no texto a tese do Marco Temporal, manifestamos por meio desta Nota Pública o nosso veemente repúdio a esta manobra inconstitucional da bancada ruralista e de outras por afrontarem “os direitos originários” dos povos indígenas “sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, direitos estes, fundamentais, portanto, cláusulas pétreas instituídas pela Carta Magna de 1988 e reiterados pelo Supremo Tribunal Federal, que declarou inconstitucional o marco temporal em setembro de 2023. Os parlamentares ignoraram a decisão e aprovaram no fim de ano a Lei 14.701/2023, que institui esse entendimento, e que hoje é responsável, em parte, pela paralisação da demarcação das terras e territórios indígenas e pelo o acirramento de conflitos e da violência contra os povos indígenas.
A PEC 48 desconsidera ainda o histórico de violências e expulsões que muitos povos indígenas sofreram antes e após 1988. Se aprovada, tornar-se-ia uma sentença de morte, a legalização do etnocídio e genocídio secular praticado pelo Estado e setores da sociedade contra os povos indígenas, cuja existência, física e cultural, depende fundamentalmente de suas terras.
A PEC também representa uma grave ameaça ao meio ambiente. As terras indígenas são as áreas ambientalmente mais protegidas no país. Desempenham um papel crucial na proteção dos biomas, na manutenção de ecossistemas vitais, na preservação das florestas, dos recursos hídricos e da biodiversidade e na regulação do regime de chuvas. Desempenham uma contribuição estratégica contra a atual crise climática e o aquecimento global. Impedir a demarcação dessas terras equivale a projetar a intensificação das invasões, da grilagem, do desmatamento, das queimadas, enfim, da degradação ambiental e do agravamento das mudanças climáticas, problemas aos quais se somam outras práticas criminosas que ameaçam, matam e expulsam os povos indígenas nos seus territórios.
Lamentavelmente setores do governo federal e os do poder judiciário, por ação ou omissão, tem favorecido esta brutal investida contra os povos e territórios indígenas.
Alterar a Constituição, restringindo os direitos fundamentais dos povos indígenas por meio de uma espúria emenda constitucional patrocinada pelos setores mais retrógrados do Congresso Nacional, e apoiada por outros interessados na exploração das riquezas que abrigam as terras indígenas, é totalmente inaceitável, vergonhoso, imoral e inconstitucional, por atentar contra cláusula pétrea da Carta Magna.
Pelas consequências irreversíveis para os povos indígenas e o meio ambiente, é fundamental que a sociedade brasileira e internacional se posicione firmemente contra a PEC 48/2023, pelo direito desses povos a viverem em liberdade nos seus territórios, de acordo com a sua identidade e modos de vida, e pelo respeito aos direitos humanos e a defesa do Estado democrático de direito, por um meio ambiente equilibrado, pelo bem viver da humanidade e do planeta.
Direitos originários não se negociam!
Brasília – DF, 09 de julho de 2024.
Assinam esta carta:
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Rede de Cooperação Amazônica – RCA
Greenpeace Brasil
CTI – Centro de Trabalho Indigenista
Associação Wyty Cate das Comunidades Timbira do Maranhão e Tocantins
Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação Indígena
IEB – Instituto Internacional de Educação do Brasil
Rede Cerrado
OPAN – Operação Amazônia Nativa
Amazon Watch
Uma Gota No Oceano Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão – COAPIMA
Opi – Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato
Comitê Chico Mendes
Comissão Pró-Indígenas do Acre – CPI-Acre
SOS Amazônia
Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre – AMAAIAC
Instituto de Estudos Amazônicos – IEA.
Instituto Yorenka Tasorentsi – IYT
Instituto Makarapy
Organização dos Professores Indígenas do Acre – OPIAC
Centro de Promoção da Cidadania e Defesa dos Direitos Humanos Pe. Josimo.
Fórum de Mulheres de Imperatriz
Núcleo de extensão e pesquisa com populações e comunidades Rurais, Negras, quilombolas e Indígenas (NuRuNI)/Universidade Federal do Maranhão
Associação Nacional de Ação Indigenista (ANAÍ)/Maranhão
Centro de Pesquisa em Arqueologia e História Timbira – CPAHT/UEMASUL – Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão
Amigos da Terra – Amazônia Brasileira
Instituto Amazonialerta
Conselho Indigenista Missionário – Cimi
Proteção Animal Mundial – WAP
Centro de Defesa dos Direitos Humanos e de Povos e Comunidades Tradicionais – CDDHPCT
Indigenistas Associados – INA
Sindicato dos Servidores Públicos Federais do DF – Sindsep-DF
Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal – Condsef
Instituto de Desenvolvimento e Valorização Humana
Central Única dos Trabalhadores do Distrito Federal – CUT-DF
Conselho Nacional das Populações Extrativistas – CNS
Memorial Chico Mendes – MCM
Associação Nacional dos Servidores da Funai – ANSEF
Instituto Sociedade, População e Natureza – ISPN
WCS Brasil – Wildlife Conservation Society
Instituto Fronteiras
Coletivo Varadouro
Casa do Rio
Associação Ashaninka do Rio Amônia – APIWTXA
Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá – OPIRJ
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ
Rainforest Foundation US
Manxinerune Ptohi Phunputuru Poktshi Hajene – MAPPHA
Federação do Povo Huni Kuĩ do Estado do Acre – FEPHAC
Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra- MST
Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
Associação Sociocultural Yawanawa – ASCY
Associação Sócio Cultural e Ambiental Kuntamana – ASCAK
Associação Kaxinawa do Rio Breu – AKARIB
Instituto ClimaInfo
Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras – CPP
Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Pindaré
Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu – MIQCB